quarta-feira, 25 de abril de 2012

A PERSEGUIÇÃO

 Imagem de "A Perseguição", mostrando a sobrevivência entre lobos e neve.

Pela segunda vez, o ator Liam Neeson trabalha com o diretor Joe Carnahan (a primeira foi em “Esquadrão Classe A”(The A Team/2010) . O filme “A Perseguição”(The Grey/EUA, 2012) ora em cartaz nacional, trata da odisséia de 7 sobreviventes de um desastre de aviação no Alaska. Todos os personagens são trabalhadores em poços de petróleo e ex-presidiários. O personagem vivido por Neeson tem suas atividades em uma determinada localidade da região nevada. O enfoque maior é sobre o seu personagem, Ottway, nas primeiras sequências do filme mostrando-se um tipo convivendo em depressão, sem que se conheça a causa (esse detalhe é importante porque deixa um clima de expectativas no público e só será conhecido no final). Esse estado de desânimo leva-o a tentar o suicídio com um rifle, possivelmente seu instrumento de trabalho. Mas, nesse momento vê-se em perigo ao avistar um lobo que o encara, aproximando-se, e por isso usa a arma para matar o animal. Esta cena, vista no inicio do filme, é muito importante no âmbito da narrativa. Trata-se do processo de sobrevivência que vai ter que enfrentar na zona onde cai o avião, haja vista que lobos ferozes estão à espreita dos sobreviventes. E pode-se dizer que o caçador, no caso Ottway, se transforma em caça. E não é só ele: todos os companheiros de desdita que caminham com ele em busca do retorno à terra civilizada, estão destinados ao enfrentamento com a fera – o perigo maior além da tempestade de neve - a servir de refeição aos lobos famintos.
É de supor que o/a frequentador/a de cinema considere, pelo título, “A Perseguição” como um filme de ação e suspense como tantos realizados por Hollywood. A comparação mais próxima é com “O Voo do Fênix”(The Flight of Phoenix), produzido em duas versões lançadas, respectivamente, em 1965, por Robert Aldrich, e em 2004 por John Moore, e ainda com “Vivos”(Alive/1993), de Frank Marshall e “Caminho da Liberdade”(The Way Back/2010) de Peter Weir. Mas, se nesses exemplos o desenlace contenta os que buscam apenas um divertimento bem administrado, mesmo no caso de “Vivos”, onde se reporta o fato real acontecido nos Andes com uma equipe desportiva, no trabalho de Joe Carnaham, com base em um conto de Ian Mackenzie Jeffers (coautor do roteiro cinematográfico), as concessões são mínimas. Na sessão em que estive algumas pessoas saíram antes de o filme terminar e, no final, pressenti que os elogios foram poucos. Contudo, é um programa de exceção que não atinge uma parte do espectador comum, acostumado às aventuras hollywoodianas. Com desempenhos excelentes de todo o elenco, embora Liam Neeson se destaque pela própria condição da figura que interpreta, a narrativa explora bem o tempo da ação proporcionando o suspense da luta dos trabalhadores contra a nevasca (são constantes as tempestades de neve) e as feras circundantes. Mas, se essa aparente expectativa das imagens pode submeter a trama a esse valor corriqueiro, na verdade, alguns detalhes com flashes sobre o que representa o viver e o morrer para aqueles homens, centra-se numa máxima que é sempre lembrada pelo líder do grupo, Ottway/Neeson, extraída das idéias de seu pai, sintetizada em duas palavras : ou viver ou morrer. Dessa forma, considero que o filme não é só um relato frio (sem analogia) de um acontecimento. Através dos tipos, abre espaço para se tratar, também, de diversos temas como depressão, companheirismo, o valor que as pessoas amadas evidenciam numa hora de desespero, e, até mesmo, a perda da fé – ou a discussão sobre o “esquecimento de Deus”. Tudo sem demagogia, sem forçar a abordagem apta ao “thriller”. Uma boa surpresa.
Vendo “A Perseguição” lembrei-me de outro filme em que os lobos são os vilões da história: “Pânico na Neve” (Frozen/2010) de Adam Green. Ali 3 adolescentes presos num teleférico também são cobiçados por lobos. A opção é ficar preso bem acima do solo nevado até que alguém mova o teleférico ou se jogue no solo e enfrente os animais selvagens. O mesmo medo ocorre com os sobreviventes do desastre aéreo que elegem Ottway como líder do grupo. É a verdadeira batalha contra “lobos maus”(no dizer do conto de fadas).  

terça-feira, 24 de abril de 2012

E OS 100 ANOS CHEGARAM: OLYMPIA



Em meio a falas e discussões durante a semana, chega hoje o grande dia do Cinema Olympia: 100 anos de pé em meio à intensa circulação de pessoas de novas e velhas gerações. As plumas e paetês do início do século, usadas por frequentadores/as da casa para saudar uma tecnologia mais sofisticada chegada a Belém pelas mãos de empresários interessados em aumentar seus lucros no finzinho da “bella-epoque”, se transformaram em intensos debates, agora para saudar o feito e o significado de uma casa de cultura, testemunha de tantos fatos sociais, políticos e pessoais, permanecendo no mesmo local e ainda mais comprometida com a tradição da cidade.

Se as questões levantadas ao longo de tantas entrevistas, de exposições públicas em seminário sobre esta sala tenderam a centrar-se nos fatos pesquisados sobre os modos de vida e a circulação de espectadores do início do século na cidade de Belém quando o Olympia foi criado, mesclaram-se interesses em outros assuntos originados nesses cem anos em que a tecnologia da arte cinematográfica subverteu e aprofundou o modo de reprodução das imagens saidas do cinematógrafo de Louis e Auguste Lumière. Não faltaram, também, perguntas sobre a resistência ao seu fechamento depois de tantas décadas que evidenciaram tensões pela decadência de objetos e equipamentos demonstrativos da falta de conservação da casa. E o que a pesquisa e a memória histórica têm evidenciado reflete a persistência da população da cidade em reaver o esplendor do cinema nos moldes de cada época.

Se os estudantes paraenses da década de 1940 pleitearam a meia-entrada como beneficio de sua condição e conseguiram a sensibilidade do então proprietário do cinema, haja vista que esse privilégio já vinha sendo distribuido para a categoria em outras cidades brasileiras, os da década de 1950 também fizeram seu protesto, então pela melhoria das instalações precárias argumentando que outras casas do tipo, em outras capitais, já apresentavam poltronas estofadas e ar refrigerado. Com 600 lugares e, geralmente, casa cheia quando os programas eram filmes do gênero chanchada (brasileira), tornava-se improducente curtir a sessão sem boa qualidade do ambiente.

As sessões extras do tipo “Vesperal Passatempo” (17 h aos sábados) e “Última Chance” (com a exibição de filmes já exibidos e tendo percorrido os cinemas dos bairros) também às 17h, criados pelo gerente desse cinema, Adalberto Augusto Affonso, com a finalidade de chamar a atenção do público que áquela altura tinha outros espaços para escolher suas preferências, o cinema Olympia mantinha-se fiel a uma programação de qualidade demonstrando que jamais perdera o “aplonb” para espectadores das citadas“plumas e paetês”, agora o frequentando numa indumentária mais simples, onde o império das calças jeans e os chinelões passaram a conviver democraticamente.

A almejada reforma da sala de proejeção só foi alcançada quando inaugurou o Cine Palácio, edificado por empresários locais. Precisamente em 1960 o Olympia passou a ter as suas poltronas estofadas e ar condicionado. E suas estréias, que figuravam na base de 3 filmes por semana converteram-se em apenas uma como, na maioria das cidades do país.

