sexta-feira, 31 de julho de 2009

LIÇÕES DO TEMPO



Pedro Veriano tem o seu blog, mas não abro mão de sua presença neste espaço, numa convivência que além de afetiva é visceral. Com mais liberdade de espaço, ele trata hoje de vídeos, focalizando, especificamente, um clássico de Louis Malle e outro de Leo McCarey, tão diferentes como água e óleo, mas, segundo ele, vulneráveis ao tempo como obras de artistas mortais.(LMA).


Quando foi lançado nos cinemas (por aqui no finado Cine Palácio) “Os Amantes” (Les Amants/França,1958), filme de Louis Malle, deu motivo à conversa de comadre. Era mais quem contava os segredos de alcova exibidos em tela panorâmica (o enquadramento era para projeção anamórfica), sempre exagerando. Lembro de um padre amigo que me perguntou o quê, afinal, tinha o filme para ser tão “proibido”. Claro que ele, apesar de intelectual, não se aventurava em ver. Eu quando vi fiquei surpreso por ter gerado tanta celeuma. Penso que eu mesmo até que inventei mais do que meus olhos presenciaram do “affair” entre a madame (Jeanne Moreau nova e bonita) e Jean-Marc Bory, o outro do triângulo conjugal (o vértice era Alain Cuny, o ator que fez o amante petrificado de “Les Visiteurs du Soir” de Marcel Carné e o suicida de “La Dolce Vita” de Fellini). Hoje, revendo o filme em DVD, penso que a propaganda do erotismo foi engendrada pelos próprios produtores. Não sei se Malle pensou em filmar com detalhes o ato sexual da adúltera. Se pensou, não realizou. Cheguei a conversar com ele aqui, no Hotel Gran Pará, e o cineasta nem falou neste filme (o alvo foi “Un Souffle au Coeur” e o que ele estava fazendo na época, trabalho sigiloso que podia dar munição aos nossos caçadores de fantasmas da época de ditadura).
O filme é até mesmo ingênuo. Mulher abastada, digna representante da burguesia bem posta, encontra um jovem que lhe dá carona quando o seu carro “prega”, e com ele passa uma hora de sexo. O fato só surpreende porque o espectador pensa que o amante será outro: um aristocrata vivido por Jean Louis de Villalonga, eterno tipo do “dandy” em cinema de diversas fontes.
La Moreau não chega nem mesmo a ser a “fogosa” que se quis ver. Mas os anos eram os 50, ainda não havia chegado Woodstock, a revolta estudantil em Paris, a liberdade sexual. “Les Amants” bebeu na mesma fonte que “Le Diable au Corps” (Adúltera) de Claude Autant-Lara, só que neste exemplo a amostragem era mais sutil e por isso mesmo mais cinema. Ficou na história a chama da lareira quando Gérard Phillipe deita-se com Micheline Presle. E o filme de Lara era da safra de 1947, ainda mais afeito ao puritanismo. Por sinal, um dos indicados para o “index” das publicações católicas. No livro “O Cinema, a Fé e a Moral” ele está entre os títulos “condenados”. Na nossa Belém chegou a ser cartaz do Cine Clube “Os Espectadores” (1955) e foi apresentado por Max Martins no auditório da S.A.I (Sociedade Artística Internacional) onde hoje é a sede da APL.
Se a maldade, irmã gêmea da burrice, agiu em “Les Amants” envelhecendo prematuramente um filme apenas mediano, por ela se ter escondido deixou livre “Love Affair”(Duas Vidas) de Leo McCarey. Ali, na primeira versão de uma história que tinha o dedo do diretor de “O Bom Pastor” e de Delmer Daves (de “Candelabro Italiano”), o elegante Charles Boyer namorava Irene Dunne numa viagem de navio e se desencontrava dela na rua do edifício Empire State (ela seria atropelada). A história atingiu a geração posterior a esse original de 1938 como “An Affair to Remember” (Tarde Demais Para Esquecer) de 1957 com Cary Grant e Deborah Kerr (do mesmo diretor). Uma história tão sedutora para os românticos que chegou a dar uma outra versão, em 1994 por Glenn Gordon Caron com Warren Beatty e Anette Bening..
O cinema atua no tempo e sofre influencia direta do tempo. Essas curiosidades que apontei são testadas agora quando se pode rever filmes antigos em DVD. Muitas vezes essas revisões são catastróficas. A memória é como se canta em “Il Rigoletto” de Verdi ,“volúvel qual pluma ao vento”. Mas até por isso é bom testá-la, mormente numa época em que o cinema industrial é nauseantemente repetitivo. (Pedro Veriano - http://pedroveriano.blogspot.com/)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

