quinta-feira, 24 de outubro de 2013

FERRUGEM E OSSO


Marion Cottilard em "Ferrugem e Osso"

Adaptando o conto do canadense Craig Davidson, o cineasta francês Jacques Audiard aborda, no seu filme “Ferrugem e Osso”(De Rouile et Os, França, 2012) a história de Ali (Matthias Schoenaerts) um boxeador desempregado que precisa brigar em lutas clandestinas para sobreviver após uma lesão. Ele vai da Bélgica para a França hospedando-se na casa de sua irmã e procurando dias melhores para o filho de pouca idade. Quando conhece, em uma briga de bar, a jovem Stephanie (Marion Cottilard), funcionária de um aquário público, a situação ganha um novo caminho. Nasce um romance, mas a jovem que treina orcas sofre um acidente dentro do aquário, tendo as duas pernas devoradas pelo animal. Daí em diante, o pugilista belga ao invés de diminuir seus encargos acha outro: há de cuidar de si, do filho e da namorada.
“Ferrugem e Osso”(De Rouile et Os, França,2012) é um filme do diretor de “O Profeta” (2009), Jacques Audiard, vencedor de  21 prêmios e recebendo 33 indicações em mostras internacionais de cinema. Marion Cottilard, ganhadora do Oscar por “Piaf” (2007) chegou a ser indicada ao Globo de Ouro pela personagem.
É de supor que o resultado do trabalho tenha sido demasiadamente aplaudido. Além dos bons desempenhos da dupla principal há pouco a se ressaltar na odisseia dos personagens. Impressiona, sim, o efeito especial utilizado para mostrar as consequencias do acidente da jovem atacada pela orca que ficou sem as duas pernas. Mas não se trata de um filme sobre um acidente. O que o roteiro do diretor e de Thomas Bigani com base numa historia do estreante Craig Davison quer ver é o que sentem as figuras expostas, como se dá um recomeço na vida de alguém que perde alguns dos objetivos de vida no campo pessoal e profissional. E para isso se vale da fotografia de Stéphane Fontain, da música de Alexandre Desplat e das locações apresentadas sem a preocupação turística, além do desempenho magistral de Marion Cottilard. Tudo , no entanto, sem deixar os traços de um melodrama que não se furta até de um “happy end”. Para tanto, a narrativa é acadêmica, nunca muito fria ou propositadamente distante do que tende a contar.
“Ferrugem e Osso” repousa na reconstrução de suas principais personagens. Uma é reconstituição moral, outra física. As duas pessoas se unem por traumas nessas configurações. Compreende-se isso, ganhando maior dimensão quando Ali supreende o filho mergulhado no mar gelado ao passear de trenó com ele, e no modo como se desespera com o acidente desfazendo a imagem que o mostrou indignado com o menino dizendo que “o odeia”(momento de raiva momentânea, produto de sua dificuldade em se manter sem precisar do auxilio da irmã que, alem dos problemas de família é despedida do emprego de caixa de um mercado). Mesmo tratando de um quadro dramático intenso, Audiard não busca de linguagem introspectiva que afinal se faria sentir dentro dos casos traumatizantes. A vantagem, se é que assim se pode chamar, é que o talento dos interpretes obstrue um melodrama em potencial. Mesmo que o epílogo ceda espaço a um momento afetivo que, a meu ver não pode faltar naquela amalgama dolorosa de duas vidas que sucumbiram e renascem.
Ao assistir “Ferrugem e Osso” e avaliar o drama de quem sofreu sérias adversidades contribuindo para a dependencia física e afetiva desses tipos, comparei a outro caso que tive acesso esta semana, da morte em vida de uma familia – mãe e irmãs – que perdeu seu filho e irmãos de forma trágica. Lastimei sinceramente essa situação e lembrei que as familias de Santa Maria (RS) poderiam estar nessa mesma situação, alguns com a morte de todos os filhos. Este parágrafo reflete minha associação entre o filme e o caso real.