As novas técnicas como o cinemascope, o som estereofônico, e os gêneros de filmes foram se adaptando (e gerando) novas faces culturais. As sessões “cinema de arte” são exemplo ilustrativo de mudanças. De público e de comportamentos. Os mais intelectualizados e letrados nas artes circulavam nesse espaço nas manhãs de sábado, com as mulheres jovens tratando de estimular seu visual com as idéias de uma moda “subversiva” de Mary Quant – em que a minissaia figurava como vetor de imposição de costumes e as cores chamadas psicodélicas contribuiam para isso –justapunham-se ao comportamento dessa geração “que amava os Beatles e os Rolling Stones” e gerenciava outros tipos de saberes mais entrosados com os costumes da contemporaneidade. Estes queriam entender o cinema, a técnica da linguagem, o modo de conviver com as mudanças da geração Woodstok.

Mas os empresários começaram a sentir os efeitos de concorrências das novas mídias como a TV, o video (VHS e depois DVD), com a pirataria do gênero e, principalmente, a falta de segurança nos cinemas de rua. Migrou-se para os shoppings. E o Olympia, como outros espaços do tipo, foi relegado por seu proprietário. Veio o clamor público e a intervenção da PMB. Hoje é Espaço Municipal Olympia. E resiste. E ganha a homenagem que merece por sualongevidade.

Parabéns cinema Olympia. Por tudo o que nos brindou nestes 100 anos. Você merece!


segunda-feira, 23 de abril de 2012

O OLYMPIA E A MÚSICA


Hoje a coluna deixa de apresentar os vídeos da semana e publica um texto importante sobre o Maestro Altino Pimenta e sua canção para o Olympia, escrito pela Professora Maria Lenora Menezes de Britto (Mestre em Musicologia –USP-UFPA e ocupante da Cadeira nº 1 da Academia Paraense de Música). Este texto será publicado no “Olympia Jornal” a ser organizado por Pedro Veriano em homenagem ao centrenário desta casa.

O Cinema Olympia e o compositor Altino Pimenta

Encontrei-me, na semana passada, com Pedro Veriano. Não, não foi em sessão especial de filme, foi mesmo em um supermercado... Nossa conversa foi girando sobre cinema e, naturalmente, sobre as comemorações do aniversário do cinema Olympia, vitorioso ao escapar do terrível esquecimento que se abatia sobre ele, dentre tantos esquecimentos terríveis que ocorrem em Belém com nossos prédios, praças e nossa história.

Logo nos recordamos do músico paraense Altino Pimenta, que compôs OLYMPIA, e nada mais oportuno que lembrar esta homenagem e incluí-la nas comemorações do querido cinema.

A composição é para violino e piano e traz na partitura, logo abaixo do título, a frase: “lembranças do velho cinema”.

Essa dedicatória me deixou curiosa e tentei alcançar a emoção do compositor, descobrir o vínculo que mantivera com o “velho cinema”. Sua filha, Denise Pimenta, foi a quem recorri e ela voltou, então, em câmera lenta, às“lembranças” que, contidas na memória de seu pai, transbordaram para a pauta musical, ao escrever Olympia.

Altino nascera de seis meses, depois de muitos insucessos para sua mãe levar a termo aquela gestação. Quando a criança veio ao mundo, pelas mãos do famoso Dr. Lauro Magalhães, era fraquinha e muito pequena. A família toda se desdobrava em cuidados. E, mais tarde, que luta para o menino comer! Brinquedos, histórias, álbuns com belas figuras – seu pai era dono da Livraria Gilet – tudo para distrair o “menino fraquinho” e fazê-lo engolir umas poucas colheradas de alimento.

Eles moravam na Assis de Vasconcelos e o garotinho inventou, certo dia, que só comeria se fosse no coreto da Praça da República. Todo aquele espaço era seu!

Voltando à casa, viu uma senhora a talhar com cuidado e quase respeito, uns cortes de seda, vindos da conceituada e ultra chicParis n’América. Era ainda o tempo em que a costureira vinha às casas para confeccionar os vestidos e caprichar nos bordados e nas rendas das “roupas íntimas” das mulheres da família.

O menino pegou uma tesoura que estava a um canto da mesa e alegremente iniciou um poderoso estraçalhamento das sedas e rendas... Tudo lhe era permitido, contanto que comesse...

Depois, já mais grandinho, insistiu para entrar no cinema Olympia. O porteiro achou graça da teimosia daquele garoto franzino e da aflição da babá para contê-lo, e permitiu que entrasse. Pronto! No outro dia anunciou que só comeria se fosse dentro do Olympia. Assim foi feito e assim foi saboreado! As bravuras de Tom Mix, as cambalhotas de Chaplin, os primeiros medos com Lon Chaney, Charles Laughton (no Corcunda de Notre Dame) e, a música sugerindo, ligando, arrematando, eram um encantamento para Altino.

Sua imaginação, a vontade de improvisar ao piano ali estavam recebendo as primeiras proteínas...

A composição Olympia foi escrita por Altino Pimenta em 1992. É alegre e espirituosa, em andamento vivo. Na partelírica e mais calma, as frases do violino são a imagem chapliniana na sua declaração amorosa à florista cega. Logo há o retorno à primeira parte, de caráter vivaz, e a obra se encerra com uma coda vitoriosa, na qual o piano apresenta, quase marcial, o tema então usado no cinema Olympia, no início das sessões.

Olympia está gravada no CD Altino Pimenta – Projeto Uirapuru – O canto da Amazônia – SECULT/PA. Ao violino, Celson Gomes, violinista paraense. Esta gravação de Olympiaapresenta a importância histórica de ter Altino Pimenta ao piano.

A peça também foi gravada no CD Música Brasileira, com arranjo de Barry Ford para clarinete, violino e piano. ARCORTRIO (Marcos Cohen, Celson Gomes e Cintia Vidigal) – PROEX/ UFPA- SECULT/FAPESPA - 2011.

“As lembranças são como gravetos que se junta para fazer o fogo”, -poetisa Mário Quintana. Que este fogo, estas brasas, nunca se apaguem. (Lenora Britto)