50 ANOS DE NOUVELLE VAGUE


Há 50 anos o cinema sofreu mudanças. Críticos da revista francesa “Cahiers du Cinema” conseguiram financiamento para passar da teoria à pratica. Do grupo, três se destacaram: François Truffaut, Jean Luc Godard e Claude Chabrol. É possível citar ainda: Jean Pierre Melville, Jacques Rivette, Eric Rohmer, Alain Resnais e Louis Malle. Esses cineastas procuraram dar uma nova forma à linguagem cinematográfica, instituindo os cortes sem continuidade, desobedecendo a cronologia das histórias, na verdade, desimportando-se com o status de “contar uma história”, já estabelecido e usando o cinema como uma arte bem independente, mais ligada à introspecção.
Do grupo, foi Jean Luc Godard quem mais se destacou em termos de rebeldia aos cânones obedecidos desde o tempo de atuação de David Wark Griffith (1914 com “Nascimento de uma Nação”). Logo na sua estréia, com “Acossado” (À Bout de Souffle) subverteu a métrica filmica e fez uma aventura policial imaginada pelo colega Truffaut de um jeito que trocou a emoção do “thriller” pela admiração da própria narrativa, do modo como se construiu a odisséia de suas personagens: um ladrão e uma estudante norte-americana (respectivamente interpretados por Jean Paul Belmodo e Jean Seberg).
Devido a esse evento – cinqüentenário de um movimento importante na história do cinema, movimento que se espraiou por diversas partes do mundo (inclusive o Brasil com o “cinema novo”) – a ACCPA está reservando títulos de filmes dos três pioneiros do movimento para os espaços que oferece programas na cidade de Belém: Sessão Cult (Cine Libero Luxardo), Sessão do Cine Clube Alexandrino Moreira (IAP) e Sessão Cinemateca (Cinema Olympia).
O filme “Acossado” (À Bout de Souffle, França, 1960) será o programa do dia 8 de agosto, no Libero Luxardo, às 16h30, como parte da Sessão Cult. Quem não conhece o primeiro filme de Jean-Luc Godard terá a chance de conhecer. Importante: participar do debate sobre o trabalho – e a obra do diretor, depois da projeção, sendo conduzido pelo godardiano (entre nós) Vicente Frans Cecim.
“Os Incompreendidos” (Les 400 Coups, França, 1959 ), primeiro filme de longa metragem dirigido por François Truffaut, estará no dia 10, na Sessão do Cine Clube AGM, no IAP. Pode-se dizer que esse filme inaugurou o movimento “Nouvelle Vague” no ano de s eu lançamento. Apresenta traços biográficos e lança o ator Jean-Pierre Léaud como o “alter ego” de Triffaut, personagem que seguirá pela adolescência e idade adulta em filmes seguintes como “Beijo Roubado”, “Domicilio Conjugal” e “Amor em Fuga”. Truffaut faleceu em 1984 vitima de um tumor maligno no cérebro.
“Quem Matou Leda”( À Double Tour , Itália/França, 1959) é o terceiro longa-metragem de Claude Chabrol e o primeiro em cores. Também é o primeiro na esfera do gênero policial que ele admira a partir do seu cineasta preferido, o inglês Alfred Hitchcock. Neste filme, que também conta com Jean Paul Belmondo, o roteiro cobre o assassinato da personagem-título e as suspeitas que recaem sobre um leiteiro, amigo da empregada da casa de uma família de classe média-alta. Ocorre que o namorado da filha dos donos da casa, um “bom vivant”, detestado pelos pais da jovem por seu comportamento extrovertido, mostra-se defensor do acusado revelando pistas para elucidar o crime.
No final dos anos 1950 e inicio dos 60, os novos cineastas franceses ganhariam festivais, passando a influenciar colegas até mais antigos que atuavam em diversas partes dom mundo, inclusive na famosa Hollywood. Alain Resnais faria “Hiroshima Meu Amor” usando o tempo como elemento narrativo; Louis Malle impressionava com o seu “Ascensor Para o Cadafalso”, usando, inclusive, a unidade de tempo que se via em filmes como “Punhos de Campeão” e “Matar ou Morrer”. Jacques Rivette chamaria atenção em 1965 com “A Religiosa” e Eric Rohmer com “Le Signe de Lion” em 1959 (só agora visto no Brasil, em DVD).
A geração que viveu a época em que esses filmes foram lançados constatou que houve mudanças acentuadas na face de um tipo de cinema que era realizado. Não demorou e as conquistas estéticas seriam incorporadas ao processo industrial e o cinema norte-americano passaria a adotar os métodos, especialmente a montagem, não se importando mais em ser explicito na passagem de seqüências indicando espaço de tempo ou mudança estrutural. Sobre esse debate entre o que era a linguagem estabelecida e as contribuições da “nouvelle vague” há uma literatura sugnificativa. Recomendo o livro “Cinema, Arte, Ideologia” (Editora Afrontamento, 1975), com textos de grandes teóricos como: Amengual, Baldelli, Bazin, Comolli, Coursodon, Delahaye, Guback, Kane, Lenne, Metz, Sadoul e Tavernier. Além de entrevistas com: Bresson, Gravas, Godard, Glauber Rocha, Rossellini, Rouch e Straub.
Para o grande mestre Jean Luc Godard somente agora é que o cinema sai da pré-história. Para ele, o potencial dessa arte está longe de ser esgotado. Ele consedera a pesquisa da linguagem tudo o que renova e em cada filme seu ele introduz um elemento para o repensar essa arte que abraçou como uma amante. Seus novos filmes indicam um caminho em busca da exploração exaustiva desse potencial. Por não seguirem de perto o compasso do que se produz nos grandes centros produtores ainda causam impacto para certo público. Na verdade, a “nova onda” foi mesmo um tusiname na arte das imagens em movimento. Daí ser capital assistir aos filmes pioneiros desses autores.
Tenho admiração incondicional pela obra de Godard, principalmente “Duas ou Três Coisas Que eu sei Dela” (2 ou 3 Choses Que Je Sais d'Elle, França, 1967). Ele trata de Paris dos anos 1960.

