terça-feira, 18 de novembro de 2014

HANNAH ARENDT

Imagem de Hannah Arendt e uma frase que revela seu entendimento sobre a condição humana. 

O primeiro livro que li de Hannah Arendt (1906-1975) foi “A Condição Humana” (1987). Extrai dele o que ela trata sobre o específico e o genérico na condição humana (que não é a natureza humana) a partir de três atividades fundantes da vita activa· – o labor, o trabalho e a ação. Para a autora, a ação era uma prerrogativa humana exclusiva e dependente da presença constante de outros. Diz que embora as atividades humanas sejam condicionadas pela vivência conjunta dos homens, a ação é inimaginável fora da sociedade humana e enquanto fonte do significado dessa vida. A ação (práxis) e o discurso (lexis) eram, na antiguidade clássica aristotélica, as duas únicas atividades humanas consideradas políticas e constitutivas do bios politikon, significando a capacidade de organização da polis e a tomada de decisão mediante as palavras e o discurso.
Outro livro que li dessa autora foi “As Origens do Totalitarismo” (edição de 1998) cujo enfoque evidencia análises sobre o antissemitismo, o imperialismo e o totalitarismo. Meu interesse era sobre o primeiro capítulo em que Arendt trata do Estado-nação. Essa abordagem convergia para os estudos em relação a que Marx tratara em “A Questão Judaica” (1843/1989) com as indagações de Bruno Bauer sobre a emancipação civil e política dos judeus.
Mas este texto trata do que a diretora Margarethe von Trotta apresentou no cinema em “Hannah Arendt”(teuto-francês, 2012). Trotta tem no curriculo 33 prêmios internacionais e filmes já vistos por aqui como ”A Honra Perdida de Katharina Blum”, “Os Anos de Chumbo” e “Rosa de Luxemburgo”. O tema trata da captura de Eichmann em Buenos Aires pelo serviço secreto israelense e a indicação de Arendt pelo periódico The New Yorker para acompanhar o julgamento dele em Jerusalém. O que ela escreveu, totalizando 5 artigos (publicado depois em “Eichmann em Jerusalém – Uma reportagem sobre a banalidade do mal”) levantou protestos de seus irmãos de crença e compatriotas. Diz Xénia de Carvalho (Maputo, 2012:): “À medida que Hannah Arendt vai relatando o julgamento torna-se cada vez mais evidente a sua linha de argumentação: trata-se de um homem banal, trata-se de actos banais, trata-se da banalidade do mal, trata-se de obedecer ao Estado, trata-se de ser humano sem questionar, trata-se de manter um status social”.
A polêmica levantada e o tratamento que se passou a dar à escritora por parte da maioria (judeus ou não) levaram-na a uma situação difícil. Hannah faleceu em 1975, ou seja, 14 anos depois do julgamento de Eichmann. O filme de Margareth Von Trotta se detém no período desse julgamento, do quanto a posição da filósofa mexeu com dogmas políticos, sociais e religiosos.
Barbara Sukowa protagoniza Arendt. Hoje a atriz está com 64 anos, foi intérprete de clássicos como “Berlim Alexanderplatz”, “Lola”, “Europa” e muitos mais. Ela possui cerca de 12 prêmios em um currículo que soma 47 filmes. Admiradora de Hannah Arendt, a atriz procurou seguir a personagem no que conhecia, incluindo imagens de filmes (reportagens) de época. Seu desempenho está entre os premiados. E ele é a base do filme, apoiado especialmente nos diálogos, com poucas imagens de ação, ganhando com cenas do depoimento do nazista em seu julgamento.
É muito difícil o cinema se restringir a um trauma emocional, ou à conscientização de um ato. Claro que a maioria dos filmes usa fatos em que se distinguem personagens ligadas a eles como uma linha dramática comum, mesmo que esta linha esteja bem focalizada em termos de narrativa. Como exemplo tem-se uma série de filmes “de tribunal”. Mas este não é o caso de “Hannah Arendt”. O roteiro de Pam Katz e da diretora Margarethe Von Trotta desafia modelos e se detém no enfoque sobre a mulher que ousou tratar um caso histórico sob a envergadura de sua filosofia. Com este propósito a tarefa maior cabe à atriz. E a câmera não a deixa em quase todos os planos, exigindo expressões que justifiquem um comportamento inesperado por quem aplaudia a ideia de ela ir cobrir para um jornal norte-americano um fato que dizia respeito ao povo judeu, ligando-se Eichmann ao holocausto.
Evidentemente o resultado é um filme excelente. É uma tentativa séria de retratar uma situação que entrou para a história e a mulher que protagonizou isso.
Por um resultado desafiador é um dos programas excelentes deste ano. Está no Cine Olympia em sessões regulares (18h30) durante duas semanas.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O ESTRANHO FILME DE SCOLA