domingo, 22 de abril de 2012

AREA Q


Isaiah Washington, atore de seriados da TV americana é o principal personagem em "Área Q"
Quixadá (Ce) é tida como “a capital nordestina dos discos voadores”. Há casos acontecidos lá, de abdução, que entusiasmaram os ufólogos (ou ovniólogos), como o do Sr. Luis Barroso Fernandes, contado em detalhes na revista UFO, de fevereiro/2012.
O assunto deu margem ao filme “Área Q” de Gerson Sanginitto, ora em cartaz nacional. A produção é binacional (Brasil/EUA) e conta com o ator Isaiah Washington conhecido das telesséries “Grey’s Anatomy” e “Law & Order. Ele interpreta um repórter norte-americano viúvo, pai de um menino de 7 ou 8 anos, que um dia desaparece quando estava brincando num parque.
Thomas Matthews (o nome do personagem interpretado por Washington) que desde o desaparecimento do filho desinteressou-se do emprego de jornalista, é enviado ao Brasil, especificamente ao Ceará, para pesquisar a matéria intrigante que circula o noticiário mundial e elaborar uma reportagem sobre os acontecimentos misteriosos ocorridos em dois municípios cearenses, Quixadá e Quixeramobim, somando-se a estes mais um com a inicial Q, conhecidos como área Q (Quixeré e /ou Quixelô). Naquele lugar há outros desaparecidos, especialmente um homem chamado João Batista que depois de sumir de sua casa é considerado responsável por milagres que acontecem na região.
O filme indica um contato do 3° grau (comunicação com ET) lembrando o discurso de Klatoo (Michael Rennie) no clássico do cinema “O Dia em que a Terra Parou”(The Day the Earth Stood Still/EUA,1951). Como um observador da vida na Terra, o visitante de outro mundo diz que está preocupado com a violência no planeta, com as armas nucleares e o inicio das viagens dos homens para o espaço sideral. E ameaça interferir se a má conduta humana chegar a outros planetas.
O tema sempre é interessante e a prova é que “O Dia...” ganhou nova versão em 2009. Mas para tratar do assunto é preciso mais embasamento. “Área Q” é um esforço louvável por se saber que partiu de uma produção difícil, longe do poder econômico de uma Hollywood. Mas até aí caberia uma adaptação de recursos. O roteiro é muito esquemático e traz situações que me pareceram mercadológicas como o encontro amoroso de Matthews com a colega jornalista Valquíria (Tania Khalil) que mais tarde se sabe ser agente do governo americano e estar investigando os óvnis a mando da “inteligência” estatal. Esse recurso comercial tira a feição realista que se apresentava até pela atuação apenas razoável do elenco (vê-se que até um veterano como Washington está em alguns momentos deslocado).
A presença de uma companhia de filmes espírita, na ficha técnica, indica ter havido um propósito de inserir a “mensagem” evocada como uma proposta de conciliação. O final, por exemplo, é demonstrativo de uma dimensão reencarnatória (embora o garoto não tenha falecido) como forma de atender ao apelo do pai americano ao ser extraterreno para rever seu garoto, e não à toa a criatura do espaço é mostrada em alguns planos como uma luz (seria o equivalente a um espírito de luz). Mas o diretor faz questão de dizer que seu trabalho nada tem de espiritualista ou mesmo de ficção cientifica. Seria um pai em busca do filho. Mas o próprio argumento, fragilizado num roteiro esquemático, coloca muito mais assunto em pauta e nisso vai o potencial lendário do sertão nordestino. Apesar de tudo, o filme não é ruim. Poreja as boas intenções e um equilíbrio artesanal dentro dos mínimos recursos obtidos.
Um detalhe: a figura de João Batista aparece falando em inglês. Mas a sua mensagem é dita em português. Mostra-se a capacidade de comunicação do espírito elevado (o ET).

12 HORAS

Amanda Seyfried em uma das cenas de "12 Horas".
Heitor Dhalia é natural de Pernambuco e como diretor de cinema ganhou prêmios e respeito da critica nacional por dois filmes realmente muito bons: “Nina” (2002) e “O Cheiro do Ralo” (2004). Como os colegas Walter Salles e Fernando Meirelles foi fazer cinema nos EUA. É dele este “12 Horas” (Gone/EUA,2012) em cartaz esta semana em Belém.
Este filme não recebeu boas críticas no país de origem e nesse tom evidenciou-se a nacionalidade do diretor dizendo-se que era brasileiro. Walter Salles também não agradou aos norte-americanos com “Água Negra” (Dark Water/EUA, 2006). A estrutura comercial de Hollywood nem sempre condiz com o estilo de fazer cinema que nossos autores realizam. Na realidade, “12 Horas” nada tem dos filmes citados como dirigidos (e escritos) por Dhalia. Aqui a história vem de um livro do roteirista Allison Burnet e a composição resulta num thriller mais afeito aos moldes de televisão. Mas não se pode dizer que o resultado é fraco.
A narrativa capta, na primeira sequencia, uma jovem caminhando através de uma mata, às vezes cerrada outras vezes revelando-se um pequeno bosque. Sua preocupação é marcar num mapa os locais por onde passa. No corte, desloca-se para a casa onde mora com a irmã. Trechos irregulares de conversas captam-se das duas sobre um passado não muito bom para Jill (Amanda Seyfried) enquanto Molly (Emile Wickersam) tenta desinteressar a irmã das caminhadas, mais preocupada também com os estudos e a prova que fará no dia seguinte. Mas enquanto a primeira sai para o trabalho noturno numa lanchonete, a segunda busca adormecer. Ao retornar no dia seguinte Jill não encontra a irmã em casa. A ideia que lhe chega é que Molly foi sequestrada pelo mesmo serial killer que a assediara e a colocara numa cova no meio da mata, mas por sorte conseguira fugir. Embora acorra para o posto policial a fim de denunciar o sequestro da irmã, os detetives não levam em conta suas queixas associando ao fato já ocorrido antes com a jovem, dado como “imaginação fantasiosa”. Ela decide investigar por conta própria o paradeiro da irmã. Mas a policia acha que tudo se passa em sua cabeça. Nada foi encontrado no lugar onde Jill contou ter sido aprisionada. Como insana, ela acaba não sendo ajudada mas perseguida pela policia de sua cidade: Portland (Oregon).
Amanda Seyfried convence como a mocinha decidida que luta caratê, sabe manejar arma e tem coragem para desafiar tudo e todos. O destemor em falar com o “vilão” seguindo o destino que ele lhe traça para encontrar a irmã, é mesmo tarefa de mocinha das HQ. Mas é o elemento necessário ao suspense que pouco pede em termos de enigmas. O filme quase não exibe surpresas. A atenção do espectador repousa nas investigações da jovem garçonete. E para contentar o público com um enredo sem grandes surpresas, o diretor maneja a ação com cortes precisos, planos bem cuidados, iluminação eficiente para contar com o tempo, ganhando a escuridão na medida em que se ganha o trajeto da “mocinha” na busca pretendida, e uma direção de arte muito interessante, sem medo de usar velhos artifícios na constituição do cenário do crime.
É evidente que “12 Horas” não é um filme denso como os que Dhalia já realizou em sua terra natal. Foi uma concessão ao espetáculo de Hollywood. Mas não se pode dizer que não fez um exercício de produção comercial. O mais crítico a dizer é que o filme não traz muito além do que exibem algumas séries de TV. Mas são as boas séries, as que prendem plateia. E o objetivo deste “Gone” é mesmo ir ao grande mercado, é levar um autor de filmes brasileiros a um cenário extremamente competitivo. E mais: o filme abre um pequeno espaço de denúncia ao trabalho da corporação policial que rejeita as queixas da jovem de ter sido sequestrada e quase morta. Ninguém acredita em Jill e ela tem que investigar por sua conta se quer ver a irmã de volta. Esse fato, aliás, leva o espectador a não sentir segurança nas assertivas da garota e considerar que toda a trama parte da imaginação dela. Um resultado bastante divertido para quem se interessa pelo gênero.