terça-feira, 28 de julho de 2009

RIO CONGELADO


Uma mulher sentada na frente de um trailer, olhar perdido no cinzento do horizonte, fumando, enquanto lágrimas escorrem em seu rosto. Ao entrar em casa, o ambiente interior é varrido por uma câmera que mostra dois meninos - um adolescente e outro, ainda criança. A expressão dela é marcada pelas rugas, o ritus facial de quem tem sofrido na pele as dificuldades de sobreviver em condições precárias, os dedos encardidos pela nicotina ligam-se ao dialogo entre os três personagens que teimam em resistir a uma situação inesperada: o abandono/fuga do marido e pai destruindo a convivência e alguns sonhos que pareciam próximos da realidade.
Essa é a seqüência introdutória dos 97 minutos de “Rio Congelado” (Frozen River, EUA,2008), de Courtney Hunt, incluindo-se sub-textos como elementos que serão evidentes na narrativa, mas não analisados porque desviariam o roteiro do sentido dado ao drama vivido por duas mulheres de etnias distintas, que se fortalecem na conjugação de suas necessidades.
Ray Eddy (Melissa Leo) morando em Nova York, próximo à fronteira com a cidade de Quebec (Canadá) vê suas economias e seu marido desaparecerem às vésperas do Natal. Um emprego no supermercado e os dois filhos para criar entabulam suas responsabilidades de continuar a rotina, sendo ainda pressionada pelos credores que a cada dia intentam retirar seus pertences por falta de pagamento. E está preste a perder o contrato da casa que iria comprar. Em busca do marido por conta da pressão do filho adolescente que a culpa por não dar a devida atenção ao pai, daí o abandono familiar, descobre o carro abandonado do marido na Reserva Mohawk tendo na direção uma nativa, Lila (Misty Uphan). Energicamente retira a jovem do carro. Mas descobre que esta vive de transportar imigrantes ilegais do Canadá para os EUA através do congelado rio St. Lawrence, precisando para isso, da mala de bagagem de um carro onde possa colocar o “produto”. As necessidades dessa personagem afinam com as de Ray, que vê no transporte ilegal um modo de ganhar dinheiro para ir se mantendo e, quem sabe, reaver o contrato da casa de seus sonhos.
A história de Lila também é dramática. Seu filho recém-nascido lhe foi arrancado pela sogra por não ter condições de criá-lo. Nas horas vagas ela sobe em uma árvore para ver a criança de longe. As duas mulheres unem-se no esforço comum de minorar seus sofrimentos e continuam mantendo a ilegalidade do comércio cada qual pensando em sair da miséria a que se reduziu a vida delas.
A época do drama ganha maior dimensão, visto que não há a imagem natalina comum aos filmes que se passam nesse período. O pai ausente, a mãe na cadeia por traficar estrangeiros pelo “rio congelado”, o filho adolescente investindo em arranjar recursos ilícitos para presentear o irmão menor, uma arvore de natal engendrada, tudo isso é mostrado de forma a retirar qualquer ranço melodramático. O que emerge é a solidariedade das duas mulheres entre si e, possivelmente, um recomeço mais feliz. A metáfora é dada: um carrossel improvisado pelo adolescente gira em frente ao trailer, levando nas cadeiras o filhinho de Lila e o filho menor de Ray, numa nova oportunidade para viverem a vida.
O tipo feminino demonstrado em “Rio Congelado” não fantasia o que o imaginário social conseguiu imprimir secularmente como o “sexo frágil” e que o cinema tem dado mostras de abranger com tipos de heroínas ou então de vitimas. Os dois extremos se chocam nas representações e nem sempre traduzem a condição inerente de uma realidade que se sobrepõe ao mito do “ser mulher”.
Tenho usado muito os recursos da representação feminina para avaliar como o cinema tem configurado este gênero e tenho me surpreendido, pois, ao recortar as épocas, a tradução intersemiótica proporciona elementos interessantes para a discussão sobre esse gênero através dessa arte. A exemplo, lembro, “O Sorriso de Monalisa”, de Mike Newell, com Julia Roberts, ambientado nos anos 1950, onde a maioria dos tipos femininos jovens tendo como aspiração máxima o casamento, manteve em cena os quesitos sobre a “estabilidade” matrimonial e o potencial de sucesso profissional aspirado por algumas delas, um dos valores sociais daquela época.
Em “Rio Congelado” as personagens femininas revelam tipos que transitam ao nosso lado todo dia, talentosas e estratégicas na condução de suas próprias vidas. Ray sabe que não pode mais contar com o marido, mas é acusada pelo filho de ter sido a causa do abandono. Não se deixa abater nem quando vê os filhos passando fome, nem aceita que o mais velho abandone a escola para trabalhar. Lila não tem outra forma de garantir recursos para reaver o filhinho das mãos alheias senão o trabalho marginal de transportar estrangeiros para outros países subsumidos pelo débito com os patrões. A parceria entre as duas, primeiro é impositiva, depois, necessária. Culpas pela prática da ilegalidade elas sabem que têm, mas se não ousarem não conseguem o que lhes falta. A convivência e o conhecimento de suas fragilidades transformam as diferenças entre elas, tornando-as fortes. A solidariedade, o ato final da parceria (seqüência da fuga e, depois, retorno e entrega de Ray ao policial) é o sentido moral que as vincula às responsabilidades que têm que dar conta.
O filme é a estréia de uma diretora também roteirista que não se perde nas entrelinhas (questão étnica, questão do tráfico de imigrantes). Foi candidato aos Oscar de atriz e roteiro. Merecidamente. Perdeu nesta competição, mas ganhou em muitas outras. Uma pequena obra-prima dos produtores independentes.
Não percam.
Cotação: Excelente (*****)