Marion Cottilard e Mathias Schoenaerts provam seus talentos em personagens difíceis de serem interpretadas no tipo de linguagem que foi explorado pelo diretor. Estiveram entre os premiados merecidamente. O filme está em últimas exibições no Cine Libero Luxardo.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

EUTANÁSIA E MORTE ASSISTIDA EM FOCO



“A Bela que Dorme” (La Bella Addormentata, Itália, 2012)

A jovem italiana Eluana Englaro foi acidentada e passou 17 anos em coma. Lutou-se pela eutanásia, ou seja, o direito de seus familiares liberarem o desligamento dos aparelhos que a mantinham viva. Uma luta que o cinema já focalizou a exemplo do excelente “Mar Adentro” (2004) de Alejandro Amenábar. Mas o diretor Marco Bellocchio (“De Punhos Cerrados, 1965”) foi demais abrangente no seu “A Bela que Dorme” (La Bella Addormentata, Itália, 2012) ora em cartaz por aqui. Utilizou-se do documental e da ficção. Focalizou não só o caso de Eluana como também 3 outros, detendo-se no da jovem que a mãe, uma artista muito religiosa estava à espera de um final feliz para sua filha comatosa (contra um dos filhos que desejava “libertar a irmã”), o de um senador liberal obrigado pelo partido a votar contra a morte assistida (embora em seu passado escondesse um ato de eutanásia da esposa que pedia, no leito de hospital para morrer), e o de uma jovem usuária de drogas que tenta suicidar-se sendo impedida pelo médico avesso à eutanásia. Ao tentar, na segunda vez esse gesto a jovem suicida retém o impulso preferindo uma segunda chance.
O caso de uma pessoa com morte cerebral foi abordado pelo parlamento italiano com a veemente condenação à situação da eutanásia a pacientes terminais (o filme apresenta uma sequencia de documentário televisivo em que se observa a opinião do então Ministro Silvio Berlusconi). Um mural sobre um tema sempre instigante (eutanasia e morte assistida) poderia funcionar desde que se dirigisse a um estudo das próprias contradições em torno. Por exemplo: o senador que é a favor da eutanasia, mas tem que votar contra, numa imposição partidária, contrapondo-se à opinião de sua filha, católica fervorosa, que por sua vez se relaciona a um colega combatente pelo direito do doente em optar pela morte. O que se vê no filme é uma amostragem de casos sem que o roteiro (do diretor e mais Verônica Raimo e Stefano Rulli) adentre pelo problema focalizado seja dos pontos de vista social ou religioso desses dois tipos de morte. Pende entre as opiniões dos favoráveis e dos contrários à morte dos doentes terminais, o que não quer dizer muito (ou nada) sobre o motivo da tomada de posição diante do assunto e de como a ciência e a espiritualidade veem o/s caso/s.
Do “Caso Eluana” restam cenas de velas e flores colocadas pelos populares no muro do hospital onde a jovem está internada (e morre ao serem os aparelhos desligados). É um contraponto para discutir a eutanásia noutros parâmetros, opção não explorada a contento por Bellochhio. Haveria um enfoque mais profundo sobre os jovens céticos e os religiosos como o padre que leva os sacramentos à moribunda sendo expulso do quarto da paciente, pelo médico. O que parece interessar, talvez, pelo desempenho do sempre correto Toni Servillo, é o caso do tipo que representa (o senador), de comportamento aparentemente paradoxal entre votar contra algo que já viveu anos antes. E nesse ponto há um momento muito bom dele encontrando a filha na estação ferroviária e ela pedindo para ler o discurso a ser proferido por ele no senado contra a opinião da maioria que se mostrava a apoiar a proibição de desligar aparelhos para deixar morrer certos pacientes (quando acontece o óbito de Eluana e ele não precisa usar o que pretendia em plenário). Este homem teme a reação da garota por suas palavras que se chocam com o modo de pensar que ela tem, amparada na religião. Não é possivel conhecer mais a fundo a reação da personagem em sua totalidade, como expressão também dos outros casos apresentados. O filme tenta jogar os argumentos para a plateia “decidir”, mas nada disso possui substância bastante para mudar conceito determinado por parte do espectador. O cineasta não prega uma conciliação entre partidários e contrários ao que se tem como “direito de morrer” e também não se toca no caso de Ramon Sanpedro que foi a base do argumento do filme de Amenábar chance de um desempenho excelente de Javier Bardem.
“A Bela que Dorme” ganhou 5 prêmios internacionais incluindo o de melhor diretor no Festival de Veneza. Bellochio esteve bem melhor em “Vincere”(2009) sobre Benito Mussolini, chegado por aqui só em DVD.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

GRAVIDADE


Sandra Bullock em "Gravidade"