TITANIC

Leonardo di Caprio e Kate Winslet em "Titanic", 1998)
Na noite de 14 de abril de 1912 o majestoso navio Titanic viajando de Londres para Nova York bate num iceberg e naufraga. O saldo da tragédia foi de 700 sobreviventes e 1500 mortos. O cinema se ocupou do assunto logo depois do naufrágio, no mesmo ano, com a produção alemã “In Nacht und Eis” de Mime Misu. As versões mais conhecidas são a de Jean Neguleso, para a Fox, em 1953, com Clifton Webb e Barbara Stanwyck, a de Roy Baker em 1958 exibida no Brasil com o nome de “Somente Deus por Testemunha”(A Night to Remember) e a de James Cameron em 1997 que ora é reapresentada em adaptação para 3D.
A tecnologia que permite visualizar as imagens em 3 dimensões evidencia a profundidade de campo. Mas o forte do filme de Cameron é a montagem. Ele consegue um suspense de vulto nas cenas finais com planos dos corredores do navio inundados e da luta de Rose (Kate Winslet) para salvar seu amado Jack (Leonardo di Caprio) algemado numa das dependências mais vulneráveis da embarcação. Também faz prodígio a direção de arte, recriando o navio em tomadas internas e externas, tudo construído em estúdio (inclusive o tanque que serviu para dimensionar o oceano).
Vi e vejo o trabalho de Cameron como um dos mais eficientes em termos técnicos. Tudo funciona numa dimensão espetacular, deixando muito pouco para a estrutura do personagem que viaja na 3ª classe ao ganhar uma passagem por sorte no jogo e tem inclinação para a arte de desenhar. O tipo serve para mostrar a diferença de classe na embarcação, ganhando dimensão de horror quando se vê os guardas fecharem as portas que dividem os segmentos onde estão ricos e pobres e ironizando quando se vê que todos enfrentam a morte nas águas geladas.
É natural que um blockbuster do tamanho de “Titanic” (sem ironia) abra espaço para concessões comerciais. O romance de dois dias, com força para assimilar o sacrifício da heroína, é peça de folhetim. Nesse caso, converge para o centro do argumento dimensionando a condição social dos protagonistas. As classes sociais definidas em espaços específicos no interior do navio são mostradas de acordo com privilégios e ou discriminação, desenhando-se, também, valores e costumes dessas classes. É o caso dos familiares de Rose em comparação com a turma amiga de Jack. A falsidade de uns, na primeira classe, está contraposta à honestidade e simplicidade dos da terceira classe, daí a afinidade da jovem à alegria contagiante dessa turma com quem se associa até o fim. E por ai vai a definição folhetinesca.
Mas o filme funciona também como o veiculo do enfoque básico, ou seja, o naufrágio. Nesse ponto, o trabalho de James Cameron é imbatível. Ganha os concorrentes do passado e chega até mesmo a superar o filme de Roy Baker que se detinha num membro da tripulação (Kenneth More), esmiuçando detalhes do desastre e dos pedidos de socorro, neste ponto denunciando um barco que estaria mais próximo do local do naufrágio e se omitiu a responder até mesmo os fogos de sinalização disparados do Titanic e que o seu comandante chegara a ver.
O trabalho de Cameron levantou 11 Oscar, sendo o campeão em prêmios irmanado com “Ben Hur”(1959) e “O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei”(The Fellowship of the Rings 2003). Em Belém, o sucesso foi representado por enormes filas, mesmo em vesperais dos dias uteis, no cinema Olímpia, passando depois para o Nazaré 1 e sendo reapresentado anos depois pelo Cinema 1. Creio que este foi o último filme a fazer tanto sucesso nos cinemas de rua da cidade (hoje todos extintos). E está entre os mais vistos na casa que hoje também atinge o centenário. Um programa histórico dentro e fora da tela.

sábado, 14 de abril de 2012

CLÁSSICOS DE HOJE E DE ONTEM

Modelo da chamada screwball comedy "Irene a Teimosa" (1936), com Carole Lombard, de Gregory La Cava.

Filmes premiados e cultuados estimulam a ida ao cinema neste final de semana: “Titanic 3D”, “Area Q”, “Separação”,  “Medianeras”, ”Um Burguês Pequeno” e “Irene,a Teimosa”. Os dois primeiros ganharam Oscar: “Titanic” foi o campeão em 1997, ganhando 11 das 13 estatuetas que disputou; e “Separação” ganhou este ano na categoria de filme estrangeiro. Ainda estreiam: ”À Toda Prova” (Haywire/EUA,2012) de Steven Soderbergh e “12 Horas” (Gone/EUA,2012)dois suspense promissores.
“Titanic”(EUA/1997) está na historia por vários motivos: junto a “O Senhor dos Anéis,O Retorno do Rei”(The Lord of the Ring,The Returno of the King/2003) e “Ben Hur”(1960) é o filme mais premiado pela Academia de Hollywood e por muitos anos foi a maior bilheteria da história do cinema, só deixando o recorde há dois anos para “Avatar”do mesmo diretor, James Cameron.

O filme volta para marcar o centenário da tragédia marítima que emocionou o mundo. E volta ajustado para ser visto em 3D, processamento usado pelo próprio autor.
Lançamento internacional.

“Área Q”(Brasil/EUA, 2012) trata de ovnis e espiritualismo. Filmado no interior do Ceará com direção de Gerson Sanginitto, trata de um jornalista que tem um filho desaparecido e que se dedica a tratar de contatos imediatos de 3°grau acontecidos em Quixadá e Quixeramobim.
“Separação”(Jodaelye Nader az Simin/Irã, 2011) surpreendeu o mundo com a abordagem realista do drama de um casal que se separa porque a esposa quer sair do país e o homem alega que precisa cuidar do pai portador do Mal de Alzheimer. Para cuidar desse idoso ele contrata uma empregada grávida que esconde esse estado do marido e do novo patrão. Quando ela acidentalmente aborta culpa o emprego e o caso vai à justiça assim como é interpelado o próprio divorcio que deve decidir com quem ficará a filha adolescente do casal.

Atores excelentes em narrativa simples convencem e emocionam. O filme ganhou uma série de prêmios internacionais antes de ir ao Oscar e sair também vencedor.
Exibições no Cine Estação até domingo.

“Irene, a Teimosa”(My Man Godfried/EUA,1936) é uma comédia de Gregory LaCava com Carole Lombard e William Powell. Trata de garotas da classe média alta que fazem uma brincadeira de levar um mendigo para a sua casa. Só que elas levam um milionário excêntrico que passa por mendigo. Este filme era um dos preferidos do amigo Alexandrino Moreira a quem o programa do mês no cineclube que leva o seu nome(no IAP) é dedicado. Segunda feira, às 19 horas.
“Um Burguês Muito Pequeno”(Un Borghese Piccolo Piccolo/Italia, 1986) é um filme excelente de Mario Monicelli com Alberto Sordi. O enredo trata de um escriturário que planeja o futuro do único filho, mas vê este morrer por balas de assaltantes de banco. Inconformado, passa a caçar o criminoso. Uma obra-prima do diretor de “Os Companheiros”. Ãmanhã na Sessão Cult(16,30)do Libero Luxardo.

Festival do Centenário – Exibição até domingo, no Cine Olympia, da programação elaborada com filmes que marcaram época nesse cinema. Hoje, 13, será exibido “O Fim do Mundo” (When Worlds Collide/EUA, 1951), de Rudolph Maté. No sábado, 14/04, será a vez de “Syriana”(EUA/2006), de Stephen Gaghan; e domingo, 15/04 “...E O Vento Levou” (Gone With the Wind/EUA,1939) de David O. Selznick & Victor Fleming Horário será o habitual, às 18h30, exceto no domingo que a sessão começa às 16 horas.
“Medianeras” (Argentina/2011) mostra o distanciamento físico das pessoas na era digital. Martin (Javier Drolas) e Mariana(Pilar Lopez Ayala) moram perto, mas não se conhecem. Ele trabalha editando sites em computador e não sai de seu apartamento. Ela, arquiteta que ganha a vida em outra profissão, a de vitrinista, está vivendo uma separação muito traumática que a deixou sem horizonte. O filme de Gustavo Toretto evidencia a estrutura desumana das metrópoles detendo-se nas laterais de edifícios. Trata do momento contemporâneo onde a vivência das pessoas é atropelada pela falta de espaço, falta de planejamento e solidão em seus minusculos apartamento.

Excelente. Vale a pena conferir, no Cine Libero Luxardo, em horários normais (19 h).


XINGU

Cena de "Xingu", com João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat.

