quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

VOVÔ SEM VERGONHA


Avô e neto numa das "pegadinhas" do filme 

Pegadinhas dispostas a fazer rir quem as vê não é novidade. Em 1948, Allen Funt (1914-1999) produtor de rádio e tevê, criou um programa de rádio intitulado "Candid Microphone” (depois, Candid Camera, para a tevê) de onde solicitava aos ouvintes que posassem para a então curiosidade técnica chamada televisão.
Na virada do milênio, o grupo Jackass saiu da MTV, onde foi criado, para o cinema. O seu “comandante”, Johnny Knowville, é quem representa a figura principal do filme ora em cartaz nacional: “Jackass apresenta Vovô sem Vergonha”(Jackass Presents: Bad Grandpapa, EUA, 2013). O motivo que elevou o filme além da média do grupo, ganhando primeiro lugar nas bilheterias norte-americanas em sua semana de estreia e hoje figurante entre as “10 mais”, é que em meio às “pegadinhas” conta uma história de cunho sentimental. Basicamente é a jornada de um senhor de 80 anos (Knowville) que leva o neto de 8 ao encontro do pai, uma vez que a mãe (a filha dele) está presa como traficante de drogas, enquanto a avó acaba de falecer. A viagem de Nebraska a North Caroline é feita no carro do “velho” (uma maquilagem perfeita no ator de 42 anos) e ao longo do percurso, a dupla, ou seja, o avô e o neto se dão ao direito de iludir os passantes.
O filme é dirigido por Jeff Tremaine, membro do grupo e responsável pelos primeiros filmes dos Jackass. No roteiro está Spike Jonze, o criativo diretor-roteirista de “Quero ser John Malkovich” (1999) e “Adaptação”(2002).
Muitas situações provocadas pelo “vovô” e “netinho” são, realmente, hilárias e, por vezes, dramáticas. Uma delas: quando o ancião invade uma festa de casamento e derruba um monte de taças que estavam artisticamente colocadas ao lado de um bolo de casamento no momento da ceromônia. Há situações que possibilitam pensar em gerar reações violentas como o episódio em que o avô joga o carro em cima de um gigantesco pinguim que marcava a entrada de um estacionamento (e o dono quer logo que seja consertado o objeto).
Em algumas sequencias o apelo ao chamado humor mórbido é colocado, mas não é original (há recorrência divertida em outros filmes). A exemplo, o transporte do cadáver da esposa do avô, que segue na mala do carro em que viajam os dois personagens principais. O objetivo é jogar o corpo num rio que lhes pareça menos fácil de render explicações a quem passe por perto e, segundo o idoso, um último pedido da morta. Essa sequencia fecha com um arremate do gênero: avô e neto vão pescar no local onde está boiando a avó morta... ( é uma cena posada, sem dúvida).
Jonze certamente influenciou no muito de surreal que se apresenta durante a narrativa. Há um apelo ao bizarro quando, por exemplo, o idoso prende o pênis numa porta e pede às pessoas que passam que o ajudem a tirar o órgão. “- Dê-me uma mãozinha” diz ele. E circulando ao redor veem-se os “machões” passarem ao largo sem exibir sorrisos.
Jackson Nicoll que protagoniza o garoto Billy já tem 9 filmes no currículo tendo começado com “O Vencedor”, em 2010.
Todas as ocorrências construidas nas pegadinhas são dadas a conhecer àqueles que “cairam” nas situações irreverentes, somente no final do filme, quando a equipe de técnicos abre o jogo, ou seja, mostra às pessoas que haviam participado dos episódios que os incidentes e até os acidentes eram “coisa de cinema”. Nota-se que algumas pessoas se intimidaram com a revelação por terem contribuido em cenas disparatadas e absurdas. Uma sequencia que não levou à desconstrução, pela equipe, foi a da parte final, quando o neto se traveste de menina para participar de um concurso que mede o desempenho de garotas (beleza, fantasia, postura, dança). Esse episódio tem muito a ver com aquele final do filme “Pequena Miss Shunshine” (2006). A última cena mostra os rostos enraivecidos das mães de família.

Se a irreverência é um dos objetivos do filme este foi alcançado. O riso predominou na platéia durante toda a exibição e a criançada que estava com os pais se divertiu muito. Um fecho interessante foi a referência á amizade criada entre duas pessoas de uma mesma família que ainda não se conhecia. Mostra que o afeto não é imposto, mas um sentimento construido. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

JASMINE E AS MULHERES DE ALLEN



Cate Blanchett e Sally Hawkins : mulheres dos filmes de Woody Allen.