O espaço sideral já foi elemento objetivado no cinema além da máquina de Hollywood, em filmes como “Solaris” (1972) de Andrei Tarkoviski e “2001 Uma Odisseia no Espaço” (1968) de Stanley Kubrick. Presentemente, o diretor mexicano Alfonso Cuarón, 51, visita o cenário no seu especialmente audacioso “Gravidade” (Gravity, EUA, 2013) onde ele e o filho Jonás resolvem tratar de situações envolvendo dois astronautas virtualmente perdidos na imensidão sideral quando são arremessados para longe da estação espacial que consertam e ficam à deriva até que possam, com jatos de suas vestes, alcançar outra estação e, enfim, achar viável o retorno ao planeta-mãe.
Segundo uma entrevista, o diretor de “E Sua Mãe Também” (2001) disse que desejou usar a ficção cientifica como metáfora de um drama que pensa o ser humano fora de seu “habitat” e, por isso, sentindo, de forma explicita, o deslocamento emocional causado por algum trauma de onde veio. No caso que ele e o filho focalizam, envolve uma jovem engenheira biomédica, Ryan Stone (Sandra Bullock) que perdera uma filha criança em um acidente escolar e tenta dissipar a dor no trabalho, estreando na qualidade de astronauta. Ela e o colega Matt Kowalski (George Clooney), este veterano e já em final de carreira, estão fora da nave, soldando uma antena, quando recebem mensagem para voltarem a seus postos, pois, fragmentos de um míssil russo podem atingi-los. Infelizmente o aviso não chega a tempo e eles são desgarrados da nave e ficam à deriva no espaço. Os 90 minutos de projeção cobrem, em sua maioria, a jornada de Ryan (principalmente ela) no meio do nada, rodopiando no espaço onde não existe ar, nem (obviamente) som, sem proteção de raios cósmicos além de seu traje, e com o oxigênio do capacete em rápida diminuição.
O filme não é uma proposta realista de uma aventura espacial. Há desníveis que os especialistas podem achar sem grande dificuldade. Mas a angústia pretendida passa ao público. E Cuaron ousa até a inserir momentos poéticos: quando Matt parece adentrar na estação onde já se encontra Ryan, o espectador, em principio, se impressiona com a falha do roteiro em se ver o astronauta entrar no recinto sem prejudicar a colega que já está acomodada dentro dele. Mas a sequência é onírica e os dois conversam, falam de seus problemas, e o dialogo parece dar força à médica que fatalmente se encaminha para um estado depressivo. Também há um momento sensível em que ela pede, se morrer, que vá ao encontro de sua garotinha. Sandra Bullock convence no tipo que investe.
É lugar comum dizer que os efeitos especiais de filmes de Hollywood são esmerados. Mas “Gravidade” não teve um orçamento de blockbuster e usou os efeitos como base de seu argumento. Interessa dimensionar o que se diz, no inicio, a guisa de prólogo, que o ser humano não pode viver no espaço e, mais adiante, fazendo um contraste, como a Terra mostra-se belissima vista de cima (os planos do planeta são reais, de fotos captadas do espaço). Este contraste entre o belo e o horror consegue ser transmitido e justifica o filme de um final que desloca a narrativa do rigor científico e prefere grifar a metáfora pretendida pelo diretor sem o apoteótico contumaz. Mesmo assim as imagens, a seguir uma realidade mostrada muito bem por Ron Howard em “Apollo 13” (1995), podem ser defendidas.
O drama do terráqueo entre múltiplos conhecimentos aprendidos para realizar uma situação estável dentro ou fora de uma nave espacial é divisado na narrativa como algo novo para a biomédica e com mais proficiência para o veterano seu parceiro. Na tensão em escolher os meios de fugir às maquinações do destino ao seu redor com marcadores específicos para qualquer situação Stone se perde havendo o chamamento da experiência para o que poderá usar como estratégia de retorno à Terra. O momento da descoberta de seu empoderamento diante da máquina que tende a levá-la para o caos é decisivo para o enfrentamento de nova exposição aos destroços do missil russo e aproximação entre a Soyuz com a estação espacial chinesa Tiangong que está próxima visando recuperar outro módulo que pode levá-los à Terra.
“Gravidade” é recorde histórico de bilheteria nos EUA com lucro nas bilheterias, na primeira semana, em US$ 50 milhões e US& 40 na segunda. O custo não passou de US$ 60. Isto prova que a inventividade, o talento e a capacidade técnica de uma equipe são permeáveis a todos. Parabéns aos Cuarón.