INIMIGOS PÚBLICOS







Johnny Dillinger viveu intensamente seus relativamente poucos anos nos Estados Unidos da pós-Primeira Grande Guerra, época da crise econômica, da lei seca, do banditismo que desafiava os policiais e, muitas vezes, ganhava a simpatia de certo público. É possível dizer que Dillinger foi um dos mais afamados gangsteres mundiais. Por isso deu motivo a muitos filmes. A primeira versão conhecida data de 1945, com Lawrence Tierney vivendo o personagem, sendo dirigido por Max Nosseck. Não conheço essa versão, mas a dirigida por John Milius, protagonizado por Warren Oates enquanto Martin Sheen vivia o policial John Purdy.
Creio que o trabalho de Mann está acima das comparações. Não só em termos de produção, que recria os EUA dos anos 30, como na posição de não reforçar os tradicionais estereótipos, chegando a pintar um Dillinger “nem bom nem mau”, apontando muito mais para o ardiloso que consegue não só fugir de prisões tidas como inexpugnáveis como até mesmo de zombar da policia, “passeando” por uma delegacia enquanto os policiais estão nas ruas atrás dele.
O filme de Michael Mann, “Inimigos Públicos” (Public Enemies, EUA, 2009, 140 min.), com roteiro do próprio diretor e de Ronan Bennett e Ann Biderman, se baseia no livro de Brian Burroughs. A argumentação não está preocupada com a gênese do criminoso, ou seja, não focaliza a sua origem e as possíveis dificuldades que encontrou na sua formação. Interessa a caça ao homem: Dillinger (John Deep). E nesta caça se incorpora a visão critica da base do FBI, o “Bureau Investigation” de J. Edhar Hoover (Billy Crudup). O organismo governamental esbarra na astúcia dos gangsteres e seu condutor é repreendido (e afastado da subvenção do Estado) quando Dillinger afronta a sociedade norte-americana com os seguidos assaltos a bancos. A figura de Hoover é posta como o de um administrador que se julga onipotente, enquanto Melvin Purvis (Christian Bale), seu devotado auxiliar é repreendido por deixar Dillinger escapar embora em uma perseguição tenha eliminado o gangster Pretty Boy Floyd (Chaning Tatum). São focos de tensão que acirram os ânimos da corporação policial na caçada ao chamado “inimigo público n° 1”, com a decisão de trazê-lo vivo ou morto.
Segundo a narrativa, Dillinger enamorou-se de Billie Frechette (Marion Cotillard), a ponto de arriscar-se a encontrá-la. Billie teria escrito ao namorado para afastar-se dela pelo perigo que o mesmo corria. Mas ele insistia. Presa e torturada serve de trunfo nas mãos da polícia. Depois disso, há dois caminhos para o personagem: um novo assalto e a persistência em reencontrar a amada. As armadilhas são sempre inevitáveis e só assim Purvis consegue seu intento através de uma amiga do gangster. Á saída de um cinema onde é exibido um filme “de gangster”, com Clark Gable (“Vencido Pela Lei”/ Manhattan Melodrama,1934) de W. S. Van Dyke, Diligger é alvejado e morto.
Tratando a vida de um personagem famoso, de uma época conturbada, de um cenário (seja no aspecto cinematográfico seja no teatral) muitas vezes abordado pelo cinema, “Inimigos Públicos” podia muito bem se acomodar nos “clichês” e ser “mais um” titulo de uma linha que se confunde com um gênero (há livros publicados detendo-se nos chamados “filmes de gangsters”). Mas Michael Mann consegue ir um pouco além. Sem sair do que se sabe sobre o tipo-chave, ele procura dinamizar a abordagem do tempo e ampliar a odisséia do bandido para um quadro em que se vê a força do crime ao desafiar a lei. Também mostra o companheirismo existente em certas falanges do crime, como a fidelidade e preocupação de Dillinger com seus “colegas” e o modo como ele se arrisca gastando tempo para que muitos saiam da prisão na hora em que ele consegue dominar a guarda e sair “pela porta da frente”. Por fim, o filme não se detém na moldagem da dupla romântica como uma nova Bonnie & Clyde. Nem reforça o melodrama a dizer que o herói-vilão morreu por amor. A linha é mais documental, mais tangente ao realismo, mesmo que isso torne a biografia reticente.
Trabalho interessante de um diretor muito talentoso.
Cotação: Muito Bom (****)


