terça-feira, 28 de outubro de 2014

FÚRIA CONTAGIOSA


Nicolas Cage em cena de "Fúria", do espanhol Paco Cabezas

Em exibição nos nossos cinemas, “Furia” (Tokarev, EUA, 2014) que mantém no original o nome russo visto que a ação se dá entre um grupo russo nos EUA. No enredo, Paul (Nicolas Cage) é um ex-criminoso e ex-integrante de um grupo mafioso. No momento em que protagoniza a situação na qual se mete de cabeça, está assessorando o prefeito de sua cidade. Certo dia, vê sua filha ser sequestrada e achada morta. Considera ser obra de alguma gangue de seus contemporâneos no mundo do crime. Sem que a polícia resolva o caso, ele assume a liderança de um processo de vingança, saindo pelos becos onde sabe se reunirem os marginais, matando quem lhe apareça pela frente. Sua presunção justamente é que os assassinos da garota pertençam à máfia de Moscou.
O filme marca a estreia, no cinema de Hollywood, do diretor espanhol Paco Cabezas, autor de 9 roteiros e 8 filmes (incluindo TV) de onde se salienta o terror “Aparecidos” (2007) produção hispano-argentina. E não se pode dizer que ele teve a felicidade de alguns poucos estrangeiros que entram no mercado estadunidense. O argumento de seu filme dá para ser contado em poucas linhas e como esse diretor é também o autor do roteiro dá para pensar que aproveitou a ideia para um trabalho bem simples, uma historia de ação intensa que afinal ganhe a faixa de mercado mais cobiçada na atual produção cinematográfica comercial.
Procurei avidamente algum detalhe que justificasse o trabalho de Cabezas. Há uma sequência em que Paul é focalizado olhando para a câmera e no contracampo vê-se a sua filha sendo atacada por algumas pessoas que não se sabe a identidade (dá a impressão de que ele está vendo o que acontece com ela). Também o primeiro plano – um close dos olhos do personagem – é unido pelo final como se isso tivesse alguma coisa a dizer da índole do tipo. Seria possivel pensar também que a continuidade dos enfoques na hora em que a adolescente é atacada representasse uma continuidade, pelo menos para ele, pai da garota, uma ligação com o mundo do crime de onde emergiu. Mas a “rima” não ganha substancia mesmo porque o enfoque real do sequestro surge de outra forma antes da narrativa chegar ao fim.
O que salta na pouco mais de hora e meia de projeção é a fúria do titulo. Justifica-se na dor de um pai que é visto por mais de uma vez olhando fotos e brinquedos da filha deixando com isso a imagem de uma saudade. E a procura dos pretensos raptores leva ao covil de mafiosos de onde saem personagens sádicas, um deles em cadeira de rodas. Nada escapa dessa gente. Mas o filme não se furta em mostrar torturas. Há uma em que um amigo de Paul é preso, dependurado num esconderijo e torturado de diversas maneiras. Leva socos com luva de ferro. O espectador se pergunta como ele pode aguentar vivo tanto sofrimento. Mas essa demonstração de atrocidades leva a uma denúncia de outro mafioso e o que se pode ver como uma sub-vingança, ou sub-furia (mafioso matando outro).
Cabeza certamente pensou em nova forma de terror com seu filme norte-americano. E esmerando na descrição da violência esqueceu os atores. Nicolas Cage só acertou um trabalho em anos: aquele que atuou sob as ordens de Werner Herzog, em “Vicio Frenético” (The Bad Liutenant: Port of Call-New Orleans, 2009). Premiado com o Oscar por “Despedida em Las Vegas” (Living Las Vegas, 1995), o sobrinho de Francis Ford Coppola vem trabalhando em excesso, aceitando papéis degradantes como neste “Furia” de onde, na verdade, escapa é a fúria do espectador que se sente enganado. Seu desempenho é muito fraco.
Mas quem deve ganhar a Framboeza (Oscar do pior trabalho) suponho ser Rachel Nichols, atriz que já chegou a ganhar prêmio em TV-movie (Underwater, 2012). Ela interpreta a companheira de Cage. Sua “cara de choro” é a recorrência da falta de máscaras para atuar.
Graças a Deus que o lançamento de “Furia” em Belém foi péssimo (poucas sessões no Cinepolis Parque e num Moviecom, assim mesmo só em cópias dubladas). O senso crítico dos exibidores se mostrou à altura do produto lançado no mercado. 

NOVIDADES E CLÁSSICOS EM DVD




O ator Bruce Dern em um grande desempenho: "Nebraska"

