A
arte cinematográfica tem manhas, tempo sem ordem na avaliação dos temas
argumentados que ontem não prestamos tanta atenção e hoje evidenciam assuntos
que lemos, estudamos, aprendemos no dia a dia, convivendo na prática com outros
olhares. Assiste-se, anos depois, a um filme ao qual não se deu tanta
importância, e daí reconhecem-se equívocos de avaliação/interpretação da
primeira vez que assistimos.
Esta
semana assisti a uma das versões de “Casa de Bonecas” (1973, EUA), baseado no
romance norueguês de Henrik Ibsen (1828-1906). O filme tem a direção de Patrick
Garland, estrelado por Claire Bloom (dia 17/02 completou 92 anos), Anthony
Hopkins, Ralph Richardson, Denholm Elliott, Edith Evans, dentre os
principais. Por sinal, nesse ano, 1973,
houve uma outra versão com Jane Fonda no papel da personagem Nora Helmer,
dirigido por Joseph Losey.
A
confidência neste post é considerar o que no argumento inicial referi sobre os
diferenciais do ontem e do hoje ao assistirmos certos filmes. Não vou tratar de
Ibsen nem de sua obra, nem analisar a narrativa, mas apontar o que deixei de
ver na primeira vez que assisti ao filme. O enredo trata de um casal da classe
social média alta, branco e as estratégias de uma convivência entre marido e
mulher e as formas de sobrevivência no acesso aos recursos para manter-se nesse
nível social. E tudo o que se observa são as dificuldades de Nora em guardar
segredo sobre os empréstimos financeiros que consegue para garantir o marido no
emprego e à medida que as sequências do filme seguem para apresenta-la como
afável com todos, atenciosa com a educação dos filhos, subserviente com o
marido, percebe-se que essa é uma atitude que ela julga ser de amor entre os
dois.
O terceiro ato (percebem-se 3 eixos da
narração) demonstra o desvelar dos segredos de Nora à sobrevivência
profissional do marido. Na primeira vez que assisti ao filme essa argumentação passou
totalmente despercebida. As atitudes agressivas e violência doméstica que no
final se evidenciam contra ela encontram-na em silêncio, ouvindo a sua
desvalorização como mulher. Nesse instante ela sai de cena. Ao retornar, a
sequência mostra-a preparada para deixar a casa, marido e filhos. E nesse
ponto, toda a argumentação silenciada de anos de convivência na violência e na
subserviência vêm à tona em suas palavras, em suas denúncias ao ser questionada
que vai ser mal falada como esposa, mãe e dona de casa. Ironicamente ela
devolve o tratamento de culpa e diz ao marido que realmente ela não sabe quem
é, vai procurar saber. Percebe-se uma outra Nora, consciente e observadora das
regras a si impostas as quais vai romper. Ao perdão agora solicitado pelo
marido agressor e as promessas que este lhe faz não cruzam mais a incerteza de
Nora informando-o, finalmente, que não o ama mais.
Amei
a Nora do século XIX. Que em meio ao século XX deixei de ver.