ENTARDECER


“À Tarde”, de Angela Schanelec. Exibição no Olympia.

Com base na peça “The Seagull” (A Gaivota) de Anton Chekhov, Angela Schanelec realizou “À Tarde” (Nachmittag, Alemanha, 2007). Em sua filmografia a cineasta apresenta 11 filmes como atriz e 9 como diretora. Nenhum título conhecido por aqui. Este que também pode ser traduzido como “Entardecer” (há outras traduções para esse termo) tende a surpreender os nossos cinéfilos devido ao alto estilo narrativo. Um exemplo de extrema paciência no seguimento dos tipos e de situações vivenciadas, querendo explorar/observar o que cada um sente e faz – na realidade sente e procura simbolizar com um tipo de argumentação intimista.
A peça de Anton Chekhov ( 1860-1904) foi escrita em 1895 e concebida por ele como uma comédia. Entretanto, tem sido tratada como drama ou tragédia. Para o escritor seria: "uma comédia, três papéis de mulher, seis para homens, quatro atos, uma paisagem (vista para um lago), muitas conversas sobre a literatura, um pouco de ação, um toque de amor".
O enfoque principal dado por Angela Schanelec é sobre Konstantin (Jirka Zett), jovem escritor que está na casa da mãe, atriz, à beira de um lago, com a namorada e irmãos sendo uma adolescente que também se focaliza com extremo cuidado.
Sempre foi difícil fazer cinema de emoções. Traduzir o que sente uma personagem chega a ser deficiente até mesmo na literatura onde o leitor refaz mentalmente o texto. No cinema pede-se que se veja este sentimento. E como se pode fazer isso? Antonioni tentou na sua série introspectiva iniciada com “A Aventura”. Mas o que se viu foi Monica Vitti andando com a câmera atrás dela. Ou Jenanne Moreau dialogando com Marcello Mastroianni sobre seu relacionamento ao visitar um amigo enfermo em “A Noite”. O interior humano ficou mais no corpo que desaparece em “Blow Up” – como a jovem que some no mar em “A Aventura”. É muito difícil traduzir em imagens o que se passa no íntimo de pessoas focalizadas. E a narrativa bem pessoal de Angela Schanelec usa o silencio e a demora e economia à exaustão, dos planos. Quase não há câmera manual, recurso comum atualmente. Imagens fixas demoram-se nos corpos de tipos que sofrem e vivem. E na primeira sequencia do filme ela anuncia a opção, quando se vê um palco e uma atriz ensaiando uma peça. Ela será o eixo do drama de sua família e a câmera vai acompanhá-la na vida reticente do marido, filhos e agregados.
O titulo “entardecer” cabe bem na proposta de focalizar preferencialmente uma tarde na vida de seres heterogêneos. Quase no final é que se vê a noite, com o jovem e uma companhia nas imediações da casa do lago. Não há manhã radiosa posto que não há esboço de alegria nas figuras focalizadas. E a despedida de Konstantin pode ser a despedida de sua própria existência. Mas o único plano do amanhecer pode ser trágico embora tratado de forma reticente. A mulher-atriz olha o lago e vê uma pessoa nadando até chegar a uma plataforma. Não dá para identificar quem é, mas pode ser quem se pensa que seja. Não se explica quase nada do enredo, considerando-se o modo como a ação toca fundo o gestual, as máscaras e a indefinição das narrativas intra e interpessoal dos tipos.
Num estudo sobre a obra da diretora, a filósofa portuguesa Susana Nascimento Duarte diz sobre o filme:De Tarde opera, em certa medida, no sentido inverso dos filmes anteriores, explorando não a potência de um afastamento das relações familiares, mas indo ao encontro do que se foge nos outros: a fuga dá lugar ao reencontro doloroso de uma família despedaçada”. Em outro momento diz Susana: ...“a verdadeira acção não é a do enredo, mas a dos modos cinemáticos de observação”.
“Entardecer”é filme de exceção, não é “divertissiment” como dizem os norte-americanos. Na linha mais para Tarkovsky, a autora alemã exibe um cinema fechado, extremamente autoral, nada identificado com o que a indústria explora. E por isso não deve ser analisado antes que seja visto. Cada espectador/a é convidado/a  a descobrir o que se expõe na tela. Com a paciência com que se contempla uma obra de arte.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SEM DOR, SEM GANHO E COM FANTASMAS


Mark Walberg & Companhia em "Sem Dor, sem Ganho".