Desenho do filme de Scola nos 20 anos de morte de Fellini


Ettore Scola (83 anos) estava afastado do cinema desde 2003 quando realizou “Gente di Roma”. Atendeu a pedidos para dedicar um longa metragem ao seu amigo Federico Fellini (1930-1993). O resultado foi este “Que Estranho Chamar-se Federico” (Che strano chiamarsi Federico, Itália, 2013) que entre nós só chegou em DVD.
Scola foi contemporâneo de Fellini na revista “Marc’Aurelio”, de Florença, fazendo charges (texto e caricatura), ao lado de outros que depois se juntariam a ele em roteiros de cinema. Ele aborda essa época e segue com o colega já cineasta e a sua própria incursão na arte & indústria do cinema. Os cinéfilos e amantes de Fellini (como eu) esperavam ansiosamente o filme. Alguns, entretanto, se decepcionaram. Entretanto, esse diretor avisou antes o que faria : "un piccolo ritratto di un grande personaggio".
A meu ver imperdoável no filme é a não citação mais enfática sobre Giulietta Masina (1921-1994) esposa e companheira de trabalho durante 50 anos do autor de “Amarcord”. Nas sequencias do período em que houve o contato entre os dois – Scola e Fellini -  o primeiro ainda tinha 17 anos. Mas se conheceu nesse período o Federico com outras namoradas (como é mostrado em um plano do filme), o seguimento desse tempo deu lugar a Masina que conviveu durante 50 anos com seu marido Fellini. Sem dúvida há planos de “La Strada” onde Giulietta surge tocando corneta para um número circense do saltimbanco Zampanô” (Anthony Quinn) e, rapidamente de “Ginger e Fred”(1986). Mas não trata de “Julieta dos Espíritos” (Giulietta degli Spirit, 1965) que Fellini criou para ela depois de realizar o seu “Oito e Meio”(Otto i Mezzo, 1964), dizendo-se ser esse filme, uma retratação das “escapadas” que dava com outras mulheres. Scola não usa também momentos de “A Trapaça”(Il Bidone, 1955).
 E a cinebiografia também deixa muito a desejar. Não trata com o destaque que lhe deu o mundo inteiro o clássico “La Dolce Vita”. Nem cita “Entrevista” (1987), no caso, Fellini falando de Fellini, como, aliás, pouca importância dá a “Roma” (1972), já um filme-memória, seguindo aproximadamente “Amarcord” (1973) por sua vez o que seria “Moraldo in Cittá” filme que continuaria “Os Boas Vidas”(I Vitelloni/1953) mostrando como o personagem interpretado por Franco Interlenghi viveria na capital italiana depois de deixar a sua cidade natal (Rimini).
 Fiquei com a impressão que conhecia mais de Fellini do que Scola.
 O filme foi produzido a pedidos das filhas do diretor, Paola e Silvia Scola. Consta que ele não queria mais fazer cinema. No seu amarcord pousado no colega usou pelo menos uma cena de seu melhor trabalho: “Nos que nos Amávamos Tanto...”(C’ Eravamo Tanto Amati, 1974).
 Quem aprecia Scola sente que “...Estranho chamar-se Federico” é obra de encomenda. O final é que me pareceu interessante: quando focalizado o enterro de Fellini vê-se o corpo sair do caixão e correr pelas ruas, perseguido por dois guardas. Acabaria defronte da praia como se observa no começo. Por ali, à beira mar, por suposto, um “vitelloni” (boa vida) veria desfilar suas personagens (começo do filme).
Espero que Ettore Scola não se despeça do cinema com este trabalho. Autor de 89 roteiros e 41 filmes como diretor, ele é lembrado não só por “Nos que nos amávamos...” como por “Um Dia Muito Especial” (Una Giornata Particolare, 1977), “O Baile” (Le Bal, 1983) e “Splendor”, 1989, entre outros.
Observo que ainda falta muito para o cinéfilo completar sua coleção de filmes em DVD de Scola e mesmo de Fellini. Deste último sente-se falta de seu “canto de cisne”, o polemico “A Voz da Lua” (Voci della luna. 1990). Esse filme circulou em fita VHS, mas as distribuidoras em DVD ainda não se lembraram da copiagem do filme nessa nova tecnologia, e creio que merecia ser reestudado.
 De Scola faltam pelo menos 26 dos 41 trabalhos na direção (se contar os de roteiro, a soma é bem maior). Mas há esperança que as distribuidoras brasileiras se lembrem do cineasta. Ele representa, com alguns outros, o excelente cinema italiano da fase pós-neorrealismo.



