Imagem de Hannah Arendt e uma frase que revela seu entendimento sobre a condição humana.
O
primeiro livro que li de Hannah Arendt (1906-1975) foi “A Condição Humana”
(1987). Extrai dele o que ela trata sobre o específico e o genérico na condição
humana (que não é a natureza humana) a partir de três atividades fundantes da vita activa· – o labor, o trabalho e a
ação. Para a autora, a ação era uma prerrogativa humana exclusiva e
dependente da presença constante de outros. Diz que embora as atividades
humanas sejam condicionadas pela vivência conjunta dos homens, a ação é
inimaginável fora da sociedade humana e enquanto fonte do significado dessa
vida. A ação (práxis) e o discurso (lexis) eram, na antiguidade clássica
aristotélica, as duas únicas atividades humanas consideradas políticas e
constitutivas do bios politikon, significando a capacidade de
organização da polis e a tomada de
decisão mediante as palavras e o discurso.
Outro
livro que li dessa autora foi “As Origens do Totalitarismo” (edição de 1998)
cujo enfoque evidencia análises sobre o antissemitismo, o imperialismo e o
totalitarismo. Meu interesse era sobre o primeiro capítulo em que Arendt trata
do Estado-nação. Essa abordagem convergia para os estudos em relação a que Marx
tratara em “A Questão Judaica” (1843/1989) com as indagações de Bruno Bauer
sobre a emancipação civil e política dos judeus.
Mas
este texto trata do que a diretora Margarethe von Trotta apresentou no cinema
em “Hannah Arendt”(teuto-francês, 2012). Trotta tem no curriculo 33 prêmios
internacionais e filmes já vistos por aqui como ”A Honra Perdida de Katharina
Blum”, “Os Anos de Chumbo” e “Rosa de Luxemburgo”. O tema trata da captura de
Eichmann em Buenos Aires pelo serviço secreto israelense e a indicação de Arendt
pelo periódico The New Yorker para acompanhar o julgamento dele em Jerusalém. O
que ela escreveu, totalizando 5 artigos (publicado depois em “Eichmann em Jerusalém – Uma
reportagem sobre a banalidade do mal”) levantou
protestos de seus irmãos de crença e compatriotas. Diz Xénia de Carvalho (Maputo, 2012:): “À medida que Hannah Arendt vai relatando o julgamento torna-se cada vez
mais evidente a sua linha de argumentação: trata-se de um homem banal, trata-se
de actos banais, trata-se da banalidade do mal, trata-se de obedecer
ao Estado, trata-se de ser humano sem questionar, trata-se de manter um status social”.
A polêmica
levantada e o tratamento que se passou a dar à escritora por parte da maioria
(judeus ou não) levaram-na a uma situação difícil. Hannah faleceu em 1975, ou
seja, 14 anos depois do julgamento de Eichmann. O filme de Margareth Von Trotta
se detém no período desse julgamento, do quanto a posição da filósofa mexeu com
dogmas políticos, sociais e religiosos.
Barbara
Sukowa protagoniza Arendt. Hoje a atriz está com 64 anos, foi intérprete de
clássicos como “Berlim Alexanderplatz”, “Lola”, “Europa” e muitos mais. Ela
possui cerca de 12 prêmios em um currículo que soma 47 filmes. Admiradora de
Hannah Arendt, a atriz procurou seguir a personagem no que conhecia, incluindo
imagens de filmes (reportagens) de época. Seu desempenho está entre os
premiados. E ele é a base do filme, apoiado especialmente nos diálogos, com
poucas imagens de ação, ganhando com cenas do depoimento do nazista em seu
julgamento.
É
muito difícil o cinema se restringir a um trauma emocional, ou à
conscientização de um ato. Claro que a maioria dos filmes usa fatos em que se
distinguem personagens ligadas a eles como uma linha dramática comum, mesmo que
esta linha esteja bem focalizada em termos de narrativa. Como exemplo tem-se
uma série de filmes “de tribunal”. Mas este não é o caso de “Hannah Arendt”. O
roteiro de Pam Katz e da diretora Margarethe Von Trotta desafia modelos e se
detém no enfoque sobre a mulher que ousou tratar um caso histórico sob a
envergadura de sua filosofia. Com este propósito a tarefa maior cabe à atriz. E
a câmera não a deixa em quase todos os planos, exigindo expressões que
justifiquem um comportamento inesperado por quem aplaudia a ideia de ela ir
cobrir para um jornal norte-americano um fato que dizia respeito ao povo judeu,
ligando-se Eichmann ao holocausto.
Evidentemente
o resultado é um filme excelente. É uma tentativa séria de retratar uma situação
que entrou para a história e a mulher que protagonizou isso.
Por um
resultado desafiador é um dos programas excelentes deste ano. Está no Cine Olympia
em sessões regulares (18h30) durante duas semanas.