 O diretor Michael Bay, 48, tornou-se conhecido devida a blockbusters realizados como “Armageddon”(1998),”Pearl Harbor”(2001), e 3 exemplares de “Transformers” (2007, 2009, 2011). Ganhou prêmios e, pelo menos um “razzie”(framboeza), troféu dado anualmente ao pior da indústria cinematográfica. Este ano ele quis sair do status anterior (ou seja, “voltar às origens” teria dito) com “Sem Dor, Sem Ganho” (Pain & Gain, EUA, 2013) que trata de Daniel Lugo (Mark Wahlberg) atleta e fisioterapeuta que se julga extraordinário e, na falta de um emprego que satisfaça sua vaidade resolve entrar para o mundo do crime, planejando assalto a um milionário excêntrico. Inclui no projeto alguns colegas de academia como Paul (Dwayne Watson) e Adrian (Anthony Doorbal). As peripécias dessa turma é mostrada em tom de comédia, mas sem linearidade, mesmo com parte da narração oral feita pelo principal personagem. Isso não invalida um amontoado de clichês e um vazio na estruturação dos tipos, ganhando caricaturas como Tony Shalhoub na pele do milionário e invulnerável aos atentados do trio ambicioso e vilão.
Entende-se que Bay afirmou como “volta às origens” o seu primeiro longa metragem: “Bad Boys”(1995). O assunto realmente é afim, mas havia certa coerência na abordagem das aventuras da dupla Mike e Markus representada, respectivamente, pelos atores negros Will Smith e Mark Lawrence. Em “Pain & Gain” o esforço de Mark Whalberg e a estereotipagem de Dwayne (ex-Rock) Watson não sustentam o filme. Ao sair de uma linguagem linear, o roteiro de Michael Barrie, Jim Mulholand e Doug Richardson, de uma historia de George Gallo, deixa uma certa confusão que atrapalha ao invés de melhorar a qualidade dos atuantes e da ação. Fica um filme que se despe do apego comercial e não chega a dar subsidio para uma interpretação mais profunda do que se aborda. A rigor um total desperdício.
Outro lançamento descartável desta semana é “R.I.P.D. Agente do Além” (R.I.P.D., EUA, 2013). O roteiro de Phil Hay e Matt Manfredi de um argumento de David Dobkin (e desses roteiristas) trata da aventura de um policial, Nick Walker (Ryan Reynolds), que é morto por um colega (Kevin Bacon), mas enquanto espera julgamento na eternidade é colocado em ação na Agência Descanse em Paz que trabalha às escondidas na Terra,combatendo bandidos, uma organização que emprega mortos, a que dá o titulo em inglês (Rest in Peace Department) ao filme. O espírito é  assessorado por outro veterano na organização e que teria atuado no velho oeste, Roy Pulsipher (Jeff Bridges). Juntos eles terão que prender o assassino de Nick.
A história pode lembrar “Ghost, Do Outro lado da Vida”(Ghost, 1990), mas a narrativa prende-se muito mais a “Homens de Preto”(MIB, 1997) onde dois personagens lutam contra ETs malévolos. Em “R.I.P.D.”, os extraterrenos são investidos de criminosos comuns. O extraordinário é o esquadrão de fantasmas. E não se trata de zumbis, mas de espíritos que encarnam outros corpos para impor justiça no mundo dos vivos. Tanto que a namorada do policial assassinado (Mary-Louise Parker) não o reconhece de imediato. E no fim da aventura, quando o corrupto policial e assassino leva a pior (e certamente não vai ficar no mesmo plano do além com o colega morto) ele continua no mundo ao lado de seu mentor. Só que em outro corpo.
Não se trata de uma ideia ruim. Podia até ganhar méritos, mas a narrativa imposta pelo diretor Robert Schwentke, que já assinou bons trabalhos como “Plano de Vôo” (2004) e “Te Amarei Para Sempre”(2009, em DVD, com o título homônimo ao livro de onde é baseado, “A Mulher do Viajante do Tempo”) privilegia a ação. A estrutura é de blockbuster. Por isso, o produto vendeu e conseguiu alcançar espaços como os cinemas comerciais de Belém. E vende tanto que uma sequencia já está sendo realizada para a próxima temporada de 2014


terça-feira, 1 de outubro de 2013

ELYSIUM



Wagner Moura e Matt Dammon em "Elysium"