segunda-feira, 27 de julho de 2009

SOMENTE EM DVD

Antes do comentário sobre os lançamentos de filmes em DVD respondo aos leitores e leitoras que têm enviado e-mails reclamando o exíguo espaço da coluna de "O Liberal" e a conseqüente omissão da lista dos melhores vídeos da semana: acessem os blogs: http://luziaalvares.blogspot.com/ e o www.accpara.blospot.com pois nesses espaços, a partir de agora, encontrarão o texto integral da coluna, inclusive aos sábados.
Voltando aos DVDs: continuam chegando às locadoras, filmes não lançados nos cinemas locais. Um destes é “Por Amor” (Personal Effects/EUA,2009), de David Hollander com a veterana Michelle Pfeiffer e Ashton Kutcher. De certa forma uma surpresa. Kutcher interpreta Walter, um jovem treinador de luta livre que se desorienta quando sua irmã gêmea aparece assassinada de forma brutal. O provável assassino é preso e levado a julgamento. Ele torce, assim como sua mãe, Gloria (Kathy Bates), para que este homem seja condenado. Mas não há provas suficientes e o veredicto contraria a expectativa dos parentes da vitima. Por outro lado, o jovem conhece a viúva de homem também assassinado, Linda ( Michelle Pfeiffer), outra pessoa que clama por justiça, alimentando o drama ao criar um filho deficiente de audição e fala. O garoto Clay (Spencer Hudson) ao receber ajuda de Walter através do desporto, se torna visceralmente ligado ao apoio moral e afetivo que este lhe dá. E sensibiliza-se tanto a ponto de tentar associar-se a dor do amigo, vingando-se da não condenação do homicida.
O diretor e roteirista David Hollander adapta convenientemente uma história curta de Rick Moody, usando uma fotografia com predominância de tons sombrios e um sublinhamento musical bastante sóbrio. Mas é nos atores que o diretor consegue firmar o seu trabalho, dando o cunho de realismo (mesmo com um final “arranjado”), que faz do filme um dos bons programas deste ano. Michelle Pfeiffer aos 50 anos demonstra que nada perdeu de talento e charme; o novato Spencer Hudson impressiona no difícil tipo do surdo & mudo. E o mais difícil cabe a Ashton Kutcher, saído de um papel cômico em “What Happens in Vegas”, com Cameron Diaz. Neste filme o ator se esforça para deixar a imagem de um jovem marcado pela morte da irmã, incapaz de tirar da memória a cena do crime. O seu desempenho ganha uma dimensão patética quando ele surge vestido de frango, na rua, divulgando as qualidades de um restaurante. O tipo de publicidade humilha e lhe cai bem na forma como a tragédia familiar o marca, tentando liberar-se no relacionamento com Linda, muito mais madura, mas a lhe dar, até por isso, a necessária experiência.
De um modo geral um bom filme. Podia muito bem ter alcançado o público nos cinemas, mas a distribuição tem razões que a razão, de fato, desconhece. E a prova disso está em outro DVD lançado agora: “Território Restrito” (Crissing Over/EUA, 2009), dirigido por Wayne Kramer. Harrison Ford interpreta um inspetor alfandegário, responsável pela vigilância da imigração. No inicio do filme ele flagra uma adolescente numa fabrica e quer poupá-la de um flagrante, mas um colega também percebe a situação da jovem e leva-a para a prisão até posterior deportação. Este caso tem d desfecho trágico com a morte da personagem, sensibilizando o policial. Há outros casos, cada um deles reforçado por drama íntimo que traduz a esperança que os imigrantes ilegais mantêm em melhorar de vida no novo país. A narrativa é dinâmica embora o acúmulo de personagens e situações a deixe um pouco dispersiva (nem todo mundo tem o mérito de agregar “short-cuts” com dezenas de tipos a exemplo de Robert Altman). Mas há bons momentos e uma visão amarga do que seja a busca por um lugar na sociedade norte-americana.