quarta-feira, 12 de novembro de 2014

AS TRAMAS DE UMA CARREIRA







Há 42 anos, num 12 de novembro, a coluna Panorama se instalava “de malas e bagagens” no jornal “O Liberal” recorrendo ao apelo do dono, Rômulo Maiorana, que precisava de um crítico de cinema permanente para ocupar espaço no segundo caderno. Se a tensão de dar conta de escrever um texto diário sobre cinema & outras artes naquele momento era própria de uma neófita que ousava se inscrever na vaga possivelmente de outras pessoas que já haviam passado pela função de forma descontínua, o interesse da aprendiz se baseava num tipo de coragem que até aquele momento minava a preocupação da “jovem senhora” acostumada a assistir diariamente aos filmes. Ao pleitear o cargo esperava condizer com a demanda do dono do jornal que sem dúvida reconhecia quem estava “nos bastidores” da ação de enfrentar um trabalho específico – um crítico de renome. No momento da assinatura do contrato de trabalho, presente no escritório da empresa estava a esposa de um critico local conhecido e com certeza esse foi o tom das evidências positivas da questão lógica do empregador. Um nome inscrito legalmente, mas dois comprometidos com a nova função que a partir daí O Liberal passaria a adotar.
Se foi assim o começo da carreira, sem dúvida a avaliação da aprendiz que depositava em si a convicção de que tinha qualidades próprias para assumir o emprego tornou-se obsessiva para manter-se idônea e desativada de sua “sombra”. Mas àquela altura esta [sombra] era mais forte e às vezes o traço luminoso interceptado tomava bases preconceituosas. Embora de estilos e formas diferentes (a critica de um modo geral analisava o filme, eu resumia a história), a escritura da coluna era sempre vista como produção do marido. Na verdade, ao aceitar aquele emprego eu tinha consciência de que isso iria ocorrer, mas havia tantas diferenças entre nós que a maledicência passava ao largo sem ferir [tanto].
E em quarenta e dois anos, o que mudou? A logística da coluna devido às inúmeras fases da própria imprensa mundial e/ou dos assuntos mais candentes locais levou às mudanças mais diversas na estatura do local de publicação, como também no tamanho, no formato, nos hiatos súbitos em função de uma matéria publicitária que chegava em cima da hora para aquela página. Esses aspectos fizeram parte de um processo de aprendizagem pessoal porque o sentimento de vaidade profissional opera quando levado por algumas instâncias dessas. Então, o abatimento forja-se nessas motivações e a cada dia aprende-se um pouco da convivência tanto profissional quanto da técnica pessoal de manter o equilíbrio em qualquer circunstância.
Acima de tudo, minha carreira profissional neste jornal motivou grandes aspirações. A proximidade com o interesse em avançar nos estudos acadêmicos me fez abraçar uma área que a meu ver traria o que eu estava interessada que era a crítica social – o curso de Ciências Sociais/UFPA. Vestibular, aprovação, matrícula nas disciplinas básicas e depois afins, leituras de grandes teóricos dessa área das Ciências Humanas, da área do cinema, das metodologias de pesquisa, enfim, foram muitos caminhos abertos que deram embasamento para o meu olhar sobre o cinema. Considero que mesmo no investimento em pós-graduação, levei comigo a integração com a minha primeira área profissional. Em cada ponto aprendido na sociologia, na ciência política na antropologia & afins, o cinema sempre esteve junto, sempre foi um dos interlocutores intencionados pela minha convicção de que tudo se junta se queremos ter esse olhar mais amplo da cultura e da vida.
Então, o que eu posso dizer hoje, tempo de um marco profissional e existencial? Que as portas abertas por Rômulo Maiorana para assumir uma coluna diária em um jornal já de circulação expressiva, favoreceram as mudanças da vida de uma pessoa, àquela altura “dona de casa” (nada contra) que sentiu que essa ousadia poderia ter eficácia se houvesse investimentos pessoais. Com todas as incertezas que são comuns na vida de cada um minha avaliação é de que vale a pena enfrentar caminhos desconhecidos e aprender a andar. Os primeiros passos são essenciais às mudanças sonhadas. A tendência é realizá-las.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 12/11/2014)