Muitos fatores levam os autores de ficção cientifica a pensar num futuro pessimista para o nosso mundo. Especialmente os criadores de roteiros para o cinema. “Blade Runner”(1982) foi um deles mostrando replicantes androides e humanos numa Terra gósmica, mas, nos últimos anos tivemos, por exemplo, “Wall E” (2008), “Oblivion” (2013), e, agora, “Elysium”. Nos 3 filmes, a Terra de um futuro não muito distante (ainda neste milênio) está arrasada, consequência de guerras e poluição, com os seres humanos habitando estações espaciais onde vivem confortavelmente desde que tenham posses para isso. Só em “Wall E”, excelente animação da PIXAR dirigida por Andrew Stanton, não há seres vivos no planeta. Um robô faz a faxina do que restou das catástrofes provocadas por fatores que não são esmiuçados. Mas chega o dia em que surge uma pequena planta. E o robô incita quem vive na estação espacial a voltar a seu mundo de origem. Os outros filmes não deixam a Terra vazia, mas quem fica no chão é miserável e refugo de guerras nucleares.
“Elysium”(EUA, 2013) é de autoria de Neill Blomkamp, cineasta sul-africano que chamou a atenção de Hollywood com o seu modesto “Distrito 9”(District 9, 2009) onde extraterrestres aterrissam em uma favela na Africa e são alijados pelos próprios moradores do lugar. O filme inspirado não so no “appartheid” como na eterna luta de classes foi candidato a 4 Oscar, recebeu 15 prêmios internacionais e 52 outras candidaturas. O bastante para dar ao cineasta um orçamento muito maior para esta sua historia também do gênero que o consagrou (“Distrito 9” foi o seu primeiro longa-metragem).
Matt Dammon protagoniza Max, um operário que vive na Terra arrasada de 2159. Ao ser vitimado por radiação no trabalho, sabendo que só pode se curar na estação espacial Elysium onde vivem os ricos (o mundo é dividido entre duas classes), procura de todas as maneiras uma passagem clandestina. Pede auxilio ao traficante Spider (Wagner Moura) que fomenta uma revolução capaz de derrubar a proeminência dos milionários da cidade espacial.
Mas além do caso de Max há o de Frey (Alice Braga), colega dele de infância, que está com uma filha menor portadora de leucemia e tem conhecimento de que a doença pode ser tratada em Elysium. Um pacto entre Max e Spider antecede a acidentada viagem do primeiro e a luta para derrubar o governo da cidade-modelo então comandada pela secretária de governo Rhodes (Jodie Foster) tem inicio. E na própria estação espacial há intrigas palacianas, com novos pretendentes ao posto máximo embora esses conflitos internos sejam para uma mudança na estrutura do processo de decisão política sem que isso favoreça abrir mão para os necessitados do planeta.
O conteúdo evoca um novo Cristo no comportamento de Max, pois este intenta uma ousadia: o retorno à igualdade entre as pessoas. Mas a narrativa sucumbe ao modelo padrão de blockbuster e o que se vê é primordialmente a batalha para derrubar a supremacia de Elysium. Muitos efeitos especiais com todos os senões de hábito (como ruídos no espaço, quando se sabe que por lá não se propaga o som) entram em cena para agradar plateias e com isso dar o lucro esperado pelos produtores.
Uma reportagem editada em uma revista sobre cinema informa que a escolha dos dois atores brasileiros deveu-se ao fato de no Brasil existir muitas favelas e Wagner Moura ter sido interprete de filmes onde se trata de favelados (“Tropa de Elite”). Preconceito à parte, o diretor ganhou muito com o empenho, especialmente, de Wagner. Ele não está em muitas sequencias, mas convence no que lhe dão para fazer. Se formos avaliar os protagonismos, Moura é a terceira eminência do filme.
Ainda vitimado pela megalomania dos estúdios, privilegiando a ação, “Elysium”sofre de um liame melodramático na amostragem do relacionamento entre Max e Frey, intercalando-se mais de uma vez cenas dos personagens em criança para mostrar o peso de uma amizade. Não chega (e ainda bem) a um romance, mas justifica na fórmula o sacrifício do personagem num epilogo esperado.
Um filme apenas interessante. Poderia ser muito bom se privilegiasse o tema. Contudo, deve ter promovido o diretor Blomkamp nos padrões da indústria.


