Shuichi
Okita é um diretor japonês ainda jovem com uma filmografia iniciante, sendo
também roteirista, com créditos de ator em dois fimes, e direção de seriados de
tevê e filmes de curta metragem. “O Chef do Polo Sul” (Nankoku Ryôrinin, Japão,
2009) é o primeiro filme escrito e dirigido por ele. Baseia-se na autobiografia
de Jun Nishimura, cozinheiro de Rumoi, em Hokkaido, que passou um ano e meio na
estação Fuji Dome, no polo sul, com sete companheiros, cada um respondendo por
uma especialidade requerida no serviço. A estação tem a temperatura média de – 57°C
(abaixo de zero) e o isolamento provoca uma especial atenção à comida, fato que
faz Nishmura providenciar pratos variados levando em conta o material que possa
alcançar no grande depósito trazido do Japão para consumo dos expedicionários e
o que possa conseguir nas raras plantações efetuadas na própria estação. O
livro chama-se “Omoshiro Nankyoku Ryõnin” e recebeu comentários elogiosos sobre
o modo como focalizou o grupo de homens vivendo fechado em um lugar inóspito,
especialmente quando enfrentaram a noite polar de 6 meses.
O
filme é um desafio a partir do fato de a câmera pouco sair do espaço onde os
personagens estão confinados, os exteriores definindo o vazio do lugar, um fim
de mundo onde o trabalho é desenterrar sondas milenares, mostrando resquícios
de como era a região no passado distante. Para ter uma ideia das condições
extremas do polo, ali não se encontra nem bactérias nem vírus.
Evidente
que há de se tratar do relacionamento entre os técnicos da expedição com os
seus familiares, que em alguns casos são conectados por telefone e/ ou por
skype. Um desses casos é o de uma família em que a esposa confessa ao marido
confinado estar gostando de outra pessoa. A primeira reação dele é abrir a
porta da estação e ir para o gelo ambiente, mesmo sem a devida proteção de
roupa. Os colegas o socorrem, mas a narrativa não vai além de poucos planos. A
vida tem de continuar. Outro personagem passa a maior parte do tempo em uma
caminhonete lendo revista de quadrinhos desejando retornar. Não sabia da
duração desse tempo e tão maus momentos. Mas ninguém sai da estação. O enfoque
maior são os pratos colocados pelo chef, prodigiosamente requintados.
O
cinema já esteve algumas vezes no polo sul, mas, geralmente com imagens
montadas em estúdio. O caso mais importante é “Epopéia Tragica” (Scott of the
Antartic, UK, 1948) de Charles Frend, com John Mills protagonizando R.F.Scott,
o expedicionário inglês que tentou chegar ao polo sul e acabou morrendo de
gangrenas adquiridas pelo gelo. Outros filmes são de ficção como “O Monstro do
Artico” (The Thing, EUA, 1951), refilmado por John Carpenter nos anos 70.
O
mundo gelado serve de catalisador do drama da solidão, mesmo focalizada em
grupo. Okita aproveita devidamente para revelar detalhes de casos que
repercutem no processo afetivo. A julgar pelas imagens apresentadas, os 8
homens confinados parecem brincar o tempo todo ou, quando algum se aborrece,
apenas exibe seu desagravo sem mutilar alguém. O que recebe más notícias de
casa se fecha no stress. É possivel que o livro original evidencie, em primeiro
lugar, a capacidade do trabalhador japonês. Há, contudo, muitas evidências de
que não é somente aquilo que o diretor pretende mostrar. As amizades
construidas entre alguns deles são exploradas, por exemplo, pela necessidade de
comer as especiarias de sua terra e por isso, avançam no lamén, na calada da
noite, para satisfazer a fome. E é este desejo de comer que estabelece o eixo
desencadeador do filme. A forma de preparar o alimento tornando os produtos
mais apetitosos revigora a noção de estar ausente de casa, da civilização, mas
sustentados por um tipo de desejo, o do paladar apurado. É isso o que deixa de
ser percebido por certo público, nesta obra de Shuichi Okita, uma dimensão mais
reveladora da condição humana originária em meio à solidão marcada pelo
ambiente gelado: o sabor dos alimentos.
Muito
interessante o final com o roteirista-diretor apresentando planos da estação
vazia, na partida. Aos poucos o ambiente antes abrigando movimento de seres
humanos é captado asseptico, sem ruídos, sem música. O filme não encerra quando
é fechada a ultima porta. Há mais duas sequencias: da chegada ao Japão, com a
turma reencontrando os familiares; e de uma refeição do chef Nishimura (Masato)
com a esposa e filhos quando a filha mais velha pede-lhe que faça os quitutes da
festa do aniversário dela. A câmera capta o tipo comendo um Mac/sanduiche e em
close a expressão do sabor da diferença de seus pratos no mundo gelado. É um
sorriso a là Chaplin.
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