Cao Hamburger, diretor paulista que muitos conhecem de pelo menos dois títulos – “O Castelo Ra Tim Bum”(1999) e “O Dia em que Meus Pais Saíram de Férias”(2006) – foi o realizador de “Xingu (Brasil, 2012). Trata dos irmãos Claudio, Leonardo e Orlando Villas Boas, rapazes da classe média paulistana que se engajaram na Expedição Roncador Xingu, em 1943, iniciando um trabalho inédito de preservação da cultura indígena, procurando agregar tribos em um espaço que seria a maior reserva nacional dedicada aos primitivos habitantes do país.
Levar ao cinema a odisséia dos Villas-Boas seria, de entrada, um trabalho árduo. Mas deslocar atores, técnicos e câmeras para os lugares mais próximos, ou similares aos espaços dos acontecimentos, resultaria em um esforço de produção pouco visto no cinema brasileiro. Hamburger contou com a empresa 02 Filme, de Fernando Meirelles e isso ajudou numa visão semidocumental a lembrar dos melhores exemplos do gênero no cinema estrangeiro.

Definindo o seu trabalho, especialmente na qualidade de tratar o assunto com a máxima liberdade, sem estereotipar os biografados disse o diretor:
“Foi uma condição que impus desde o começo, corroborada pelos produtores, de que a família Villas-Bôas não tivesse nenhuma interferência no projeto. A negociação sobre os direitos de filmagem foi nesse sentido. Eles não tiveram acesso ao roteiro e só assistiram ao filme duas semanas atrás. Era o único jeito de fazer, caso contrário viraria um filme de encomenda. Devo agradecer à família pela confiança em nós”.

E continuou afirmando que o roteiro, assinado por ele, baseou-se no diário dos irmãos Villas-Boas, nos arquivos da família e em muitas conversas com pessoas que colaboraram com os eles. “E também em conversas com os povos indígenas, porque, desde o começo, quis ouvir a versão deles (....) contada de pai para filho, de geração para geração. Foi a primeira vez que tive contato com uma sociedade de tradição oral. Fiquei impressionado com a precisão deles, as histórias que são contadas em uma aldeia é repetida na outra. Esse contato foi importante, porque os índios foram percebendo que poderiam confiar na gente, que não iríamos omitir qualquer coisa”.
No filme, há revelação de que uma índia foi engravidada por um dos irmãos sertanistas. A sequencia que ilustra esse fato é muito discreta, com um plano da índia andando pela mata e o branco atrás até as imagens desaparecerem em progressivo desfoque. O fato seria motivo para um conflito entre irmãos, e a expulsão do responsável pela quebra da ética a que tanto prezavam. O mais exigente é Orlando que também é visto como importante negociador institucional. O que leva a certa visão questionadora do irmão Claudio. Leonardo retorna para a cidade.

O enfoque passa por diversas épocas, evidenciando fatos como o drama acontecido no primeiro contato, quando uma gripe dizimou metade de uma tribo. A cada vez mais evidente presença do civilizado, com a construção do campo de pouso na selva e os diversos projetos levados por políticos, conscientizam os Villas Boas de que não é interessante incorporar a cultura indígena à civilização e sim preservá-la. Alguns momentos históricos são evidenciados, como a criação da estrada Transamazônica durante o governo militar, e o quanto se fez sofrer os povos indígenas pela transmissão de doenças trazidas pelos brancos, assim como os ataques de seringueiros e pecuaristas que desrespeitaram limites de terras demarcadas para constituir a nação indígena.
Muito ojetivo na narrativa, segue os avanços dos irmãos por caminhos desconhecidos, em áreas ignotas. Ressalta o espírito desbravador que os mantinha em meio inóspito, mas com a esperança de que poderiam conseguir sempre algo mais para assentar as tribos como os kreen Akarore e os Caiabi, e os indígenas que fugiam do trabalho escravo, em espaços onde pudessem sobreviver de sua lavoura sem o chicote do branco. Uma política onde a idologia pela preservação desses povos circulava nas conversas e nos silêncios dos irmãos, não sem certos conflitos, mas chegando a um denominador comum. O que mais marca o filme é, justamente, aquela perseverança de se manterem na luta por esse povo contra os empresários que se aproximavam deles com o fito de conseguir terras já tratadas.

Vi o filme como um semidocumentário e Cao Hamburger deixa nas entrelinhas que as políticas públicas arrancadas ao governo da época não foram sem grandes dificuldades de negociação. O espectador de hoje desloca essa perspectiva aos dias atuais quando outra área do Rio Xingu está sendo devastada para a implantação da usina de Belo Monte.
O filme é bem feito, importante e emociona. Foi aplaudido no ultimo Festival de Berlim.

MINHA VIDA SEM MINHAS MÃES


"Minha Vida sem minhas Mães", filme filandês de Dennis Schwartz
Apenas em cópia DVD chegou aqui o filme finlandês “Minha Vida sem Minhas Mães”(Äidestiä Parhain/ Finlandia, Suécia, 2005). Trata-se de uma produção vencedora de 11 prêmios internacionais de 5 candidaturas. O drama de um menino, Eero Lahti (Topi Majaniemi) que é separado da mãe durante a 2a.Guerra Mundial quando as crianças foram obrigadas, pelo pelas forças em conflito, a serem enviadas para a Suécia, por conta de uma possível invasão russa. Nesse país, o garoto luta, a principio, com a animosidade da mulher que o acolhe, Signe Jönson (Maria Lundqvist), mãe de uma menina que morreu afogada aos 8 anos. Mas as coisas se invertem especialmente quando a mãe biológica de Eero manda uma carta para Signe pedindo que fique com o menino, pois, ela, casada com um alemão, se sente insegura. Nasce uma grande afeição entre a mãe adotiva e o garoto que para ela seria um substituto da filha falecida. As coisas correm muito bem, a familia se aproxima ainda mais até que o tempo de guerra se transforme na paz e a mãe biológica avisa por carta que vai buscar o filho. O relato é visto com a intercessão em flash-back e em preto e branco dos tempos atuais onde se vê o sexagenário Eero (Esko Salminem) indo ao funeral de Signe, no interior sueco, e depois conversando com a velha mãe(Aino-Maija Tikkanen) sobre como ele sentiu a vida entre duas mulheres, ou duas mães. E conta-lhe de seu afastamento dela devido considerar-se excluido do seu afeto, somente sabendo a verdade dos fatos quando abre as cartas que esta enviara a Signe.
O roteiro de Jimmy Karlsson e Kirsi Vikman baseia-se num romance de Heikki Hietamis e a direção de Dennis Schwartz conta com desempenhos excelentes de todos os atores. É um drama sentimental e familiar forte, contado de forma a afastar pieguice, sensibilizando pelo enfoque objetivo com muitos closes traduzindo as expressões de sentimento dos intérpretes. Há economia de palavras e o enfoque é mais nos closes dos protagonistas. Essa maneira narrativa é a responsavel por eliminar o melodrama que poderia advir com outra maneira de tratar o tema. Um dos filmes mais bonitos que vi ultimamente. Ele foi premiado na Mostra de São Paulo há cerca de seis anos, mas nunca foi anunciado para exibição pelos cinemas locais.