Somente em DVD o documentário vencedor do Oscar da categoria este ano: “O Equilibrista”(Man on Wire), de James Marsh. Trata do francês que atravessou em uma corda bamba as duas torres do World Trade Center, na década de 1970. O filme concorreu com “Encontro no Fim do Mundo” de Werner Herzog, a meu ver bem melhor.
Outro título que ficou longe dos cinemas foi “A Viagem do Balão Vermelho” (Le Voyage du Balon Rouge/França, 2007) do chinês Hsiao-Hsien Hou. O filme é uma homenagem ao curta-metragem “O Balão Vermelho” (Le Balou Rouge) de Albert Lamorisse (1923-1970) de 1956. O roteiro do diretor e de François Mogolin trata de um menino que passa a ser como que perseguido por um balão vermelho e deixa a sua impressão também com a empregada tailandesa encarregada de lhe tomar conta. O tom poético do filme de Lamorisse não se transfere para este longa, mas há muitas seqüências interessantes que exploram o realismo fantástico. Um verdadeiro campeão de prêmios internacionais.
Apesar de antigo “Mulheres No Front” (Le Soldatesse/Itália, 1965) de Valério Zurlini, diretor de muitos filmes consagrados como “A Moça com a Valise”, “Duas Vidas”(obra-prima que ainda não foi editada em DVD) e “Deserto dos Tártaros”) , não conseguiu distribuição para os cinemas brasileiros. O roteiro de Leonardo Benvenuti, Piero de Bernardi, Franco Solinas e do próprio Zurlini aborda os últimos anos da 2ª.Guerra Mundial quando um grupo de prostitutas é convocado para “distrair” soldados italianos na frente grega. As mulheres tentam se ajudar umas as outras e contam com a generosidade de um tenente interpretado por Tomas Milian. Mas a maioria morre em ataque dos “partisans” (resistentes ao fascismo). No elenco, Lea Massari, Ana Karina, Marie Laforêt e Mario Adorf. Com todas essas estrelas, conhecidas na época, o filme foi ignorado. Hoje pode estar um pouco envelhecido, com detalhes incômodos como a maquilagem das mulheres intocável no meio hostil. Mas é muito interessante e com um ritmo ágil convidativo à qualquer público.
“Legalmente Morto” (Dead Cool/Inglaterra, 2007) é outro inédito nas telonas. Uma comédia bem inglesa (a começar pelas falas), mostrando apenas o quanto o humor britânico difere, hoje, do que era no passado quando empresas como o Ealing Studio de Malcom Balcon produzia comédias como “As 8 Vitimas” (Kind, Hearts and Coronets), e “O Quinteto da Morte”(The Ladykillers). Neste exemplar, escrito e dirigido por David Cohen, um advogado especializado em imigração morre em um desastre deixando dois filhos adolescentes. O mais velho passa a ver o espírito do pai e vai sendo guiado por ele. Nessa condição, o então jovem se opõe firmemente ao novo relacionamento amoroso da mãe com um homem separado e pai de duas meninas. As situações nem sempre se situam como comédia, deixando um teor dramático predominar. Com isso, o objetivo é distorcido e uma visão real dos acontecimentos torna-se anacrônica. Embora também se estenda nas observações de intrigas familiares, mesmo assim há um certo interesse a permanecer nas quase duas horas de narrativa. O elenco tem apenas uma atriz conhecida dos espectadores locais: a norte-americana Rosana Arquette.