terça-feira, 11 de novembro de 2014

NOSFERATU

"Nosferatu", o filme de F. W. Murnau. 
Após a 1ª Guerra Mundial, o cinema alemão procurou as raízes plásticas do expressionismo, encontradas, em principio, na pintura, para retratar melhor o sentimento de pavor por que passava a população e possivelmente o espectro do nazismo que emergia ( quem lembra as imagens sobre a sociedade mostrada em “Cabaret”, de Bob Fosse?
“Nosferatu” (Alemanha, 1922) figura entre os primeiros filmes expressionistas. Só é superado no tempo por “O Gabinete do Dr. Caligari” (1919) de Robert Wiene, um sucesso no seu país de origem (e depois no mundo inteiro).
O roteiro assinado por Henrik Galeen, o mesmo que dirigiu “O Golem (1920) e escreveu “O Estudante de Praga”(1926) trata da visita que o corretor Hutter (Gustav Von Wangenheim) faz ao Conde Graf Orlok (Max Schreck) em seu castelo na Transilvânia, sabendo que este conde quer negociar seu espaço. Acompanhando Hutter está a esposa dele, Ellen (Greta Schroeder). Depois do primeiro contato com o conde começam a surgir fenômenos estranhos, como sombras pelas paredes do prédio, acabando por definir a imagem de um vampiro.
Em um estudo minucioso sobre o conteúdo do filme & modernidade, o Prof. Giovanni Alves revelou: “O mal está entre nós e assim se apresenta em corpo, espírito e verdade. De certo modo, o vampiro de Murnau conseguiu ser a síntese estética do Horror que iria se abater sobre a civilização do Capital na década seguinte - nos anos de 1930 ocorreria a ascensão do nazi-fascismo na Alemanha, pré-anunciando o horror da II Guerra Mundial. É o que Arendt considerou a “banalização do Mal”. (http://www.telacritica.org/ )
A fotografia de Fritz Arno Wagner e Günther Krampf é capital para que o filme ganhe a dimensão formal proposta. A iluminação entre os claros e escuros deixa evidência de um ambiente sinistro. E o ator Max Schreck (1879-1936) compõe um Nosferatu impressionante. A expressividade de sua figura marcou tanto que favoreceu a realização de um filme inteiro em sua homenagem, “A Sombra do Vampiro” (Shadow of the Vampire, EUA, 2000), com o ator Willem Dafoe compondo a sua imagem (em especial, como foi maquilado para ser Nosferatu).
O filme de F. W. Murnau perseguiu a lenda. Usou o nome de Nosferatu, pois não houve acordo com os herdeiros do escritor Bram Stoker, autor de “Dracula”. O nome do vampiro só passou a ser usado no cinema na década de 1930 quando foi filmado pelos estúdios da Universal com direção de Tod Browning e apresentando Bela Lugosi que se notabilizaria na protagonixação em muitas outras realizações. Schreck ainda atuou em 41 filmes, a maoria na fase do cinema mudo. E Drácula foi multiplicado em mais de uma centena de produções, inclusive adentrando outros gêneros como a comédia (“Dracula, Morto, mas Feliz” com Liam Neeson).
Hoje os vampiros voltaram à moda e foram glamourizados como no que escreveu Stephenie Meyer para a série “Crepusculo”. O ato de sugar sangue humano não seria o alimento preferido do tipo descrito por Stoker, mas ganhou tempo e espaço como símbolo de uma forma de predomínio, de adequação. São vampiros que plagiam textos de diversos autores como os que se apoiam em trabalhos de diversas áreas criados por outros. Seriam, portanto, sinônimo de plagiadores. Como também há um prisma erótico que o cineasta Roger Vadim apresentou no seu  “Rosas de Sangue” (Et Mourir de Plaisir, França, 1960). No caso, é tematizado uma dependência sexual além de uma simples relação. A jovem Camilla (Annette Stroyberg) com ciúmes de uma amiga transforma-se numa vampira ao se apossar do amor de Leopoldo (Mel Ferrer).
Ultimamente surgiu (e ainda está em cartaz) ”Dracula, A Verdadeira Historia”, aonde se vai à gênese do livro de Bram Stoker e se está presente o Conde Vlad, que de fato existiu, como um príncipe que luta contra os exércitos otomanos. Historiacamente notabilzou-se por empalar seus inimigos. E daí nasceu a lenda do vampiro.