Pouco tempo depois da exibição nos cinemas chega agora em DVD e Blu-Ray o excelente O Grande Hotel Budapeste” (EUA, 2014, 100min.), antes lançado nos cinemas do sul e sudeste. Assinado por Wes Anderson, texano nascido em maio de 1969, um dos melhores diretores de Hollywood. É inspirado nos escritos do romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e escritor austríaco de origem judaica Stefan Zweig (1881-1942) fugitivo da 2ª guerra para o Brasil onde se suicidou junto com a esposa. A história e o roteiro do filme são do próprio diretor e de Hugh Guinness.
Andersen enfoca a sociedade europeia dos primeiros anos do século XX, contando, através de um personagem, Mr. Moustafa (intrepretado por F. Murray Abraham) em conversa com um jovem escritor (Jude Law, espécie de alter-ego do escritor Stefan Zweig) na mesa do hotel antigo e luxuoso, o motivo de manter, na República (imaginária) de Zubrowka, um hotel quase sem hóspedes. Então, do relato, emerge a historia do concierge M. Gustave (Ralph Fiennes) e seu ajudante Zero (Toni Revolori), que fazem carreira na casa, o primeiro é encantador de ricaças idosas que se hospedam no hotel e o segundo, um garoto selecionado para ser seu ajudante pessoal nas varias atividades. Da sedução de M. Gustave resta-lhe a herança, após a morte da matriarca de uma família rica e sua “protegée”, um quadro da Renascença, disputado pela família da falecida após leitura de seu testamento. Então o concierge e seu fiel escudeiro criam peripécias para guardar a tela e assim enfrentar os inimigos que constroem mil ardis para assassinar os candidatos à herança.
Grande Hotel Budapeste” é, primeiramente, um exercício de estilo. A fotografia é deslumbrante e exibe uma profundidade de campo que não se vê comumente. Lembrei Orson Welles, em “Cidadão Kane”, na sequencia em que Kane está escrevendo o artigo para o amigo crítico e este (Joseph Cotten), vai chegando à redação do jornal para fazer o seu serviço que com certeza detonará o desempenho da esposa de Kane. Quanto à forma narrativa, evidencia-se uma dinâmica de linguagem que lembra ainda o diretor francês René Clair no estilo “vaudeville”, com as situações jogadas de forma econômica, promovendo um ritmo que exalta o fator hilário sem cair na linha pastelão.
Um  dos bons filmes a programar para uma sessão com os/as amigos/as.
 “Nebraska” (EUA, 2013) está entre os novos lançamentos.Foi candidato ao Oscar deste ano. É de Alexander Payne, que apresenta uma dimensão humana das mais ricas. Trata de um idoso, Woody Grant (Bruce Dern)  que  supõe ter ganhado um milhão de dólares ao receber uma correspondência de propaganda pelo correio. Isso inspira seu interesse em retirar o prêmio numa cidade distante de onde mora, em Nebraska. Ninguém acredita nele e isso faz com que sua teimosia o incite a ir a pé. Contudo, um filho se solidariza com ele e segue para a tal cidade.  Entre aventuras  no percurso da viagem além de conflitos familiares , visto que todos querem uma parte do dinheiro, o idoso segue sua odisseia e descobre outras situações que enriquecem sua vida. O filme foi um dos candidatos ao Oscar deste ano.
Dois clássicos estão circulando na tecnologia doméstica. Um é “Um Sonho de Amor Eterno” ( Peter Ibbtson, EUA, 1935, 88 min.), dirigido por Henry Hathaway, com Gary Cooper, Ida Lupino. A ação se passa em meados do século XIX, localizando um subúrbio de Paris onde residem famílias inglesas entre elas um casal de crianças, Gogo e Mimsey. Com a enfermidade da mãe, o tio deles, Coronel Forsyte, leva Gogo para Londres, rebatizando-o de Peter Ibbetson, tornando-o um cavalheiro inglês. Como arquiteto e já empregado, não está feliz no emprego, então quer ir para os EUA, mas seu patrão dá-lhe férias para Paris. Encontra uma duquesa com quem irá conviver e trabalhar apaixona-se por ela, mas seu devaneio de amor é proibido. Um segredo está para ser descoberto. Esse drama é característico do cinema norte-americano dos anos trinta e Hathaway inscreve seu filme nesse gênero dos “amores loucos” do período surrealista. Mas entre as críticas sobre ele diz-se que é muito romântico e há excesso de diálogos.
“A Morte não Manda Recado” (The Ballad of Cable Hogue, EUA, 1970, 121 min.) é um faroeste dirigido por Sam Peckinpah. Trata do Cabo Hogue (Jason Hobards) andando pelo deserto, desesperado por água, pois dois bandidos beberam a que tinha. Quase a morte ele acha um poço onde constrói sua casa, situada entre duas cidades que estão com problema de escassez de água. Além do valor do terreno que incita a violência há uma linda mulher (Stella Stevens) por quem se apaixona.


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O JUIZ


Robert Duval e Robert Downey Jr. em "O Juiz".

São muitos os chamados “filmes de tribunal”, alguns inseridos entre os clássicos da cinematografia como “12 Homens e Uma Sentença” (de Sidney Lumet, 1957) e “Testemunha de Acusação” (de Billy Wilder, 1957). As informações sobre “O Juiz” (The Judge, EUA, 2014) é que este seria mais um título desse gênero, ou subgênero. Na realidade não é bem isso. Focando um advogado de cidade grande que em meio a uma causa deixa tudo para ir ao enterro da mãe numa cidade do interior, o que se vê é o confronto dele com o pai, o juiz da localidade, de quem não possui boas lembranças por relações conflituosas, a culminar com o fato deste, portador de doença incurável, atropelar uma pessoa sem socorrê-la e ser incriminado, posto que o sangue da vítima ficou na lataria do carro (e hoje o exame de DNA não deixa dúvida). O filho advogado acaba sendo guinado a defender o velho pai.
O roteiro de Nick Shenk e Bill Dubuque serve à primeira produção da firma Team Downey cujos proprietários são o ator Robert Downey Jr. e sua esposa Susan. Foi, aliás, a forma de Downey fugir de papéis de super-herói em superproduções como “Homem de Ferro” (e mesmo Sherlock Holmes), alertando ao público que também pode estar presente em dramas densos como esteve em “Chaplin”(1992) indicado a candidato ao Oscar. Aliás, “O Juiz” tende a ser trampolim para o ator, no protagonismo do bem sucedido advogado, Hank Palmer, arriscando uma candidatura ao próximo premio da Academia de Hollywood. Mas o bom dessa ambição é que a seu lado está o veterano Robert Duvall (83 anos dizendo-se no filme como 72), já premiado por “A Força do Carinho” (Tender Mercies, 1983) de Bruce Beresford. Este apresenta um trabalho a ficar nas antologias. Há momentos, como numa sequencia em que o velho pai e também juiz, sofre uma crise de sua doença em um banheiro, sendo socorrido pelo filho, de forma dramática, inegavelmente marcantes.
A historia vem do diretor David Dobkin, conhecido por comédias como “Penetras Bom de Bico” (Wedding Crashers/2005) e um dos roteiristas, Nick Schenk . Pode-se comentar que há desníveis percebíveis na hesitação entre um drama introspectivo e um exemplo de “filme de tribunal”. Não resta dúvida de que uma preocupação com o potencial mercadológico do produto (filme comercial) diminua uma das pretensões. Em duas e horas e meia fica um hibrido entre a abordagem no comportamento de tipos, especialmente de pai e filho (ou de advogado e réu, que também é pai e juiz) e a estrutura psicológica dos personagens. Só não é mais profunda essa distonia pelo desempenho dos atores. Especialmente Duvall, compondo o enérgico e veterano juiz de uma pequena comunidade. Ele e sua prole, a esposa – capturada de imagens de filmes de família  - um filho mais velho, casado, com filhos (Vincente D’Onofrio) e um mais novo, em parte, deficiente (Jeremy Strong) – deixam no meio (até na concepção dramática) o distante Hank (Downey Jr). Um momento a premiar.
Talvez no roteiro não coubessem informações paralelas como o divorcio em andamento de Hank e o seu romance antigo com uma garçonete de bar na cidade natal (Vera Farmiga). Há inclusive uma hipótese de ele ser pai de uma filha dela, com quem andou se beijando ao voltar para casa. Por outro lado, um desses enfoques dá margem ao bom momento em que Joseph (Duvall) vê pela primeira vez a sua neta Lauren (Emma Tremblay). O pai da menina (Hank/Downey) previne-a de que o avô tem gênio “difícil”, mas o encontro surge carinhoso, com o velho juiz mostrando o outro lado do afeto que o filho não conhecia (mais um bom momento de Duvall).
Apesar de defender a postura de um trabalho sobre relações familiares, especialmente atendendo ao molde das personalidades de filho e pai, ambos profissionais de Direito, “O Juiz” arrisca ser mais, inclusive deixando o espectador em suspense para saber o veredito do caso do ancião atropelador, haja vista que o caso se torna mais grave com a insinuação do promotor (Billy Bob Thorton) de que houvera premeditação no acidente, haja vista ser a vítima um antigo inimigo do juiz. Com tantos elementos, a longa projeção não cansa. Certamente o objetivo da produção que se ariscaria no mercado com maior apoio na estrutura de personagens. 