Desde “Interiores” (Interiors, 1978) Woody Allen tem realizado filmes que focalizam a mulher. E sem contracenar com elas. Admirador de Ingmar Bergman (e de Federico Fellini) Allen viu neste seu trabalho em que focaliza 3 irmãs na expectativa do divorcio dos pais, um mosaico e que as pessoas que aparecem quase não sorriem. E todas pertencem à classe social abastada. Uma das obras mais depressivas dele. O escritor-diretor certamente inspirou-se em dramas bergmanianos como “Gritos e Sussurros” lançado meses antes. A experiência pode não ter sido um êxito de público, mas recebeu 10 prêmios internacionais e foi candidata a 5 Oscar. Viriam a seguir a Cecilia de “A Rosa Púrpura do Cairo” (The Purple Rose of Cairo, 1985) interpretada pela então esposa de Allen: Mia Farrow (e a crítica de Allen à indústria cultural). Esta é a única do grupo de mulheres retradas pelo autor que consegue encontrar momentos felizes. E no cinema, seja através de um ator de filme que sai da tela para vagar com ela pela cidade, seja pela sorte de sempre ter um filme para que vá ver e amar.
Outras personagens femininas do cineasta não têm a mesma chance de Cecilia, seja Lane (Mia Farrow) ou Stephania (Diane West) de “Setembro” (September, 1987), seja a escritora Marion (Gena Rawlands) ou Hope (outra vez Mia Farrow) de “A Outra” (The Other, 1988) ou, ainda, as personagens de “Igual a Tudo na Vida” (Anything Else, 2003) ou a Melinda (Radha Mitchell) de “Melinda, Melinda”(2004). Do grupo salva-se até por representar um papel secundário, a Nola Rice (Scarlet Johansson) de “Ponto Final” (Match Point, 2005), o melhor de Allen no gênero, até chegar a este “Blue Jasmine”(2013) ora em cartaz por aqui.
Claro que nos filmes em que ele esteve presente, como “Crimes e Pecados”(Crimes and misdemeanors, 1989) personagens femininas surgiram em plano de sofrimento (no caso, Angelica Huston assassinada pelo amante vivido por Martin Landau). Não se pode esquecer que em Meia Noite em Paris (2011) e Vicky Cristina Barcelona (2008) há crises na vida de suas personagens também. Mas a volta a um tipo como Jasmine ganha um novo formato, pois, não me pareceu “bergmaniano”. Ao contrário das irmãs que assistiam a agonia de uma delas em “Gritos e Sussurros”, ou a enfermeira que assume a identidade da sua paciente (“Persona”) aqui é uma personagem cujo drama emerge da condição social. No argumento, Allen volta à Nova York depois de uma estada europeia bem sucedida (“Meia Noite em Paris” e “Para Roma Com Amor”). E Jasmine, ou Jennifer, é uma socialite novaiorquina, que no começo do filme já perdeu o “status”, voando para São Francisco onde encontará a irmã que sempre foi pobre e por isso, esquecida. A perda foi proporcionada pela própria Jasmine, ao denunciar a corrupção do marido quando sabe que a traição dele (que ela já devia desconfiar) está em domínio público (e não fica bem manter a posição de mulher traída. Mas as fimbrias do filme deixam muito mais significados de que não é somente por esse fator, mas pelo amor que sente por ele, difícil de creditar-lhe, diga-se).
Em “Blue Jasmine” a base dramática é social que se transforma em drama psicológico. Entre morar no Brookyn ou enfrentar o kitsch da casa da irmã noutra cidade, a última opção parece melhor (até porque não a conhecem em San Francisco). Mas é difícil a ex-milionária se adaptar ao modo de vida do que seria, no máximo, um regresso ao que viveu com os pais (que se separaram). E acima de tudo, àquela altura, impossivel despojar-se da cultura da riqueza vivida por muito tempo, modos de vida internalizados que explodem a cada situação apresentada pela irmã e/ ou por um dos acompanhantes. E o filme vai confrontando as duas irmas (Sally Hawkins é a irmã Ginger e Cate Balchette a principal figura – ou a que dá título ao filme) e não mostra caminhos de redenção ou mudança que as façam sorrir. Pode-se dizer que a síntese é um close de Cate chorando. Ou falando sozinha, num banco de praça de onde os que estão ao seu redor se afastam. Além de Bergman, um Allen jogando fora a bola da sorte que seu personagm buscou em “Match Point”.