Muito bom, também, “A Árvore”(The tree/Australia,2010) de Julie Bertucceli com roteiro desta e de Elizabeth Mars, baseado no romance de Judy Pascoe, “Our father Who art in Tree”. A história especifica o comportamento da garota Simone (Morgana Davies), muito apegada ao pai Peter (Aden Young) que morre em consequência de um enfarte na hora em que viaja de caminhonete com ela. A lembrança forte deixada pelo morto adoece a jovem esposa Dawn (Charlotte Gainsbourg) e faz com que a menina pense que o pai encarnou numa arvore frondosa que fica defronte de sua casa. Subindo na árvore ela passa a conversar com ele. E mais tarde a mãe, também, usa desse recurso. Mas chega um tempo de mudanças: Dawn conhece George (Marlon Csokas), dono de uma oficina que a ajuda em estragos da casa, e a arvore é abatida por um furacão. Essa tempestade é anunciada pelas mudanças que se processam nas vidas de cada personagem. Quem reluta é Simone, afinal, quem faz a mãe sair da região e desprezar, pelo menos por enquanto, o afeto de George.
Muito sensível, com ótimos desempenhos e narrativa simples, o filme é dinâmico e tem uma aura de emoção e, da mesma forma que “Minha Vida sem Minhas Mães”, foge das armadilhas melodramáticas. Impressiona, sobretudo, o desempenho de Morgana Davies. Um dos melhores filmes de criança que assisti ultimamente.

“A Árvore”esteve ano passado em exibição no Cine Libero Luxardo. Perdi na ocasião e me impressionou o filme não ter sido mencionado entre os melhores do ano por qualquer um dos colegas da ACCPA.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

SEXTA SANTA E CINEMA

 "Vida Paixão e Morte de N.S. Jesus Cristo", de Ferdinand Zecca.

Minha infância e juventude acompanharam os programas especiais de cinema nos dias da Semana Santa. Invariavelmente exibia-se “Vida, Paixão e Morte de N.S. Jesus Cristo”, produção francesa de 1902 dirigida por Ferdinand Zecca e Lucien Noguent. Cada exibidor tinha a sua cópia. Quem não tinha, negociava para tê-la como aconteceu aqui em Belém, quando foi trocado o documentário de Ramon de Baños sobre a revolta contra o intendente Antonio Lemos, de título “Os Sucessos de Agosto”, por um exemplar do filme de Zecca de propriedade de um dono de cinema em S.Luis (Ma).
Alem da “Vida de Cristo”, outros filmes ditos sacros compunham os programas especialmente das 4as, 5as e 6as feiras Santas. Era uma tradição que o povo prezava e chegava a reclamar pela imprensa quando se desviava do tema para outros considerados “impróprios” para a época. Há um artigo em um jornal dos anos 1930 em que se reclamava a inclusão de um filme de aventuras entre outros que se viam como “sacros”. Nos anos 50 também susceptibilidades foram feridas pela programação, junto ao “Vida de Cristo”, da aventura “Canção do Deserto”.

O exibidor local, em décadas remotas, chegava a formular festivais com filmes de temas históricos ou ligados a vida de santos. Ficou na memória dos espectadores um desses festivais acontecido no antigo cinema Nazaré (ex-Poeira). “O Manto Sagrado”(The Robe) era a atração maior. Por outro lado, o concorrente desse cinema, o Moderno (em Nazaré onde hoje funciona um Parque de Diversões) exibia em dias santos de anos diversos “Os Últimos Dias de Pompéia” de Ernst B.Schoedsack e Merian C.Cooper (os diretores de “King Kong”). Também era exibido um filme espanhol chamado “O Beijo de Judas”(El Bejo de Judas) de Rafael Gil e, mesmo o clássico “Fabíola”(1949), de Alessandro Blassetti com a atriz francesa Michelle Morgan. Os empresários donos das casas corriam ao alcance das distribuidoras para manter uma tradição. Mas a verdade é que o antigo “Vida de Cristo”de Zecca era um titulo incomparável. Por mais que um jornalista local tivesse escrito um longo artigo condenando esta exibição anual, afirmando que se tratava de um filme de tecnologia antiga, deturpando a imagem que se guarda de Nosso Senhor, o título era até mesmo acolhido como um “documentário” e há registros de que, em alguma sala de subúrbio ou do interior do Estado, pessoas se benziam nas cenas da crucificação.
As mudanças que se processaram nos programas dos cinemas, ao longo dos anos, acompanhou a globalização aplicada aos lançamentos. Hoje um filme que é estreado em Los Angeles é também estreado aqui. Há uma profusão de cópias atendendo ao combate à pirataria que se faz de diversas formas, ou através da internet ou copiando descaradamente exibições privadas. Nesse compasso, alijam-se culturas regionais e até mesmo a clássica produção de 1902 sai de cena. E este ano ele poderia ganhar espaço posto que se comemora o seu 110° aniversário. É um dos mais antigos longa-metragens que se conhece (perto de 60 minutos de projeção). De linguagem bem primitiva, não tem closes, os movimentos de câmera quase não existem (há um ligeiro numa cena em que Jesus e os apóstolos estão andando para diante da câmera e tenta-se acompanhar a trajetória quando sai do foco), e dos atores só se registrou o nome de Monsieur e Madame Moreau (respectivamente José e Maria). Ao que sei, houve apenas uma sessão especial para crianças autistas, no Olympia.

CEM ANOS DE CINEMA


"O Evangelho Segundo São Mateus" de Pier Paolo Pasolini. Hoje, Sexta Feira
  no Olympia
O cinema Olympia comemora seu centenário. Está entre os mais antigos do mundo se contabilizado os fatos de que jamais saiu do lugar (ou mesmo sofreu ampliações), não mudou o nome e nem parou por mais de 8 meses. Esta recorde que orgulha os paraenses culminará no próximo dia 24, a data do invejável aniversário.
Um programa especial de exibições de filmes foi marcado para festejar o centenário. E o critério da escolha dos títulos foi baseado no que cada um representou na história da casa. Os organizadores não vão se limitar a isso. Depois haverá um programa com base na escolha feita pelos frequentadores desse cinema, seguindo-se uma semana de filmes mudos, sugestão também de frequentadores, exibindo-se algumas produções com interpretações de astros como Rodolfo Valentino, Pola Negri, Douglas Fairbanks, sem esquecer os comediantes imortais como Max Linder, Charles Chaplin, Buster Keaton, Harold Lloyd ou o Gordo (Oliver Hardy) e o Magro (STan Laurell). Tudo com base em programas exibidos pelo próprio Olympia em várias épocas.

Na mostra atual, iniciada na 3ª feira última com “Alvorada do Amor”(por ser o primeiro filme sonoro a ser lançado em Belém), será exibido hoje, em caráter especial por se tratar da Semana Santa, “O Evangelho Segundo S. Mateus”(Il Vangello Secondo Mateo/Itália, 1964) de Pier Paolo Pasolini. Na 2ª feira será a vez de “A Volta ao Mundo em 80 Dias”(Around the World in 80) Days/EUA/ 1956) de Michael Anderson, escolhido por ter sido o filme que inaugurou as poltrinas estofadas e ar condicionado da sala. Em seguida será a vez de “Sinfonia de Paris”(An American in Paris/EUA, 1951) musical muito aplaudido e vencedor do Oscar com direção de Vincente Minnelli e Gene Kelly. Os demais programas são:  “Neste Mundo e No Outros”(A Matter of Life and Dead/Ingl 1946) de Michael Powell e Emeric Pressubuger, cativante sátira inglesa à própria cultura do país na visão de um soldado que teria de morrer na 2ª Guerra e, por ter escapado e ser inglês, merece uma perseguição espiritual. Finalmente, serão exibidos “Viridiana”, primeiro filme das matinais “cinema de arte”ocorridas nos sábados de manhã entre 1997/98, “O Império dos Sentidos” (Taho no Akaba/Japão, 1973) de Nagisa Oshima, o titulo que marcou o fim da censura exacerbada no governo militar, e “Syriana”(2005) de Stephen Gagham titulo que seria o ultimo do tradicional cinema se o prefeito da cidade não interferisse (em 2006).
         A mostra dos espectadores, composta de títulos sugeridos pelos que frequentaram as sessões do Olympia ao longo dos anos, está composta dos seguintes títulos: “Rocco e seus Irmãos”(Rocco i suo Fratelli/Itália, 1960); “Rebeca, a Mulher Inesquecivel” (Rebecca/EUA,1940) de Alfred Hitchcock; “O Sexto Sentido”(The Sixth Sense/EUA,1999) de M.Night Shyamalan; “La Violetara”(Espanha, 1958) de Luis Cesar Amadori; ”A Noviça Rebelde”(The Sound of Music/EUA,1965) de Robert Wise; “Quanto Mais Quente Melhor”(Some Like it Hot/EUA,1959)de Billy Wilder; “Pacto Sinistro”(Stranger in a Train/EUA, 1951) de Alfred Hitchcock; “Macunaíma”(Brasil, 1970) de Joaquim Pedro de Andrade; “A Rosa Púrpura do Cairo”(The Purple Rose of Cairo/EUA, 1985) de Woody Allen, “Zelig”(EUA,1983) de Woody Allen,”Romeu e Julieta”(Romeo i Giulietta/Itália 1953)De Renato Castellani,e “O Cangaceiro”(Brasil, 1953) de Lima Barreto.