TRASH


Rickson Tevez é Rafael em "Trash", de Stephen Daldry

Em 2010, o escritor inglês de ficção infanto-juvenil Andy Mulligan, lançou “Trash”, seu quarto livro nesse tema. Sua escrita tem sido fortemente influenciada por suas experiências de trabalho voluntário em Calcutá (Índia), no Vietnam, Filipinas e no Reino Unido. Seu livro Return to Ribblestrop (2011) ganhou o “Guardian Children’s Fiction Prize” entre um painel britânico de escritores sobre crianças.
“Trash - A Esperança Vem do Lixo” (Trash/UK, Brasil, 2014) é baseado nesse livro de Andy Mulligan. A ideia de ambientar a historia no Brasil, no caso, no RJ, interessou ao diretor inglês Stephen Daldry (de “As Horas”, “O Leitor”) e sua aproximação com o cineasta brasileiro Fernando Meirelles e a empresa deste, O2, pesou na escolha do local da ação. Meireles ajudou na seleção do elenco local, com um concurso de garotos não-atores de onde saíram Rickson Tevez (Rafael), Eduardo Luis (Gardo) e Gabriel Weinstein (Rato). Eles são, no filme, os meninos do lixão que acham uma carteira com documentos e códigos que não conhecem, embora outros versados no fato saibam que esses códigos incriminam políticos, enumeram doações para campanhas e exponham a identidade de um político corrupto. O objeto foi jogado no lixo quando o personagem se viu acuado pela policia. Mas a historia não é tão simples: os policiais que buscam os documentos também possuem razões não legais. Há interesses escusos no meio e a ideia é descobrir tudo isso. Quando os policiais oferecem recompensa pelo objeto, o trio decide guardar a carteira para entender o que está em jogo. Daí então as situações são divididas entre a identificação do que há de precioso no objeto (afora o dinheiro que já repartiram entre si), a fuga da perseguição dos policiais e, finalmente, o desvendamento da motivação de tanta violência contra eles.
O roteiro é de Richard Curtis (de “4 Casamentos e 1 Funeral”) com adaptação de Felipe Braga. Construir um roteiro exemplar não é para todos os roteiristas e, no caso de “Trash”, não há exceção. O filme tem seus percalços. Inicia evidenciando a atitude de Rafael (Tevez) com uma arma na mão e apontando para alguém que não se vê, em seguida mostra-o num vídeo contando uma história que será retomada quase no final e que explodirá nas redes sociais quando a ação policial e de perseguição aos garotos já se corporificou no eixo da exposição dos fatos evidenciados no meio do enredo. Flashbacks entregam as informações que ainda estão fora de rumo - a situação de José Angelo/Wagner Moura - cujo protagonismo se insinua como o principal na trama. Mas quem é? E sua ligação com Clemente (Nelson Xavier) que é quem vai dar as dicas do código a desvendar a intriga da corrupção? Esses e outros eventos trincam a ação explorada no roteiro.
Na verdade, a trama passa como uma fábula em que a realidade nacional é apenas um detalhe na construção de um preceito moral que afiança a falibilidade do mal desde que interpretado como a violência contra os menores (não só em idade, mas, principalmente, em classe social). O epílogo, por exemplo, dá a “moral” que afiança o bem estar de quem foi David na luta contra um Golias mesmo se apossando de roubos.
Mas o que impressiona é a direção de arte, aproveitando o “décor” natural e o desempenho da garotada. Os meninos brilham mais do que os adultos, todos estereotipados (o padre de Martin Sheen, a professora de inglês de Rooney Mara, e os dois ícones do cinema nacional, Wagner Moura e Selton Mello).
Esperava-se muito mais do diretor de nacionalidade inglesa 3 vezes candidato ao Oscar (por “Billy Elliot”/2000, “As Horas”/2002 e “O Leitor”/2008). Stephen Daldry realizou o seu menor trabalho, embora possivelmente o mais trabalhoso (ele passou meses no Brasil acertando a produção). Impressionado com os protestos de rua acontecidos em junho de 2013 quis impregnar a historia de um teor político denunciando as falcatruas que seriam a causa das arruaças no tempo. Fez a sua quota de denúncia à maneira do colega Danny Boyle (de “Quem quer ser um Milionário?”). Mas acabou fazendo “mais um filme de favela”, um gênero que está vendendo cinema nacional embora não se possa dizer que é novo (cf. “Gimba”, 1963). Há o clássico “5 Vezes Favela”(1963) que impulsionou o movimento “cinema novo”. Os trabalhos dos nossos cineastas do passado exibiam mais sinceridade. “Trash”, com mais recursos, endossa o que possa parecer popular hoje e por isso mais comercial. Mas a julgar por aqui, a fórmula não pegou.


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

QUESTÕES DE INFIDELIDADE



Kristin, Scott Thomas e Daniel Auteuil em "Antes do Inverno"


Circulam em DVD dois filmes franceses tratando da infidelidade conjugal: “Antes do Inverno” (Avant l’hiver, 2012) eOs Belos Dias” (Les Beaux Jours, 2013). O primeiro é dirigido por Philippe Claudel e aborda a situação de Paul (Daniel Auteuil) um neurocirurgião de meia idade que se vê assediado por alguém que regularmente deixa um buquet de rosas em sua casa e em seu consultório. Ele procura saber de quem se trata e a principio não liga para uma jovem que diz chamar-se Lou (Leila Beckti) cruza seu caminho e diz que o conhece. A insistência dela leva-o a aproximar-se da jovem inclusive procurando acompanhar os passos que ela dá. Casado com Lucie (Kristin, Scott Thomas), tem um filho e um neto, mas a obsessão pela jovem deixa-o em colapso nervoso e por isso é licenciado do hospital onde trabalha. A esposa não tem ciência do mootivo do descontrole emocional do marido, mas percebe que ele continua a passar muito tempo fora de casa e ela só atenua a solidão com o que lhe conta um colega de Paulo, um amigo do casal e também um candidato a seu namorado na época em que optou por quem iria ser o seu marido. Nessa linha de encontros e desencontros as interrogações se insinuam: Lucie e Paulo se amam mesmo? Quem é a jovem que se insinua para Paul? E aquele momento em que eles estão “chegando para a velhice” leva a novos sonhos? Embora haja uma definição da situação de Lou, com um desfecho fatal, a vida da familia revelará os segredos de cada um. A cena final é bem caracteristica de que as coisas ainda serão reveladoras.
Com roteiro bem centrado do diretor, o mesmo do sensível “Há Tanto tempo que te Amo”(Il’y a longtemp qui j’taime, 2008) mostra uma Kristin Scott Thomas impecável e um desempenho muito bom de Daniel Auteil. Não tem a mesma leveza de estilo do citado filme mas consegue ser uma abordagem interessante de um drama intimo. Filme inédito nos cinemas locais.