A exibição de “Nosferatu” hoje no Olímpia faz parte do programa “Cinema e Música”(FUMBEL/FCC). O filme mudo será acompanhado pelo Professor e superintendente da Fundação Carlos Gomes, Paulo José Campos de Mello. Ás 18h30. 

domingo, 9 de novembro de 2014

O MELHOR DO CINEMA EM DVD


Julieta Diaz e Guillermo Francesa vivem uma dimensão do amor. 

As indicações de filmes em DVD esta semana seguem um padrão de evidências de clássicos – numa coleção – e de alguns novos de trato crítico. Para os interessados, seguem abaixo as dicas.
“O Amor não tem Tamanho” (Corazon de Leon, 2013) é uma comédia argentina (co-produção com a Espanha e Brasil) dirigida por Marcos Carnevale (do interessante “Elsa e Fred”) sobre o romance de uma advogada divorciada,Ivana (Julieta Diaz), que trabalha com o ex-marido em um escritório e Leon,(Guillermo Francesa) também divorciado, de baixa estatura. O preconceito em torno do que chamam de anão procura ser dissipado, mas enfrenta vários problemas de ordem social e sentimental. Note-se que Leon é um arquiteto bem sucedido, pai de um rapaz, e de posses alentadas. Mas nada disso é um valor para as pessoas que são cegas e não enxergam os grandes valores de Leon. Muito interessante a situação que se apega às proprias pessoas que se dizem “sem preconceitos”. O filme é muito divertido e foi premiado pela Academia de Artes e Ciências da Argentina.
“Alma em Suplicio” (Mildred Pierce, EUA, 1945) é um exemplo marcante do melodrama norte-americano dos anos 1940. A atriz Joan Crawford incorpora a personagem-titulo, que é separada do marido (Bruce Bennett) e luta para manter a si e as duas filhas. Conhecendo através de um amigo que sempre espera a sua atenção amorosa (Jack Carson) conhece Monte (Zachary Scott), um executivo oportunista, com quem se apega para financiar uma rede de restaurantes. Em meio à sua ascensão financeira, a filha menor adoece e morre. A mais velha, Veda (Annn Blyth), mostra-se ambiciosa e pedante, ligando-se a tudo que lhe possa promover. Quando Mildred consegue o divorcio e se casa com Monte surge o assedio deste para com Veda. O final, que encerra um longo flashback,, a partir da sequencia inicial, sofrerá spoiler se os contado antes aos espectadores. Direção de Michael Curtz, três anos depois de realizar “Casablanca”. Joan Crawford ganhou o Oscar de melhor atriz por esse filme.
“A Primeira Guerra no Cinema” é uma coleção de DVD da Versátil Home Video, com autênticos clássicos do gênero recuperados a propósito do centenário de Primeira Guerra Mundial. No primeiro dos três discos há “A Grande Ilusão” (La Grand Illusion, França,1937) de Jean Renoir onde o ator veterano Jean Gabin protagoniza um oficial francês prisioneiro dos alemães. Ele foge do campo de concentração desafiando o pessimismo do colega (Pierre Fresnay). O diretor da prisão é interpretado por Erich Von Stroheim.
O outro filme da coleção é “Adeus às Armas” (A Farewell to Arms, EUA, 1932) de Frank Borzage, com base no romance de Ernst Hemmingway. Trata de um soldado norte-americano (Gary Cooper) que se apaixona pela enfermeira interpretada por Helen Haynes. Por ironia ela é quem morre (de doença) e ele, escapando da guerra, vê seus últimos minutos.
No segundo disco está “O Grande Desfile” (The Big Parade, EUA, 1925) dirigido por King Vidor, três anos antes do seu clássico “A Turba” (The Crowd). O ator John Gilbert interpreta o filho de um milionário que se alista como combatente quando os EUA entram na guerra. Ele é noivo, mas, na França se apaixona pela camponesa interpretada por Renée Adoré. Um modelo de linguagem da época áurea do cinema mudo. Também, nesse disco, “O Rei e o Cidadão” (King and Country, Inglaterra, 1964) obra-prima de Joseph Losey sobre o julgamento de um desertor (Tom Courtnay, Oscar de melhor ator do ano). Dirk Bogarde protagoniza o advogado de defesa.
O terceiro disco oferece uma raridade francesa recuperada recentemente: “Cruzes de Madeira” (Les Croix de Bois, 1933). Atuação dos soldados no campo de batalha. O ator francês Charles Vanel, mais tarde em muitos papéis como o do policial em “As Diabólicas” (Les Diaboliques) não deve ser reconhecido pelos cinéfilos. Ele está muito jovem. O outro filme desse disco é  “Guerra, Flagelo de Deus” (Vier Von der Infanterie, Alemanha, 1930) de George W. Pabst, pequena amostragem do conflito visto pelos militares alemães.
Como se vê, uma coleção preciosa.