Além dessas mostras haverá uma especial dedicada aos filmes do período silencioso. Devem figurar: “Os 4 Cavaleiros do Apocalipse”(The Four Horsemen of the Apocalpse/EUA,1921) de Rex Imgram com Valentino e Alice Terry; “A Mulher na Lua” (Women in the Moon/Alemanha, 1928 )de Fritz Lang, “Ben Hur”(EUA/1923) de Fred Niblo com Ramon Novarro; “Casamento ou Luxo”(A Woman of Paris/EUA,1923) de Charles Chaplin; e “Lirio Partido”(Broken Blossons/EUA,1921) de David Grifith com Lilian Gish.

Mas nem só de filme estrangeiro será festejado o centenário do Olympia. Está sendo ppreparada uma semana de filmes paraenses, onde os longa metragens de Líbero Luxardo e documentários e ficção dos nossos curtametragistas farão a nossa presença cinematográfica nessa festa cultural e do coração. Aguardem.

terça-feira, 3 de abril de 2012

JOGOS VORAZES


A atriz Jennifer Lawrence em "Jogos Vorazes". Bom desempenho.

Não lembro de filmes que mostrassem o futuro da humanidade de modo lisonjeiro. Há visões de guerras nucleares (“O Planeta dos Macacos”, ”Os Últimos Cinco”, ”Eu Sou a Lenda”), há ditaduras dramáticas (“1984”,”THX”), há conflitos interplanetários (“A Guerra dos Mundos”,”Independence Day”) , há desastres siderais (“Impacto Profundo”, “O Fim do Mundo”) enfim, há uma aposta firme no apocalipse, não necessariamente o descrito por São João mas, de alguma forma, evidencia-se o destino triste da humanidade. “Jogos Vorazes”(The Hunger Games/EUA,2012) se insere neste quadro. O cenário é pós-conflito nuclear (ou o que possa ter destruído civilizações). No que resta dos EUA, um país chamado Panem (de “panem et circus”), o povo é brindado com um tipo de diversão que visa minorar o sentimento de revolta contra o passado belicoso que fez um abismo maior entre ricos e pobres. Este “circo”, à maneira do romano antigo, chama-se “jogos vorazes” (hunger games). Cada distrito elege dois representantes (um homem e uma mulher) para a competição. E a competição nada mais é do que uma caça acompanhada pelas câmeras de TV para um tipo de “reality show”(uma espécie de Big Brother ou do que se viu em “O Show de Truman”). Um componente tem que matar o outro para ganhar ponto. E os representantes dos distritos vão afunilando o processo, com o grande final disputado entre os dois sobreviventes. O jogo é renovado anualmente com muitos patrocinadores e uma grande plateia, mesmo distante das telas de TV.
A ideia partiu da escritora Suzanne Collins, que ajudou no roteiro do filme dirigido por Gary Ross (de “A Vida em Preto e Branco”). Ela é a nova campeã de venda de livros no mercado norte-americano, ganhando o terreno da conterrânea Stepheny Meyer autora da franquia “Crepusculo” (Twilight). Este seu “Jogos...” mereceu 3 volumes e o filme ora em cartaz internacional é baseado no primeiro. Focaliza a jovem Katniss (Jennifer Lawrence, atriz candidata ao Oscar pelo desempenho em “Inverno da Alma”-Winter’s Bone/EUA, 2010), voluntária na participação para substituir a irmã mais nova que foi sorteada e não tem recursos físicos para a luta. Competindo com ela no distrito de numero 12 está Peeta (Josh Huttcherson), colega de escola, que exibe um temperamento tímido e logo mantém uma relação amistosa com a colega amargando a ideia de que pode ser seu algoz ou sua vitima.

O espectador não tem dificuldade em imaginar que o casal evidenciado é quem vai ficar para a prova final do jogo. Mas apesar de se vislumbrar um romance entre eles, embora Katniss tenha deixado um namorado na sua terra, há sempre a expectativa de que possa ser diferente esse novo horizonte.
O enredo, apesar de enquadrado no pessimismo que alertei antes, não deixa de ser mais imaginoso do que os vampiros e lobisomens de Meyer. E o filme ganhou um bom elenco (Jennifer é ótima atriz), uma direção de arte esmerada, e uma narrativa dinâmica que faz o espectador não sentir a metragem além de duas horas de projeção. Isso em se tratando de um enfoque que privilegia a aventura e um idílio previsível é muito louvável. Ate os tipos extremamente delineados como o do presidente de Panem, (Donald Sutherland) e o apresentador do teleprograma (Stanley Tucci) colaboram para um resultado acima da média. O que salta no rol das falhas passa primeiro pela falta de explicação em muitos momentos. Mas está claro que muita coisa faz parte do jogo, como a ajuda dos patrocinadores aos seus favoritos e que pode mudar o rumo da aventura de seus beneficiados. Há feras virtuais jogadas no cenário que, apesar de fantasias, parecem atacar personagens como animais verdadeiros. E na parte pitoresca, correndo bem com a presença de tipos cariatos como o interpretado por Elizabeth Banks, falta a publicidade que o diretor do programa tanto persegue. Mas a analogia com o circo romano é muito boa, apresentando a sintonia  com os nomes de personagens como Caesar, Claudius, Sêneca, Cinna, Flavius e Octavia. O que não se sabe é se a filmagem dos outros livros vai manter o patamar da qualidade deste primeiro. Afinal, ”Jogos Vorazes” surpreendeu.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O DIA ANTES DO FIM


Nova circulação de DVDs inéditos na cidade, em especial, da FOXVIDEO. Acompanho esses lançamentos principalmente porque gosto de assistir a filmes novos e, mesmo sem serem dessa safra, os antigos que não chegam por aqui para a tela grande, merecem ser avaliados e, as vezes, “curtidos” porque quase sempre são bons. Esta semana alguns mereceram minha audiência no atual “Bandeirante”(antigo cineminha do PV e atualmente implantado numa tela digital, widescreen 42 polegadas).
       “Marginal Call, O Dia Antes do Fim”(Marginal Call/EUA,2011) focaliza uma grande empresa em crise econômica. Quem descobre isso é um funcionário antigo em vias de demissão. Ele não tem tempo de esmiuçar no computador o problema financeiro existente e por isso é chamado quando o substituto, muito mais jovem, percebe que a grande corporação está praticamente falida.