Fanny Ardant e Patrick Chesnais os personagens que curtem um tempo longo de casamento. 

Quanto a “Os Belos Dias” trata da insatisfação da rotina de vida de uma mulher de meia idade, profissional aposentada de suas atividades e em busca de algo novo num SPA, cujo ingresso lhe é dado de presente pelas filhas. Fanny Ardant protagoniza Caroline, a dentista de meia idade, casada há muitos anos com Philippe (Patrick Chesnais). Ela se apaixona por um professor de informática (Laurent Laffit) numa escola especifica. O relacionamento cumpre o desejo da personagem em não aceitar o envelhecimento, sentindo-se motivo de atração de pessoa muito mais jovem. Mas não demora em saber que ele não a quer mais do que uma aventura passageira.
O roteiro vem do romance “Une Jeune Fille Aux Cheveux Blancs” escrito pela diretora  Marion Vernoux e Fanny Chesnel, a autora do original literário. Um grande momento da veterana Fanny Ardant (foi casada com François Truffaut) que se mostra em plena forma física e profissional. Também é filme esquecido dos cinemas locais.
“Alma em Suplício” (Mildred Pierce, 1945) é um filme classico protagonizado por Joan Crawford e a então estreante Ann Blyth. A primeira atua como uma executiva de sucesso depois de ser abandonada pelo marido, mas não espera uma reação violenta da filha. O roteiro é de Ronald McDougall, diretor de obras de ficção como “O Diabo, a Carne e o Mundo” (The World,the Flesh and the Devil, 1959) e escreveu muitos roteiros como do também clássico “Um Punhado de Bravos” (Objetive Burma 1945). O original é um romance de James M.Cain e a direção de Michael Curtiz (de “Casablanca”). Quem não assistiu deve ver.

“A Bela Adormecida” (Sleeping Beauty, EUA, 1959) foi uma das princesas da fábula levadas ao cinema de animação pela equipe de Wal Disney (a direção foi de Clyde Geronimi). Circula agora no Brasil em bluray. Trata-se doo primeiro desenho em cinemascope. O traço difere dos tradicionais que se viu em “Branca de Neve” e “Cinderela”, mas o famoso conto de Charles Perrault é apresentado com grande requinte técnico e hoje deve ser curioso revê-lo quando o mesmo estúdio reinterpreta o conto em “Malévola” onde a bruxa que encanta a jovem do titulo é revelada como uma pessoa injustiçada e de bom coração. 

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

LUNCH BOX

Saajan (Irrfan Khan) começa um novo modo de viver a partir das "quentinhas"

Em Dubai (Índia) há um serviço de entrega de alimento caseiro, conhecido por Mumbai Dabbawallahs. O filme “The Lunch Box” (Dabba, India, França, Alemanha, 2013) dirigido por Ritesh Batra, trata desse tipo de serviço quando certo dia, a entrega de uma das caixas vai para outro cliente e nesse erro aproxima uma dona de casa de um homem viuvo que está se aposentando. Mensagens trocadas entre eles revigoram um mundo de fantasias. O filme usa uma linguagem simples mostrando como se formam as aproximações entre as pessoas solitárias.
Não há uma tradução para o título original do filme a partir da cópia norte americana, mas este foi visto como um exemplar diferente da média de produção de Bollywood, a indústria cinematográfica indiana, uma das mais produtivas do mundo. As evidências do contexto da cidade indiana ficam das imagens das ruas e de um pouco da cultura local, especialmente na culinária. Mas o tema é amplo, e três enfoques pontuam a historia: a figura do homem de meia idade, que está preste a se aposentar, um tipo que é apresentado para ele pelo patrão, para que lhe seja repassado as tarefas que este vai deixar de executar, e uma jovem casada que faz o cardápio servido nas marmitas e que passa a se corresponder com o homem maduro a partir de bilhetes trocados dentro das marmitas. O primeiro, viuvo, evidencia a solidão em todos os âmbitos – o percurso que faz do trabalho para casa e a forma de tratar o candidato à sua vaga, sem trocar palavras com este dá idéia desua depressão. Da falta de sua esposa em casa ao momento de sair do emprego, deixando o lugar para o outro, sente-se que Saajan sofre em silêncio, mas se renova com os bilhetes trocados. O segundo é um jovem que tem um passado sofrido, com passagem pelas forças armadas e tentando um emprego sem conhecimento do que vai fazer. O tipo é Shaik (Nauwazuddin Siddiqui) noivo de uma jovem de família com recursos e por isso mesmo desprezado pelos pais da noiva, sempre assediando Saajan para que este lhe ensine o modo de trabalhar com os papeis da empresa. A terceira, a jovem lla (Nimrat Kaur), submetida à tia que a ajuda nas comidas caseira, sofre a rotina da casa e das tarefas e se reencontra consigo e com o novo afeto a partir dos bilhetes.

lla (Nimrat Kaur), a nova estrela na vida de Saajan

Através dos personagens sofridos chega-se ao modo de vida do indiano nos dias atuais. A câmera não se furta em focalizar as ruas, os transportes, algumas casas, o modo de vida de pessoas de duas classes sociais. Chega a vislumbrar uma festa de casamento típica, justamente o clímax da historia de Shaik. Pode-se dizer que não há muita profundidade na exploração íntima dos personagens embora não se veja, no viúvo, um estereotipo do solitário abordado pelo cinema de Hollywood. E mesmo assim houve quem achasse “Lunch Box” um filme mais hollywoodiano do que indiano (ou bolywoodiano). Pessolmente tenho pouco conhecimento dos filmes de Bollywood e como eu, possivelmente, a maioria do publico brasileiro. Os de Satyajit Ray não contam. São obras densas exibidas em festivais e não possuem detalhes da fórmula industrial do país, como música, canto e comédia. Já assisti a “Seu Crime, seu Sofrimento” (Makkhi/1991) de SS Rajamouli. Não vi muita diferença, pelo menos formal, com fantasias de outros centros produtores. O que observei foi um bom humor submetendo uma situação dramática que não é rotina. Trata de um empresário que se apaixona por uma jovem que ama outro. E o ciúme faz com que ele mate o rival que reencarna numa mosca e passa a atentá-lo.

