quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O COZINHEIRO DO POLO SUL



Shuichi Okita é um diretor japonês ainda jovem com uma filmografia iniciante, sendo também roteirista, com créditos de ator em dois fimes, e direção de seriados de tevê e filmes de curta metragem. “O Chef do Polo Sul” (Nankoku Ryôrinin, Japão, 2009) é o primeiro filme escrito e dirigido por ele. Baseia-se na autobiografia de Jun Nishimura, cozinheiro de Rumoi, em Hokkaido, que passou um ano e meio na estação Fuji Dome, no polo sul, com sete companheiros, cada um respondendo por uma especialidade requerida no serviço. A estação tem a temperatura média de – 57°C (abaixo de zero) e o isolamento provoca uma especial atenção à comida, fato que faz Nishmura providenciar pratos variados levando em conta o material que possa alcançar no grande depósito trazido do Japão para consumo dos expedicionários e o que possa conseguir nas raras plantações efetuadas na própria estação. O livro chama-se “Omoshiro Nankyoku Ryõnin” e recebeu comentários elogiosos sobre o modo como focalizou o grupo de homens vivendo fechado em um lugar inóspito, especialmente quando enfrentaram a noite polar de 6 meses.
O filme é um desafio a partir do fato de a câmera pouco sair do espaço onde os personagens estão confinados, os exteriores definindo o vazio do lugar, um fim de mundo onde o trabalho é desenterrar sondas milenares, mostrando resquícios de como era a região no passado distante. Para ter uma ideia das condições extremas do polo, ali não se encontra nem bactérias nem vírus.
Evidente que há de se tratar do relacionamento entre os técnicos da expedição com os seus familiares, que em alguns casos são conectados por telefone e/ ou por skype. Um desses casos é o de uma família em que a esposa confessa ao marido confinado estar gostando de outra pessoa. A primeira reação dele é abrir a porta da estação e ir para o gelo ambiente, mesmo sem a devida proteção de roupa. Os colegas o socorrem, mas a narrativa não vai além de poucos planos. A vida tem de continuar. Outro personagem passa a maior parte do tempo em uma caminhonete lendo revista de quadrinhos desejando retornar. Não sabia da duração desse tempo e tão maus momentos. Mas ninguém sai da estação. O enfoque maior são os pratos colocados pelo chef, prodigiosamente requintados.
O cinema já esteve algumas vezes no polo sul, mas, geralmente com imagens montadas em estúdio. O caso mais importante é “Epopéia Tragica” (Scott of the Antartic, UK, 1948) de Charles Frend, com John Mills protagonizando R.F.Scott, o expedicionário inglês que tentou chegar ao polo sul e acabou morrendo de gangrenas adquiridas pelo gelo. Outros filmes são de ficção como “O Monstro do Artico” (The Thing, EUA, 1951), refilmado por John Carpenter nos anos 70.
O mundo gelado serve de catalisador do drama da solidão, mesmo focalizada em grupo. Okita aproveita devidamente para revelar detalhes de casos que repercutem no processo afetivo. A julgar pelas imagens apresentadas, os 8 homens confinados parecem brincar o tempo todo ou, quando algum se aborrece, apenas exibe seu desagravo sem mutilar alguém. O que recebe más notícias de casa se fecha no stress. É possivel que o livro original evidencie, em primeiro lugar, a capacidade do trabalhador japonês. Há, contudo, muitas evidências de que não é somente aquilo que o diretor pretende mostrar. As amizades construidas entre alguns deles são exploradas, por exemplo, pela necessidade de comer as especiarias de sua terra e por isso, avançam no lamén, na calada da noite, para satisfazer a fome. E é este desejo de comer que estabelece o eixo desencadeador do filme. A forma de preparar o alimento tornando os produtos mais apetitosos revigora a noção de estar ausente de casa, da civilização, mas sustentados por um tipo de desejo, o do paladar apurado. É isso o que deixa de ser percebido por certo público, nesta obra de Shuichi Okita, uma dimensão mais reveladora da condição humana originária em meio à solidão marcada pelo ambiente gelado: o sabor dos alimentos.

Muito interessante o final com o roteirista-diretor apresentando planos da estação vazia, na partida. Aos poucos o ambiente antes abrigando movimento de seres humanos é captado asseptico, sem ruídos, sem música. O filme não encerra quando é fechada a ultima porta. Há mais duas sequencias: da chegada ao Japão, com a turma reencontrando os familiares; e de uma refeição do chef Nishimura (Masato) com a esposa e filhos quando a filha mais velha pede-lhe que faça os quitutes da festa do aniversário dela. A câmera capta o tipo comendo um Mac/sanduiche e em close a expressão do sabor da diferença de seus pratos no mundo gelado. É um sorriso a là Chaplin. 

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