EM DVD, MAIS INÉDITOS


Orlando Bloom em "Paixão Obsessiva". 
Nestes tempos de “vacas-magras” do tipo blockbuster no cinema comercial, os filmes em cópias em DVD ( e outras mais sofisticadas) se tornam a salvação do cinéfilo, digo, aquele que não só assiste tudo, como tem suas exigências estéticas e, também, mantém uma média de um filme/dia assistido (há, sim, esse tipo. Conheço ao menos dois nesse modelo). Dessa forma, meus textos das segundas feiras apela para essas indicações. Dai as referências de hoje.
Em “A Revolta do Amor” (L’Amour Braqué/ 1986) o cineasta polonês Andrzej Zulawski lembra o seu filme mais conhecido, “Possessão”(Possession, 1981) aplicando uma linguagem que um critico chamou de histérica para o comportamento de personagens que se conhece na primeira sequencia assaltando um banco e logo passa a ver um deles buscando sua amada que se insere no grupo de “loucos”. O filme não chegou a ser exibido nos cinemas ou cineclubes locais. Chega agora em DVD e merece ser conhecido.
Também só em DVD “De Coração Aberto” (À Coeur Ouverte, França, 2012) drama ambientado no meio médico onde Juliette Binoche protagoniza uma cirurgiã cardíaca trabalhando com o marido alcoólatra e quando este é demitido por não assumir seus compromissos ela engravida e se torna difícil manter o ritmo de atividades no hospital onde trabalha. O filme caminha para um final em aberto sem que isso represente um tempo achado. Mesmo assim a argumentação explora as relações entre um casal que supostamente se ama enfocando momentos de violência doméstica. É, também, um dos bons momentos da atriz, uma das mais solicitadas e inteligentes do cinema europeu atual. Direção de Marion Lane de uma novela de Mathia Énard.
Inédito também por aqui é “O Mistério da Passagem da Morte” (The Dyatlov Pass Incident, EUA, 2012) de Renny Harlin. Evidenciando o enredo, a técnica narrativa do falso documentário inaugurada com “A Bruxa de Blair” vê o que acontece a um grupo de estudiosos que procura a causa do acidente que vitimou uma exploração cientifica russa nos anos 50, nos Urais. A câmera registra a rotina das personagens e quando elas desaparecem o que se vê é o que gravaram e foi encontrado (tal como no caso de “A Bruxa...”).
A recorrência a esse tipo de narrativa vem fazendo-a reconhecida como sem imaginação. Não é isso o que demonstra este filme. O caso dos rapazes e moças que sobem a montanha gelada atrás de pistas de quem os precedeu não deixa de ser interessante. Mesmo porque eles não definem as causas dos fatos, mas alimentam o mistério.
E ainda no grupo de inéditos está “Paixão Obsessiva”(The Good Doctor, EUA, 2010) de Lance Daly. Candidato a 6 prêmios no Festival de Milão apresenta Orlando Bloom como um jovem médico que ao se sentir sem tanta experiência em comparação aos colegas veteranos aproveita o caso de uma jovem com problemas renais para não só administrá-lo como colocá-lo em exclusividade no tratamento iniciado, sem contar com complicações que chegariam e que estariam além de suas forças. A narrativa não procura elevar o padrão para um estudo do personagem, contentando-se em explorar o fato em linguagem linear. É o terceiro trabalho do diretor.
Inédito também é “Hoje” (Brasil, 2012) de Tata Amaral, filme que focaliza o período da ditadura (1964-85) com material de arquivo e participação de figuras conhecidas como Denise Fraga e César Trancoso. No roteiro exemplar está Jean-Claude Bernadet. O tema evidencia a historia de uma mulher que  o espectador vê chegar em uma casa vazia e aos poucos observa-se que ela está de mudança para esse espaço. Ela se acha viúva, pois, o marido teria desaparecido no período ditatorial. Quando consegue ser reconhecida dessa forma e adquirir sua casa uma visita inesperada acontece. O filme tem legendas em português como, aliás, deveria ser rotina nessa produção nacional considerando-se o péssimo som de alguns cinemas e vídeos. Denise Fraga está muito bem, com a narrativa tendente mais ao monólogo, embora a segunda personagem incite a nossa convicção de que representa o momento da catarse de um tempo infeliz que viveu. E o importante: nessa catarse há o momento da verdade. Um filme imprescindível para os estudiosos do golpe de 1964 no Brasil. Veja sem falta.