“Lunch Box” ganhou 22 prêmios internacionais inclusive em Cannes e no Brasil (Festivais de São Paulo e Amazonas). Mesmo assim, só conseguiu por aqui exibições restritas, como no caso do Cine Estação, programado pelo critico de cinema José Augusto Pacheco. Para quem quer assistir algo diferente e de uma fonte rara é um bom programa. É interessante, aliás, observar que graças ao chamado “circuito extra” estamos conseguindo assistir filmes de diversos países como Japão, França, Paraguai, Alemanha, e agora Índia. Desde o tempo do Cine Clube APCC (1977-1986) não se via isso.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O COZINHEIRO DO POLO SUL



Shuichi Okita é um diretor japonês ainda jovem com uma filmografia iniciante, sendo também roteirista, com créditos de ator em dois fimes, e direção de seriados de tevê e filmes de curta metragem. “O Chef do Polo Sul” (Nankoku Ryôrinin, Japão, 2009) é o primeiro filme escrito e dirigido por ele. Baseia-se na autobiografia de Jun Nishimura, cozinheiro de Rumoi, em Hokkaido, que passou um ano e meio na estação Fuji Dome, no polo sul, com sete companheiros, cada um respondendo por uma especialidade requerida no serviço. A estação tem a temperatura média de – 57°C (abaixo de zero) e o isolamento provoca uma especial atenção à comida, fato que faz Nishmura providenciar pratos variados levando em conta o material que possa alcançar no grande depósito trazido do Japão para consumo dos expedicionários e o que possa conseguir nas raras plantações efetuadas na própria estação. O livro chama-se “Omoshiro Nankyoku Ryõnin” e recebeu comentários elogiosos sobre o modo como focalizou o grupo de homens vivendo fechado em um lugar inóspito, especialmente quando enfrentaram a noite polar de 6 meses.
O filme é um desafio a partir do fato de a câmera pouco sair do espaço onde os personagens estão confinados, os exteriores definindo o vazio do lugar, um fim de mundo onde o trabalho é desenterrar sondas milenares, mostrando resquícios de como era a região no passado distante. Para ter uma ideia das condições extremas do polo, ali não se encontra nem bactérias nem vírus.
Evidente que há de se tratar do relacionamento entre os técnicos da expedição com os seus familiares, que em alguns casos são conectados por telefone e/ ou por skype. Um desses casos é o de uma família em que a esposa confessa ao marido confinado estar gostando de outra pessoa. A primeira reação dele é abrir a porta da estação e ir para o gelo ambiente, mesmo sem a devida proteção de roupa. Os colegas o socorrem, mas a narrativa não vai além de poucos planos. A vida tem de continuar. Outro personagem passa a maior parte do tempo em uma caminhonete lendo revista de quadrinhos desejando retornar. Não sabia da duração desse tempo e tão maus momentos. Mas ninguém sai da estação. O enfoque maior são os pratos colocados pelo chef, prodigiosamente requintados.
O cinema já esteve algumas vezes no polo sul, mas, geralmente com imagens montadas em estúdio. O caso mais importante é “Epopéia Tragica” (Scott of the Antartic, UK, 1948) de Charles Frend, com John Mills protagonizando R.F.Scott, o expedicionário inglês que tentou chegar ao polo sul e acabou morrendo de gangrenas adquiridas pelo gelo. Outros filmes são de ficção como “O Monstro do Artico” (The Thing, EUA, 1951), refilmado por John Carpenter nos anos 70.
O mundo gelado serve de catalisador do drama da solidão, mesmo focalizada em grupo. Okita aproveita devidamente para revelar detalhes de casos que repercutem no processo afetivo. A julgar pelas imagens apresentadas, os 8 homens confinados parecem brincar o tempo todo ou, quando algum se aborrece, apenas exibe seu desagravo sem mutilar alguém. O que recebe más notícias de casa se fecha no stress. É possivel que o livro original evidencie, em primeiro lugar, a capacidade do trabalhador japonês. Há, contudo, muitas evidências de que não é somente aquilo que o diretor pretende mostrar. As amizades construidas entre alguns deles são exploradas, por exemplo, pela necessidade de comer as especiarias de sua terra e por isso, avançam no lamén, na calada da noite, para satisfazer a fome. E é este desejo de comer que estabelece o eixo desencadeador do filme. A forma de preparar o alimento tornando os produtos mais apetitosos revigora a noção de estar ausente de casa, da civilização, mas sustentados por um tipo de desejo, o do paladar apurado. É isso o que deixa de ser percebido por certo público, nesta obra de Shuichi Okita, uma dimensão mais reveladora da condição humana originária em meio à solidão marcada pelo ambiente gelado: o sabor dos alimentos.

Muito interessante o final com o roteirista-diretor apresentando planos da estação vazia, na partida. Aos poucos o ambiente antes abrigando movimento de seres humanos é captado asseptico, sem ruídos, sem música. O filme não encerra quando é fechada a ultima porta. Há mais duas sequencias: da chegada ao Japão, com a turma reencontrando os familiares; e de uma refeição do chef Nishimura (Masato) com a esposa e filhos quando a filha mais velha pede-lhe que faça os quitutes da festa do aniversário dela. A câmera capta o tipo comendo um Mac/sanduiche e em close a expressão do sabor da diferença de seus pratos no mundo gelado. É um sorriso a là Chaplin. 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