O longa de estreia do jovem J.C. Chandor, graduado pelo College of Wooster de Ohio em 1996, analisa a crise econômica que ainda persiste nos EUA. Dá idéia, pela demissão de funcionários para “enxugar a folha” – o recente “Amor sem Escalas”(Up In Air/2009) de Jason Reitman. No caso do roteiro atual, escrito pelo diretor do filme, interessa não apenas o que acontece com os funcionários de um gigante capitalista: interessa, sobretudo, a demonstração de fragilidade, de como pode perder o controle do que acha que está sempre certo e, de repente, percebe que pode figurar como um castelo de cartas adiante do vento.

A narrativa acompanha dois personagens: Sam Rogers(Kevin Spacey), diretor do departamento financeiro, e Eric Dale (Stanley Tucci), o descobridor do problema que ameaça a firma. Também apresenta a atuação do chefe de tudo, John Tuld (excelente atuação de Jeremy Irons). Essas pessoas experimentam o gosto da falência, mas a lição tirada da crise é que o capitalismo se alimenta disso, que pode ressurgir como uma fênix desde que saiba manobrar pelas vielas que o levam a uma luz exterior. Mas quem perde são os mais trabalham nas engrenagens para manter o castelo sempre erguido. É a exploração do sistema que desmente a asserção de que esse é o melhor sistema.

Um dos melhores filmes que eu vi sobre o assunto. Bem escrito, bem dirigido, não abre a menor concessão ao espetáculo ou “divertissement”. Creio que por isso não chegou aos cinemas (pelo menos os nossos). Está nas locadoras o DVD. Procurem.

Outro DVD de filme que passou ao largo das telas grandes foi “Esses Amores” (Ces Amor-là/França,2010) de Claude Lelouch. Aqui o cineasta de “Um Homem, Uma Mulher” faz uma homenagem a si mesmo. Ele escreve, no inicio ,que está louvando os seus 7 filhos, chamando assim os preferidos dos 53 filmes que dirigiu e 45 que escreveu (há mais esperando lançamento).A citação de obras passadas inclui cenas de “Toda Uma Vida”(Toute une vie/1974), logo na abertura, justamente na sequencia em que o cinegrafista dos primeiros aparelhos Lumiére está documentando um fato e uma jovem que passa (e que seria a esposa dele) pergunta“o que é aquilo”e ele responde: “a máquina de registrar a vida”. Daí Lellouch abre para a fórmula que o consagrou: várias histórias, vários tipos, e música romântica(no caso a emblemática “Que reste-e-t-il de nos amours?”).

        Quem gostou do citado “Toda Uma Vida” e, também, de “Retratos da Vida” (Les Unas et lês Autres-Bolero/1981) com certeza vai gostar. No elenco, há veteranos como Anouk Aimée e Charles Denner, ao lado de jovens como Audrey Dana e Dominique Pinon.

Também nas locadoras, dois filmes de guerra, um deles inédito nos cinemas locais: “Ases do Espaço” e “Bastardos Inglórios”.Este último chamou-se, nos cinemas brasileiros “O Expresso Blindado da SS Nazista”(Quel maledetto treno blindato/Italia 1978) e ganhou o nome brasileiro agora por puro oportunismo, pegando carona no filme de Quentin Tarantino. O outro filme, no original, “Aces High”, é inglês, de 1976, e foi candidato ao Bafta. É uma interessante abordagem na aviação britânica durante a I Guerra Mundial.Malcom McDowell comanda o elenco.


DRIVE

Ryan Goslin, num bom desempenho em "Drive"


Premio de direção em Cannes, o filme “Drive”(EUA, 2011), do dinamarquês Nicolas Winding Refn chega à Belém para sessões noturnas em uma sala de um dos circuitos exibidores. Merecia mais, embora a falta de vez dos filmes premiados numa cidade como Belém seja comum. Basta consultar os candidatos ao Oscar para se ter ciência disso.

A trama é simples: um mecânico, dublê de atores em cenas perigosas de filmes americanos, serve também de motorista de ladrões quando solicitado. Este “ramo profissional” leva-o a se afeiçoar de uma vizinha, mãe de um garoto e esposa de um presidiário. Quando este sai da cadeia tem sob sua guarda uma vultosa soma em dinheiro, produto do ultimo roubo e motivo de cobrança de outros parceiros criminosos. O “driver” (motorista) resolve ajudar a mulher e o filho desta. E se mete numa aventura em que a violência é um elemento natural de se achar solução.

A narrativa não se embrenha em voltas no tempo ou momentos de reflexão de algum figurante. O estilo é bem “noir” embora a iluminação não siga o gênero que teve o seu auge na Hollywood dos anos 40. Nesse tom, cabe um grande esforço de interpretação para Ryan Goslin. Ele impõe a máscara de um homem calmo, monossilábico, jamais sorridente ou capaz de demonstrar postura romântica. Mesmo sentido grande afeto por Irene (Carey Mulligan), não a leva a cenas idílicas que possam traduzir-se em momentos de paixão. Sabe-se das ocorrências com o mecânico por suas atitudes. Porque a câmera segue-o o tempo todo sem necessidade de diálogos para identificar posturas. É interessante o diretor colocar uma espécie de robô na trama que envolve muito sentimento (de amor, de vingança, de cobiça).

São emblemáticos os closes de Goslin. E nunca se sabe o nome dele. Não é bem o“estranho sem nome” como o caubói vivido por Clint Eastwood num western que exigia esse tipo de interpretação. Trata-se de um solitário que se vê nas máquinas que conserta e maneja. E afinal um dirigente de seu próprio destino, não à toa dando o nome de sua história ao trabalho de um condutor. Ele dirige carros que se despedaçam nas cenas de filmes, e em sua rotina é como se fosse um desses aparelhos que se podem despedaçar dependendo de como será conduzido.

A narrativa fluente sustenta um equilíbrio que se alimenta da violência explicita. Há cenas de crânios esfacelados, de carros batendo entre si com quedas em abismos, de esfaqueamento, emfim, do que possa gerar um clima angustiante. É interessante ressaltar que a violência mostrada não parece à toa. Quem já assistiu aos filmes de gangster da época de um James Cagney ou Humphrey Bogart (décadas de 40 ou 50) sabe que os tipos das tramas são necessariamente violentos. Numa fase de censura rígida, o chamado Código Hayes, onde eram cortados planos até mesmo de exposição da cama de casal e de mulher grávida, as balas não produziam feridas sangrentas, mas não deixavam de mutilar personagens. Cagney desafiou essa postura em obras como “Fúria Sanguinária” (White Heat/1949) de Raoul Walsh. Mas a plateia de hoje sentiria falta de mais grafia na ação. Uma facada no ventre de um figurante ganha plano próximo com direito a muito “ketchup”. E Nicolas Refn prova que esse enfoque não é à toa. O herói, ou vilão já que a postura não torna um tipo imaculado ou sádico, sai dirigindo o seu carro com a mão no ventre cortado por um antagonista. Não exprime dor nem fala qualquer queixa. Como nos filmes em que atua sem deixar nome nos créditos ele, simplesmente, dirige. Se vai ser hospitalizado, se vai morrer, não é possivel saber. O que se sabe é que nenhum plano dá certo (e para ninguém). È como se o driver fugisse de sua mão. E o filme, com isso, foge do clichê e se instala no melhor de um gênero marcado pelo uso excessivo. É a aura de um personagem que instiga a ver um tratamento diferenciado naquele mundo que não parece caótico porque, pela suposição do espectador, a defesa da honestidade profissional interpela os tipos que marcam a personalidade do “driver”.