UMA PASSAGEM PARA MÁRIO


Imagens do documentário de Eric Laurence 


Focalizando dois amigos – Eric Laurence, o cineasta, e Mário Duques - estes personagens se juntam e imaginam um argumento com base no ideal do segundo em viajar pela America do Sul em especial pelo deserto de Atacama. Compraram as passagens, discutiram o roteiro e se muniram do equipamento necessário para fazer um documentário de viagem. O problema é que em meio à realização do filme se instala a doença de Mario, um câncer no fígado. Este lutaria contra a doença por quatro anos e por isso o projeto  “Uma Passagem Para Mário” (Brasil, 2013) passou do esquema de um aspecto turístico, ou mesmo de um “road movie” para uma reflexão sobre vida e morte, levando em conta o sonho do protagonista em viajar por novas terras como o símbolo de uma obra  inacabada.
Por se tratar de uma obra incompleta, a impressão que fica é mesmo de que o filme não termina. Bem verdade nem se encontra uma narrativa linear que especifique o projeto e os percalços encontrados para que fosse realizado. Veem-se nos planos iniciais os ensaios com a câmera (pequena), ouvindo-se vozes de quem está sendo filmado, e momentos da família de Mario como o abraço que ele dá no pequeno sobrinho. O tremor da imagem ratifica a ideia de Eric em seguir o modelo do que se chama “cinema verdade” e que foi explorado na França por intelectuais como o antropólogo Edgar Morin e o engenheiro e sociólogo Jean Rouch.
Algumas imagens pedem licença ao estilo de Eric e se vê Mario numa cama de hospital recebendo infrmes sobre a fase de sua saúde. Em off ouve-se a sua indagação ao médico se pode efetuar a tão sonhada viagem e este se mostra reticente (não se ouve a permissão). Sabe-se, na sequencia, que o doente está em estado compatível com o tratamento que fez (quimioterapia), mas não há detalhe da radiografia que o medico tem em mãos e avalia.
Mario certamente pensa em viver o que lhe resta olhando o que sempre pensou em olhar. Para isso deve o cuidado do amigo cineasta que segue em diversos meios de transporte com a câmera na mão, deixando gravados momentos de viagem, seja de caminhonete ou de ônibus, abrindo espaço para os moradores das regiões, muitos de etnia indígena, e as construções rudes que se vão espaçando até que se chegue ao deserto.
Pode-se ler “Uma Passagem Para Mário” como a metáfora de um processo de libertação do ser humano que se acha fraco, mas tende a superar esta fraqueza comparando a força interior com a natureza agreste. Tanto que nas sequências finais do filme não se vê mais o personagem-título. As últimas cenas são das montanhas desertas banhadas pelo vento. Por ali deve ter desejado passar o autor da ideia que gerou o filme. Mas em se tratando de “cinema verdade” não se explicita o campo introspectivo. É o cinema que se vê, o que a câmera capta, deixando com o espectador a substancia desses enfoques.
    As informações que apresento sobre Eric Laurence vêm do material de divulgação distribuido pela assessora, Mariana Jacob, da Laurence Filmes: “Ele é diretor de cinema desde 2000. Ganhou mais de 60 prêmios, incluindo seis no Festival de Cinema de Gramado de 2005, com o curta de ficção”Entre Paredes”- que fez parte da seleção oficial de festivais em Roterdã/Holanda (35º Festival Internacional), Tóquio/ Japão (11ª Short Shorts) e Toulouse/França (18º Festival Internacional). Também dirigiu outros dois curtas –“O prisioneiro”(exibido no 33° Festival Internacional do Cinema de Havana, em Cuba) e “Azul” -e o documentário “No Rastro do Camaleão”, realizado por meio do prêmio do Ministério da Cultura do Brasil”.
O novo filme de Eric Laurence entra em cartaz no Cine Olympia em sessões regulares durante esta semana, exceto 2ª e 3ª feiras.  