LIMITE, EM TELA GRANDE

 Cena de "Limite", de Mário Peixoto.
A restauração de “Limite” (1930), a obra (única) de Mário Peixoto, foi submetida a uma série de obstáculos a partir do abandono a que o filme foi legado depois de seu lançamento (assim mesmo restrito). Mas conseguiu ser recuperado nos anos 1960 acompanhando o processo de restauração através da produtora e funcionária do INCE, Myrce Gomes Rocha (a segunda esposa do professor Plinio Sussekind Rocha. Myrce esteve em Belém produzindo o documentário “Waldemar Henrique Canta Belém”, de Miguel Faria Jr. em 1978). Recentemente, o filme foi restaurado pela Cinemateca Brasileira e a nova versão foi apresentada em novembro de 2011 no Auditório Ibirapuera em São Paulo, na ocasião com  uma trilha sonora, composta pelo norueguês Bugge Wesseltoft. Esta cópia deve ser apresentada hoje, 14/10, no cinema Olympia compondo o programa “Cinema e Música” visto ser acompanhado de uma trilha musical tocada ao piano pelo Professor e Superintendente da Fundação Carlos Gomes, Paulo José Campos de Melo.
“Limite” é um filme lendário. O autor (e cabe o titulo, pois tudo é dele) tinha 22 anos e depois de escrever a historia pensou em contratar o cineasta Humberto Mauro para a adaptação, a quem chegou a procurar. O diretor de “O Canto da Saudade” disse que o melhor seria o próprio Mario dirigir. E ele seguiu o conselho. Mesmo porque ninguém teria a coragem de expor uma linguagem surrealista com base na forma dos filmes soviéticos de autores como Eisenstein e Pudovkin.
O trecho a seguir é do site  http://www.mariopeixoto.com/limite.htm:  “As cenas do barco em Limite podem evocar paralelos com Aurora (1927), o primeiro filme americano de Murnau, e também as cenas de gritos revelam algumas similaridades. Os campos e plantas em movimento podem evocar reminiscências a Terra (1930), de Alexander Dovzhenko, e, obviamente, pode-se mencionar uma enorme variação de movimentos e ângulos da câmera como uma exploração do próprio medium filme.”
No filme quase não há uma trama. São duas mulheres e um homem em um barco à deriva, no  oceano. Isso, digamos, é a parte “material” do filme. Na verdade o que interessa é o estado de espírito desses personagens. Logo se vê a mulher acorrentada. Ela exibe os pulsos amarrados para a câmera. E há uma profusão de closes, com expressões de angústia que se pode querer ver como a situação de naufrágio. No caso é, sim, um naufrágio, mas anímico. O titulo não é à toa: chega-se ao limite de cada personagem, o que eles sentem e querem se libertar.
Orson Welles elogiou o filme. Quando o Cine Clube APCC o exibiu no Grêmio Português, nos anos 1970, foi como um enigma para a plateia. Esperava-se um filme mudo na linha tradicional, com uma história a contar e muitos intertitulos explicando o que se passa. Isso não acontece com “Limite”. Quase não há letreiros entre cenas. Surge na brilhante fotografia de Edgar Brasil o esforço de atores como Olga Breno, Tatiana Rey e Raul Shonoor.Suas personagens não tem nomes: apenas Mulher 1, Mulher 2, Homem 1. E a montagem desafia a época na assincronia de sequencias. Longe de Peixoto a linguagem linear, mesmo se pensasse em expor um sonho. O que ele pretendeu foi que a imagem faça sugerir conflitos interiores, um desafio para o cinema que nesse ponto perdia para a literatura onde o leitor empresta as suas emoções ao texto.
Mério Peixoto, à direita, e amigo.
Mario Peixoto ficou com a imagem de excêntrico. Vivia só em uma ilha e quem nos contou alguma coisa sobre ele foi Waldemar Henrique a quem ele havia convocado para elaborar a musica de seu próximo projeto cinematográfico. Waldemar chegou a passar dias na casa de Peixoto compondo de acordo com o argumento apresentado. Mas o diretor não conseguiu financiamento e o filme não foi realizado. Peixoto faleceu aos 82 anos, em 1992. Foi alvo do documentário “Onde a Terra Acaba” (2002), de Sergio Machado e mencionado em “Cinema Falado” (1986) de Cateano Veloso.
Em 2007, a mostra HIGH LINE FESTIVAL exibiu a versão restaurada deLimite”, no Festival de Cannes, momento em que também foram exibidos vários filmes selecionados para a World Cinema Foundation, criada por Martin Scorsese, cujo o objetvo é a preservação, restauração e exibição de produções históricas, sobretudo da África, América Latina, Ásia e Europa Central.
O programa “Cinema e Musica” apresentado mensalmente no Olympia anuncia para novembro o clássico “Nosferatu” de Murnau e para dezembro alguma surpresa. É uma iniciativa da Funbel, ACCPA e Fundação Carlos Gomes na presença de Paulo José Campos de Melo.




segunda-feira, 13 de outubro de 2014

FILMES DE CABECEIRA

Liza Minnelli  e Joel Grey cantando "Money,Money": "Cabaret"

Antes do vídeo (VHS/DVD/Bluray) o termo “filme de cabeceira” era uma metáfora. Tendia a qualificar os títulos que eram mais amados a ponto de haver permanente revisão desses filmes no cinema guardando suas imagens na memória com muito carinho. Depois da chegada das novas tecnologias, o nome ganhou realidade. Pode-se ter o filme preferido ao lado da cama. E há quem colecione obras lançadas em um passado nem sempre distante, formando uma filmoteca particular que pode ser acionada quando se quiser.
No rol de filmes “de cabeceira” estão muitos títulos que chegaram ou não a ser editados em fitas ou discos. Mas há um lote dos que não chegam. E estes são exaustivamente solicitados pelos cinéfilos às distribuidoras quando não os alcança, através da internet em sites especializados em download (gravação de filmes).
Este mês chegam às lojas e locadoras dois títulos que para muitos está na qualidade de “cabeceira”: “Cabaret” e “Isadora”. Assisti os dois no cinema e me impressionava como é que não surgiam em DVD posto que são obras da grande industria e de há muito existem em lojas no exterior.
“Cabaret” (EUA, 1972) é um musical dirigido pelo coreógrafo Bob Fosse (1927-1987) com o roteiro de Jay Allen baseado em historias de Christopher Isherwood que geraram a peça de John Van Druten e o musical de John Masteroff.
Liza Minnelli protgoniza Sally Bowles, cantora e bailarina de um cabaré na Berlim de 1929, justamente quando era vislumbrada a ascensão da ideologia nazista em manifestações de rua. O número mais aplaudido de Sally é apresentado por um mestre de ceriominas excêntrico (Joel Grey) que identifica a posição política da cidade/país. A trama é impulsionada quando chega ao lugar o professor de inglês Brian Roberts (Michael York). Daí em diante acompanham-se as personagens e mais o casal Maximiliam (Helmut Griem) & Natalia Landauer (Marisa Berenson), ela judia, e todos observando as mudanças que se processam nas ruas.
Numa espécie de apoteose Liza canta a musica-titulo Cabaret) de John Kander e Fred Ebb. Ainda é um numero de eleição da cantora & atriz (filha de Judy Garland e do diretor Vincente Minnelli de “Sinfonia de Paris”).
Outros números musicais marcantes desse flme: ”Money Money” de John Kander e Fred Ebb, por Joel Gray e, numa sequencia que traduz a chegada dos nazistas,”Tomorrow Belongs to me”, também da dupla Kander & Ebb, cantada por crianças dirigida por Mark Lambert.
O filme se tornou um grande estimulador das platéias sobre a questão do nascimento do fascismo e as canções se tornaram peças imorredouras em nossas lembranças.
Vanessa Redgrave
Quanto ao outro filme é “Isadora” (UK, 1968), a biografia da dançarina Isadora Duncan (1878-1927). Em desempenho marcante (candidata ao Oscar e vencedora de muitos prêmios Internacionais) a atriz Vanessa Redgrave (então com 31 anos) interpreta a personagem-título que pretende levar a sua arte ao maior publico possível e é obstada especialmente por defender a nudez no palco e confessar a sua admiração pela então jovem União Soviética.
A direção é de Karel Reisz (1926-2002), um cineasta inglês que deixou clássicos como “Tudo Começou num Sabado”(Saturday Nght, Sunday Morning,1960), “A Mulher do Tenente Francês” (The French Liutenent Woman, 1981), além de escrever um livro básico sobre a montagem cinematográfica (“Tecnica de Montagem”, 1952). Reisz filmou em lugares dos acontecimentos e impressionou sobremodo no trecho final quando mostra a morte trágica de Isadora ao som de uma canção (“Bye Bye Blackbird”) cantada ao longe.
O filme é de Vanessa que, de certa forma, homenageia Isadora Duncan. Foi um dos nossos melhores do ano na época em que estreou nos cinemas de Belém.
Que outros filmes estão na lista de “filmes de cabeceira”? Você, leitor/a tem um desses que mais gosta? Mande para esta coluna o seu quem sabe a ACCPA não faz uma mostra desses filmes no cine Olympia? É uma boa dica para a avaliação da formação de platéia.