OS MELHORES VIDEOS DA SEMANA

Gran Torino
Por Amor
O Equilibrista-
Território Restrito-
Paixão de Ana-
Mulheres no Front-
O Lutador-
Vergonha-
Kapó
Sargento York.

DVDs MAIS LOCADOS (FOXVIDEO)

Presságio
Frost/Nixon
Gran Torino
Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
O Casamento de Rachel
The Spirit - O Filme
Coração de Tinta - O Livro Mágico
Por Amor
A Pantera Cor-de-Rosa 2
Passageiros

quinta-feira, 23 de julho de 2009

HARRY POTTER E O ENIGMA DO PRINCIPE



O 6° filme da série Harry Potter, com base no livro de Joan Rowlings é, sobretudo, um espetáculo visual bem realizado. O diretor David Yates criou um ambiente “dark”, diferente do visto nos outros exemplares da série, acompanhando a transformação dos heróis de crianças a adolescentes e já adentrando pela idade madura. Não li os livros originais e não posso dizer até que ponto essas qualidades seguem o texto, mas vendo como vi os demais filmes percebi a mudança. E isto se faz na trama, com Harry (Daniel Ratcliffe) agora conhecendo um pouco da vida de seu arquiinimigo Lord Valdemort, e recebendo um legado do mestre Dumbledore (Michael Gambon), seu professor e guia na escola de bruxos Hogwarts, que vai ajudar no embate final a ser mostrado em dois filmes a seguir.
Para os não iniciados na odisséia do menino que estuda bruxaria depois da morte da mãe não é muito fácil resumir o enredo deste “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” (Inglaterra, 2008). Evidencie-se que Harry encontra, através de Dumbledore, o professor Horácio Slughorn (Jim Broadbent), figura importante na formação, muitos anos atrás, de Tom Riddle (Hero Fiennes-Tiffin), o futuro Valdemort. Nesse tempo, o garoto era estudante em Hogwarts e já demonstrava a sua ambição de ser, como dizia “o eleito” (o maior dos bruxos). Também sabe que Draco Malfoy (Tom Felton) é protegido do professor Snape (Alan Rickman), outra figura ambígua, pelo semblante mais enquadrado entre os malévolos. Além desses passos, a caminho de descobertas importantes na batalha que se vai travar entre o Bem e o Mal há um enquadramento novo dos colegas da escola. Já se esboçam romances e se vê, por exemplo, como a magia pode interferir em flertes como o de Ron (Rupert Grimm) e a ciumeira de Hermione (Emma Watson).
Desta vez há mudança na história, com a morte de Dumbledore. Há leitores reclamando que este fato é mais amplo no texto e a cena do filme não enquadra a queda no abismo, como no filme. As maiores críticas emergem do confronto entre cinema e literatura. Os adolescentes que se tornaram fãs do bruxinho custam a admitir a diferença, preferindo que o cinema ilustre o que leram. Com supervisão direta da escritora, a série filmada é até a mais respeitosa ao original do que muitos trabalhos advindos de obras literárias. Lembro que a versão cinematográfica de “O Corcunda de Notre Dame”, de William Dieterle, extraída do romance de Victor Hugo, não mata Quasimodo, o corcunda, nem o casal romântico (a cigana Esmeralda e seu namorado). A versão de Jean Dellanoy que tentou mais fidelidade foi menos aplaudida.
“O Enigma do Príncipe” incita a impaciência dos fãs pelas próximas adaptações, ou melhor, a versão do último livro da série. O que se deseja reter desta que está em cartaz atraindo multidões é a fotografia de Bruno Delbonnel, conseguindo um excelente prólogo, capturando Londres invadida pela bruxaria e, também, a concepção poética do final, quando os três amigos, no alto da torre de Hogwarts contemplam a paisagem ouvindo as palavras de Harry sobre a beleza do lugar, ainda não percebida.
Síntese de que o aluno bruxo cresceu, ganhando a sensibilidade inerente aos “trouxas”?

