Susane Wolff em "O Estranho em Mim": depressão pós-parto.
O cinema tem exposto varios casos clínicos com sucesso até
mesmo entre médicos (no caso, os maiores críticos desse gênero). Circulando em
DVD, sem passar pelos nossos cinemas (o que não é de espantar) “O Estranho em
Mim” (Das Fremde in Mir, Alemanha, 2008) terceiro filme de longa metragem dirigido por
Emily Atef (com roteiro dela e de Esther Bersnstorff) vencedor de 7 prêmios
internacionais, inclusive em S.Paulo. Pelas minhas anotações de pesquisa (com
consultoria dos médicos da familia, diga-se) trata-se de um caso do que se
chama DPP (Depressão Pós-Parto). A primeira metade da narrativa acompanha
Rebecca (Susanne Wolff),
no processo gravidico de espera da chegada de seu primeiro filho. Até aí tudo
normal com a expectativa aliando futuros mãe e pai numa alegria conjugada. Mas
ao nascer a criança, Rebecca começa a sentir uma espécie de repulsão. Seu leite
é insuficiente, o menino chora muito, e ela, sozinha em casa, vai definindo uma
ojeriza por aquele ser sobre o qual não experimenta nenhum sentimento, salvo
uma espécie de angústia pelos gritinhos de fome que ele emite.
O enredo ganha uma sequencia que ilustra bem o que a DPP
pode originar na vida de um casal: já sentindo que a esposa (depois de ter tido
crises de fuga, de suicidio e etc), está melhorando psicologicamente, o marido
deixa-a com a criança. Ao retornar para casa não encontra nem mãe nem filho. Os
dois tinha ido passear naturalmente. Contudo, o temor na expectativa de que ela
teria praticado alguma coisa de ruim ao bebê faz com que o esposo chegue a
chamar a policia. A atitude dela com o bebê no colo é de alegria, conta o que
fez, mas é recebida com furiosa repreensão. Mesmo porque há um episódio
anterior, quando a doença começa a se manifestar, que ela abandona o filho no
carrinho, em plena rua, e sai de ônibus sem saber para onde. Quando percebe o
que fez, volta correndo. Já está uma multidão em volta do menino e logo chegam
policiais. Em outro momento tem ânsia de afogá-lo na banheira.
A depressão pós-parto é evidenciada até mesmo no seu
processo evolutivo. Há cura, e o filme mostra o tratamento, mas a confiança em
quem já manifestou sintomas custa a se fazer sentir.
Uma narrativa exemplar e um desempenho excelente de Susane
Wolff. Um filme imperdível. Enquanto este exemplar mostra o processo de
adoecimento de uma mãe e as atitudes que podem atingir o filho e sua
autoconfiança, há um vídeo sobre o aborto, produzido por uma facção religiosa,
que se limitar a condenar o processo sem análise que se ocupe da mãe. Esta
“coisa” está sendo programada para o cine Olympia. Deve ser evitada como todo
filme sectário.
Não havia assistido no cinema ao filme “Tabu” (Portugal,
2011) de Miguel Gomes. Vi agora em DVD. Focaliza Aurora, uma mulher que vive em
um prédio, em Lisboa, tendo como companhia uma africana de meia idade. Quando
ela morre descobre-se o seu passado na Africa onde se encontram raízes do
império português.
O filme começa com uma sequencia na selva onde um branco
caçador se entrega a um crocodilo como prova de sua desilusão de valores reais.
Daí desloca-se para a capital de Portugal avançando no tempo. Uma narrativa
lenta, quase contemplativa, vai estudando personagens como Pilar (Teresa
Madruga), Santa (Isabel Cardoso) e a citada Aurora (Laura Soveral).
O filme, em preto e branco, ganhou 6 premios inclusive o
de melhor diretor em Berlim. Entre nós foi mencionado entre os melhores do ano
por colegas da ACCPA. Vale a pena conhecer.
Lucia Murat continua na temática que é o golpe de 1964. Em
“A Memória que me Contam”(Brasil, 2012) ela elabora um autoretrato onde
focaliza um grupo que resistiu aos militares do período e que hoje reflete
sobre esse tempo.O filme é detalhista e pouco inventivo, utilizando a oralidade
como processo de exposição e escuta das memórias desse tempo, mas a sinceridade
de propósito poreja em cada sequencia. Foi premiado no Festival de Moscou.