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O PROTETOR


Denzel Washignton e a proteção patriótica
O diretor Antoine Fuqua foi o realizador de ”Dia de Treinamento”(Training Day, 2001), o filme que fez com o ator Denzel Washignton e que deu a este o Oscar do ano. “O Protetor”(The Equalizer/EUA,2014) sua mais nova realização em exibição entre nós, segue de perto o filme anterior. A trama, um roteiro de Richard Wenk, está no formato dos que enchia a cabeça do público de ontem simplificando os enredos dos filmes como mocinho-versus-bandido, com o primeiro sempre ganhando a luta (e ficando com a mocinha).
O problema, numa produção atual, é  não facilitar a vitória do “mocinho”. Mesmo com o final da guerra fria, os russos podem ser os “bandidos” mas a tecnologia atual arma esse tipo de marginal político de forma mais virulenta. No caso de “O Protetor”, Denzel Washington incorpora a figura de um ex-oficial de forças especiais e agora funcionário de uma fábrica. Frequentando um bar de comida russa, afeiçoa-se de uma jovem prostituta (Chöele Grace Mortez) que os mafiosos de Moscou atacam com tanta violência que a deixam na UTI de um hospital. Denzel, ou McCall, vai visita-la e resolve identificar os algozes vingando-se contra quem a maltratou. Inicia-se uma verdadeira guerra em que um grupo de russos ataca o norte-americano quase sempre só, apenas no ato final contando com um amigo, guarda de segurança.
A velha fórmula não muda no resultado do embate. Quem está no cinema sabe perfeitamente que o protagonista McCall não vai morrer. A permanência do espectador na sala se dá devido o interesse de o espectador seguir a trama construída pelo diretor e avaliar como a figura solitária vai enfrentar tanta gente armada. E o interessante é que este não usa armas. O forte é o gestual onde o soco, a rasteira, e a luta corpo a corpo se insinuam como mais velozes do que as balas saídas de potentes metralhadoras.
Antoine Fuqua é desses profissionais ligados aos grandes estúdios que sabe construir o que se chama de “action movie” (filme de ação). O espectador pode pensar que se está fazendo mais uma vez propaganda norte-americana como se fazia no tempo da URSS. Na realidade, cansada de tanta patriotada em outros filmes, esperei ver uma bandeira dos EUA tremulando numa casa quando dos planos finais. Não há, mas fica a imagem do tipo heroico. E desta vez um herói negro, possivelmente um eleitor de Barack Obama.
Sem conteúdo que dê margem a conceitos mais profundos, “O Protetor” pode ser visto como eram explorados os tipos & enredos no velhos filmes de faroeste. Nesse tempo e gênero o “mocinho” se envolvia nas piores contendas e nem deixava que o seu chapéu caísse no chão. O público não tinha dúvida de que ele podia enfrentar qualquer quadrilha e se sair bem. As situações só foram tomando um novo formato com o ciclo de gangster onde a principal figura era realmente marginal enfrentando normas sociais e políticas. Nesse caso, não havia como esperar pela sobrevivência do tipo. Em “Anjos da Cara Suja” (Angels with dirty faces, 1938), de Michael Curtiz, até que eram apresentados garotos chorando a morte de um bandido que eles imitavam. Mas o próprio vilão do filme (vivido por James Cagney) representa uma cena de choro na hora de ir para a cadeira elétrica com o filme intentando dar um outro olhar para o que poderia ser idealizado pela garotada. Tudo a pedido de um padre. Mas, no caso de Denzel Washington, não precisa que seja criticado o estereótipo. É um bom ator e dá verossimilhança ao absurdo. Por isso, o filme, que afinal é bem narrado, é divertido. Difícil deixar a sessão pelo meio. E como não quer ser outra coisa passa como um dos programas acessíveis da temporada de blockbusters.
Mesmo que o tempero narrativo leve em conta as artimanhas de um filme policial bem armado e procure desvendar outros tons sociais imperantes na sociedade contemporânea, como a rede de tráfico humano, no caso de jovens russas para a prostituição, de lavagem de dinheiro e da criação de um polo mafioso num país que antes era o principal inimigo ideológico, não há um clima de reflexão aprofundado para isso. Contudo, há as evidências e esse é o mote para a sedução das plateias que então se tornam favoráveis ao método do matador McCall/Washington. Se não há bandeiras nacionais tremulando, há desvio de ideias do suposto mal (escalada das mortes) para o bem (aniquilamento dos polos maléficos) e louvores aos exterminadores. E por ai vai.