quarta-feira, 22 de julho de 2009

NAS CORDAS

Primeiro filme dirigido por Magaly Serrano, “Nas Cordas” (Dans les Cordes/França, 2007, 93 min.) é um curioso ensaio que faz uma analogia entre o boxe e conflitos familiares. O roteiro, da própria diretora associada a Pierre Chosson e Gaële Mace, trata de duas jovens primas: Angie (Louise Szinepindel) e Sandra (Stephanie Sokolinski), criadas pelo casal Joseph (Richard Anconina) e Térésa (Maria de Medeiros) pais da primeira. As meninas crescem no meio do boxe amador e são seduzidas por esse esporte, visto que Joseph, hoje dono de uma academia, foi lutador, deixando de competir quando nocauteado. Elas tornam-se competidoras na área especifica (feminina, de pesos pluma e médio). Mas em um primeiro embate, enquanto Sandra vence com brilhantismo, Angie perde feio. A luta diferenciada mostra esta ultima mais na defesa do que no ataque. Isso gera a explosão de um conflito que se alimenta de fatos familiares culminando na descoberta de que ambas são irmãs e que a vencedora espera ir à revanche contra a rival da prima embora este incidente não seja bem visto pela perdedora que espera por si própria reaver a sua dignidade ferida. E considera esperteza da prima o “acerto de contas”.
O filme caminha pelo mundo do boxe com uma técnica que se usou nos melhores exemplares do gênero como “Punhos de Campeão” (The Set Up), de Robert Wise, “O Touro Indomável” (The Braving Bull) de Martin Scorsese, “O Invencível”(The Champion) de Mark Robson. As tomadas são rápidas, com muitos closes, a fotografia é prudentemente sombria, o elenco porta-se muito bem, com muita espontaneidade, o que é difícil em filme de estréia.
Observando a odisséia das primas-irmãs, pensa-se numa batalha final entre as duas. Mas, inteligentemente, Magaly Serrano apressa esta contenda e a fúria de Angie se faz num treino com a parceira. Ela prova, dessa forma, que sabe lutar, como o faz num encontro em que abandona o ringue na hora em que está ganhando. O que interessa à lutadora é a sua dignidade antes perdida, é hora de satisfazer o seu amor próprio mostrando domínio do esporte, não para ganhar uma batalha, mas reconhecer a sua força, o mais importante.
Há um ponto que destoa na qualidade do filme: o modo como Angie descobre fatos de sua vida. O uso de um recurso aparentemente casual – ela abre um rádio e ouve um telefonema da mãe lamentando uma passagem de infidelidade do marido com a irmã falecida há 28 anos –, com isso circunscrevendo a emoção da lutadora a esse episódio, ao fortalecer sua raiva em manter-se no ringue e garantir a competição jogando a prima para o escanteio de forma agressiva.
Trata-se de um efeito vulgarizado por filmes com predominância no déjà vu, numa seqüência capital no argumento. Seria preferível que a autora usasse uma forma mais sutil de revelar os laços familiares das personagens, certamente menos explicito, deixando um pouco a cumplicidade da platéia.
Mesmo assim, “Nas Cordas” não “joga a toalha”. A diretora retornou à televisão e provavelmente voltará a dirigir em breve. O filme não chegou aos cinemas comerciais brasileiros.