ARMADAS E IRREVERENTES



Sandra Bullock e Melissa McCarthy em "As Bem Armadas"
Na linguagem brasileira de divulgação de filmes o termo “heat” pronunciado “hit” quer dizer emocionante/ excitante quando se evidenciava “tal filme é um hit”. O titulo do novo trabalho do diretor Paul Feig – The Heat (EUA, 2013) - foi mudado no Brasil para “As Bem Armadas”, sugerindo o comportamento de duas policiais, Sarah (Sandra Bullock) e Shannon (Melissa McCarthy). A primeira é lotada na CIA de Nova York, tendo grande talento em perseguir/capturar vilões, mas quando realiza uma caçada bem sucedida se investe de superioridade dai não ser bem vista pelos colegas. Para adequar a corporação seu superior a envia para Boston com o objetivo de descobrir o paradeiro de um grande traficante. Shannon, da polícia de Boston, é mal vista também pela forma de tratar tantos os colegas como os marginais, além dos impropérios verbalizados em palavras chulas.
A base do roteiro de Katie Dippold é o confronto de temperamentos antagônicos entre a certinha e elegante Sarah e a desbocada, briguenta e mal vestida Shannon. O meio de a comédia ser criada neste caso repousa, justamente, nas personagens. Sandra Bullock, que tem passagem por filmes dramáticos, compõe satisfatoriamente a funcionária exemplar que usa de ironia contra seus auxiliares homens, nas suas descobertas de criminosos. Melissa usa mais o físico como elemento cômico. Gordinha e capaz de expressões sisudas se apresenta, logo no início, brigando com a colega. E neste começo está uma sequencia hilária que traduz a fórmula física. É quando Shannon disputa uma vaga no estacionamento da delegacia e tem de sair pela janela de seu carro. Espremendo-se para passar por um espaço exíguo vai amaldiçoando a dona do veiculo que fez “espremer” o seu espaço.
O filme é divertido, mas poderia ser menor. Com duas horas de projeção esgota o poder de fazer rir pela intoxicação de situações. São muitos os caminhos que levam aos chefes da gangue distribuidora de drogas e o espectador fica tentando adivinhar quem é o chefe dos bandidos já que muitas personagens surgem no caminho das investigadoras mesmo na área em que elas trabalham.
Por certo que a dupla vai voltar em outro titulo e provavelmente com o mesmo diretor (por sinal a produção já começou). Ele dirigiu Melissa em “Missão Madrinha de Casamento” (Bridesmaids, 2010). E sabe que a atriz de 42 anos vem se firmando no tipo e esteve levando muita gente ao cinema como no recente “Uma Ladra em limites” (Identity Thief, 2010) onde se apoiava na trama ao clonar o cartão de crédito de um empresário interpretado por Jason Bateman. O que não se sabe é até quando ela vai usar só esse tipo de papel ou quando vai deixar que o seu aspecto físico seja alvo de situações cômicas.
Aventuras policiais em tom de comédia é um subgênero muito popular no cinema desde a fase silenciosa. Ultimamente o enfoque com base no submundo dos toxicômanos é parte de uma fórmula. A derivação pousa no terrorismo. E saturados de usar personagens masculinos, os produtores apelam para os femininos. Hoje se vê, por exemplo, a policial derrubar um vilão com gestos de caratê ou mesmo socos dignos de mocinhos de faroeste. A novidade na dupla que se vê neste “The Heat” é mesmo o corpo de Shannon (Melissa). Vai por águas abaixo o preconceito para com as garotas e as gordinhas. O tipo que se vê na atual comédia é pródigo no uso de palavrões (a tradução nem sempre coloca todos que ela pronuncia) e não atura desaforo, seja de bandido seja de colega. A estratégia do uso do corpo equivale a alguns revolveres que deixaram de ser detonados. A irreverência na linguagem gestual e acrobática circula como meio de defesa e se torna uma arma mortal quando a situação se justifique para o uso da força física. Isso tudo bem administrado por “mãos femininas”, diga-se. Outra arma é a da intuição, atitude que as assessora quando o meio de campo policial está se tornando um espaço de traidores.
“As Bem Armadas” é filme típico da nova Hollywood onde a hilaridade está no que antes a censura cortava. Nada de obra-prima, mas um programa realmente divertido.