SIN CITY 2, A MULHER FATAL





Desconheço a real motivação de Roberto Rodriguez (“O Mariachi”, “Machete”) filmando a “graphic novel” de Frank Miller exibir por quase duas horas sequencias graficamente trabalhadas de sexo, violência (tudo explicito), detalhes de assassinatos, personagens tresloucados, um mundo sombrio onde só o bizarro é eleito. Desde o início sua opção foi seguir essa linha. 
“Sin City 2, A Mulher Fatal” (Sin City, A Dame to Kill For/EUA,2014), para alguns críticos, traduz o que hoje está sendo estudado como filme neo-noir que segundo o autor e fotógrafo aclamado internacionalmente Robert Arnett “ é um estilo que se “tornou tão amorfo como um gênero / movimento, qualquer filme com um detetive ou um crime qualificado”. "Sin City..." é construído em capítulos intercalando-se diferentes histórias e seus personagens, com os atores que os representam: “Just Another Saturday Night” tem Mickey Rourke  (Marv) vagando à noite pela cidade. Em “The Long Bad Night” é Joseph Gordon-Levitt (Johnny), mais Powers Boothe (Senator Roark), Julia Garner (Marcy), Christopher Lloyd (Kroenig), Jude Cicolella (Lieutenant Liebowitz) e Lady Gaga (Bertha) atormentados por uma vingança. “A Dame to Kill For” mostra Josh Brolin (Dwight McCarthy), Eva Green (Ava Lord), Dennis Haysbert (Manute), Christopher Meloni (Mort), Rosario Dawson (Gail), Ray Liotta (Joey), Juno Temple (Sally), Jeremy Piven (Bob), Stacey Keach (Wallenquist), Jaime King (Goldie), Marton Csokas (Damien Lord)e Jamie Chung (Miho) entre ciclos de matança. E em “Nancy’s Last Dance” é Jessica Alba (Nancy Callahan) e Bruce Willis (John Hartigan) entre amor e ódio com direito a facadas.
O filme segue duas das primeiras histórias do “Sin City” de 2005, da mesma dupla (o diretor de cinema e o desenhista) - “A Dama Fatal” e Just Another Saturday Night”, e mais dois contos originais criados para o novo filme. A meta era transpor a estética dos quadrinhos ao gênero “neo noir”, aumentando o que se sugeria em termos de violência e aproveitando a atual liberdade de expressão para mostrar as personagens desnudas ou imitando o ato sexual.
O interesse do filme é captar a plasticidade dos quadrinhos originais. Filmado em preto e branco, e agora em 3D, assume a iluminação que dosa o claro e escuro lembrando a linha expressionista (não chega ao caligarismo, pois a alternância de tons é gratuita, sem a pretensa fantasmagoria dos filmes alemães que inauguraram o gênero em cinema seguindo a pintura). A primeira parte já exibe a iluminação bem detalhada que de qualquer maneira ajuda na trama do personagem que sofreu torturas e segue numa missão de vingança. Ruas, prédios, detalhes de lugares dão margem ao adjetivo que designou um tipo de filme: “noir” (André Bazin chamou assim os policiais que preferiam a ação na penumbra para reforçar o mistério procurado pela câmera). Mas se o noir é sutil, como mostrou John Huston no clássico “The Maltese Falcon” (no Brasil “Reliquia Macabra”), nos dois “Sin City” é uma posição estilística, usando a opção para reforçar o macabro. Isto já se percebe no segundo episódio da narrativa e Rodriguez seguindo o falecido Miller mostra que a aventura policial é irmã da fantasmagoria de um Nosferatu de Murnau. Nesse ponto há uma controvérsia: o “filme noir” não é obrigatoriamente um filme de terror. Pergunta-se: o neo-noir assume essa outra expressão? Murnau, ao realizar “Aurora” (Sunrise/1927) usou o claro e escuro na forma de um romance, com até mesmo licença cômica (a sequência da festa em que um participante passa a suspender o decote do vestido de uma dama cuja alça no ombro teima em cair). Em “Sin City” (que quer dizer “Cidade do Pecado”), a alternância de claro e escuro serve também para reforçar a expressão estética de violência. As duas mulheres vingadoras lutam e matam como seus ancestrais masculinos de tantos filmes machistas do passado. Para reforçar a fúria sanguinária desses tipos usa-se a sombra por sobre corpos e espaços ao redor. Na 3D fica mais evidente o aspecto plástico. E é isso que Frank Miller quis nos desenhos. Rodriguez tentou obedecer o estilo. Quem pergunta a motivação de tantas cenas agressivas sai do programa. Ou da plateia.


A FERA DA FLORESTA

Timothée (Nauel Perez Bizcayart) em "No Fundo da Floresta"

Benoît Jacquot, diretor e roteirista francês é muito conhecido pelo filme que realizou “Adeus Minha Rainha” (Les Adieux a la Reine, 2012) sobre os dias sombrios de julho de 1789, às vésperas da Revolução Francesa, com a corte de Luis XVI descontraída supondo nada ocorrer com eles. Nesse meio se acha Sidonie Laborde (Léa Seydoux), jovem totalmente devotada à Rainha, que não só não acredita nos desmandos do regime, como permanece ao lado de Maria Antonieta, a rainha da França, até o fim.
Esse “cartão de visita” do diretor pouco conhecido entre nós (muitos filmes europeu são só encontrados em DVD) dá credito ao filme que está sendo exibido em Belém, “No Fundo da Floresta” (Au Fond des Bois/França, 2010) assinando também o roteiro com Julien Boivent, é uma espécie de “Bela e a Fera” com toque de crueza. Eles se interessaram pela crônica da jurista e ensaísta franco-argentina Marcela Iacub que teria se baseado em um fato real acontecido numa província francesa do século XVII. O tema é o relacionamento de uma jovem de classe média, filha de um médico conceituado, com um andarilho, Timothée (Nauel Perez Bizcayart) que a hipnotiza e sequestra para viver ao seu lado na floresta próxima da casa da jovem, usando para isso um estranho e eficiente poder de persuasão e truques de mágica. Este tipo (uma verdadeira fera) passa a viver com a jovem Josephine (Isild Le Besco), numa rotina de sexo e violência ela adquirindo uma gravidez e só nessa condição voltando para casa.
O “fera” no caso, foi preso e condenado a reclusão perpetua. A sua “bela” chega a visita-lo na cadeia levando o filho recém-nascido. Havia casado com um homem de sua classe social.
Como no conto de Leprince de Beaumont, a imagem da criatura monstruosa foi concebida para ganhar uma certa simpatia do leitor/espectador depois de um tempo de asco. Mas a verdade é que o tipo é mostrado numa linha de abusos à garota ficando difícil o reconhecimento daquele estado da natureza onde a sexualidade se propaga sem os recursos da formação de Timothée, que é apresentado nas sequencias iniciais como um voyeurista, apreendendo-se dele uma máscara alienada. O ator Nahuel Pérez Biscayart consegue deixar a imagem de uma feiura extrema, não só, pela disposição de seu rosto. É uma figura feia e bizarra nas atitudes, no modo como trata a companheira, ou presa, no jeito como se vangloria de poderes paranormais, de seu poder de persuasão que extrapola a tradicional forma de hipnose.
O filme procura imagens realistas não só através da locação onde teriam acontecido os fatos como, e principalmente, no trabalho dos atores, uma excelente amostragem de rostos sofridos, de temperamentos que são divergentes mas se acomodam através de uma força que assusta.
Nesta versão inadvertida de “A Bela e a Fera”, o que não é proposital e sim procura seguir um acontecimento chocante do passado, não deixa qualquer vestígio de encanto ou lirismo. Timothée não chega a assustar a quem o vê na tela, mas o que recebe do espectador é uma repugnância como se ele fosse uma “coisa” asquerosa, um objeto de nojo.
O filme quer sempre chocar. E nesse ponto difere dos 38 títulos do diretor antes de realiza-lo. Até sua versão de “Sade”, em 2000 (a história do marquês que deixou neologismos) é menos chocante. Aqui em “Au Fond de Bois” ele enfatiza o feio, aliado ao sexo animal, no modo como contamina o belo a ponto de ganhar desta uma passividade que mesmo assim apresenta momentos paradoxais, afiançando uma espécie de contaminação do bizarro.
Poucos filmes são tão impiedosos, inclusive nas sequencias de sexo (e são muitas) onde se observa apenas um exercício físico violento (esse é um ponto que merece observamos em relação à posição da ensaísta e jurista sobre a questão da sexualidade).
Inédito nos cinemas locais (e creio que nos brasileiros de um modo geral) o filme não deixa de ser importante como um exemplar sobre a temática da sexualidade. Foi exibido no Cine Olympia durante uma semana em horários regulares. Um programa da Cinemateca da Embaixada da França.