ANABELLE

Annabelle, a boneca endiabrada.

Os filmes de terror sempre ganharam espaço na indústria cinematográfica levando-se em conta que as plateias gostam desse gênero e sintonizam com os sustos. Pode-se comparar com aquelas visitas a brinquedos de parque de diversão tipo “Trem Fantasma” ou “Gruta Misteriosa”. O visitante sabe que tudo é fantasia, mas se assusta quando surge um esqueleto à sua frente.
Quem teve bom desempenho com o gênero foi o expressionismo alemão. O diretor Robert Wiene (1873-1938) ganhou fama com “O Gabinete do dr Caligari”, em 1919, embora o crédito seja historicamente devido a Carl Meyer (1894-1944), escritor judeu que trabalhou com F. W. Murnau em “A Última Gargalhada” (1924) e “Aurora” (1927). Ele escreveu “O Gabinete do dr,Caligari” para o teatro, por ser um perfeccionista trabalhava lentamente e por isso entrava em conflito com os financiadores de filmes.
No inicio do cinema sonoro os títulos da Companhia Universal ganharam a simpatia das plateias e seus filmes como Dracula, Lobisomem e outros monstros vindos da literatura chegaram aos ingleses nos anos sessenta com a produção da Hammer Films, os melhores títulos dirigidos por Terence Fisher (1904-1980). Hoje o terror está em muitas produções que lembram por seu baixo orçamento as criações do diretor William Castle (1914-1977) nos anos 1950.
O filme “Anabelle” (EUA, 2014) que está fazendo tanto sucesso de publico nas salas aonde se acha em exibição, podia ser assinado por Castle, mas é um filme de John R. Leonetti, diretor de fotografia do recente “Invocação do Mal” (de James Wan), com suficiente tirocínio para fazer valer todos os clichês do gênero. E desde os primeiros planos se encontram esses elementos: um casal jovem, ela bonita e grávida, chegam a uma bela casa onde moram, em meio a enlevos românticos. No quarto de trabalho onde costura, a jovem enfeitou de bonecas de todos os tamanhos, seu “hobby”. Certo dia seu marido chega em casa com uma grande caixa onde a esposa encontra a boneca de seus sonhos, que ele dá de presente antecipado a ela. Uma noite, o casal ouve brigas na casa de seus vizinhos e o marido vai verificar. Chega assustado, chama a polícia, mas os invasores já estão em sua casa onde agridem e esfaqueiam a mulher. Os assaltantes morrem pelas balas da polícia, os agredidos são levados ao hospital.
Obviamente a boneca participa desse encontro violento posto que na montagem ela é focalizada em planos próximos entre as cenas. O marido chega a jogar a boneca na lata do lixo haja vista as marcas de sangue na roupa da mesma. E é natural que eles se mudem para um apartamento, as situações aterrorizantes segue nesta mudança, inclusive pela volta da boneca (a Anabellle do titulo, por sinal protagonista de “Invocação do Mal”) com uma nova fonte de temor: a presença da criança que nasce e muitas vezes é deixada no berço pela mãe que vai a outros afazeres.
O que o filme difere do comum do gênero é a menor participação dos artifícios de linguagem, como os acordes em momentos de tensão e os relâmpagos em meio a tempestades que reforçam o quadro de isolamento das personagens (mesmo dentro de casa). O diretor mostra competência no arranjo do material disponível e ainda utiliza muito bem o uso da arquitetura dos planos como o corredor do apartamento onde a profundidade de campo funciona ao mostrar a mãe ao longe procurando a filha que de repente sumiu do berço. E outras sequências nessa linha.

“Anabelle” é um exemplo de filme comercial em que os produtores estimam lucro. Tanto que sugere uma sequência  quando se vê a boneca sendo comprada por outra pessoa. Estranho é que a tal boneca “renasce” sistematicamente, na narrativa, supostamente envolvida em situações que demonstram ser ela receptora de uma entidade do mal. Mas em se tratando de objeto de terror uma “ressurreição” é sempre possível. 

TIM MAIA


Tim Maia e Roberto Carlos ainda no "The Sputnick"

As cinebiografias não representam novidade. Nos últimos anos o cinema brasileiro biografou, na área musical, Luis Gonzaga (“Gonzaga de Pai pra Filho”) e a dupla Zezé de Camargo e Luciano (“Os 2 filhos de Francisco”) filmes dirigidos por Breno Silveira. Antes do final do ano veremos mais 3: “Trinta” (sobre Joãozinho Trinta, o carnavalesco), e também “Irmã Dulce”. “Tim Maia” (2014) chega na frente, em exibição em varias salas do país. O gênero já fez sucesso nas livrarias a ponto de despertar uma polêmica com personalidades ainda vivas que defendem a não permissão de biografias escritas por outrem. Querem a permissão prévia dos relatos sobre si.
“Tim Maia” talvez seja a mais ambiciosa dessas cinebiografias. Com 140 minutos de projeção retrata o cantor que viveu 55 anos do século passado, ganhando espaço na musica popular a ponto de suas composições serem cantadas pelos mais expressivos interpretes do gênero e por ele próprio, um tipo que exibia a face rebelde tão querida da juventude do rock’roll.
O filme escrito e dirigido por Mauro Lima (no roteiro também assina Antonia Pellegrino) é baseado no livro de Nelson Motta - Vale Tudo- O Som e a Fúria de Tim Maia. Repassa a vida do menino pobre residente no bairro da Tijuca (RJ), começando cedo a trabalhar levando marmitas com o que fazia a sua mãe na cozinha caseira, conseguindo depois trabalhar em um bar e demonstrar seu talento musical (ele escrevia e cantava suas canções). Nessa hora conheceu Roberto e Erasmo Carlos e chegou a fazer parte de um quarteto – “The Sputniks” – que se apresentava nas casas de show menos conhecidas em 1957, onde estavam Arlênio Lívio, Edson Trindade e Wellington Oliveira. Ambicioso, Tim, que na verdade se chamava Sebastião Rodrigues Maia, teve seu apelido Tião mudado por Carlos Imperial, na época empresário de cantores no programa Clube do Rock, da TV Tupi, e o primeiro a apresentar o grupo Jovem Guarda, no caso lançando-os nessa tevê pioneira. Tim embarcou para os EUA com pouco dinheiro e ganhando passagem dos padres posto que foi educado num colégio religioso. De nada serviu o tempo que passou por lá (1959-1963) onde montou uma minibanda e gravou um disco compacto. Aprendeu a falar inglês e de seu envolvimento com drogas e roubo de carros foi preso, sendo deportado para o Brasil. De volta, procura Roberto Carlos, já um ídolo popular, e com muito scrifício consegue espaço no meio artístico. Mas se Tim Maia se torna um nome nas marquises também se transforma num obeso drogado e agressivo. Não acreditando em si mesmo tenta até seguir uma religião, o Racionalismo Cristão, a partir do contato com os livros da Cultura Racional e em 1975 lançou os albuns Tim Maia Racional (vl. 1 e 2). Pouco depois descobre ser minitrada por um “vigarista” e acaba seus dias entre sessões de drogas entre as apresentações musicais.
O flme é narrado em off por um suposto amigo do cantor & compositor. Não conheço o livro de Nelson Motta e por isso não posso dizer se a narrativa é dessa forma. Mas em linguagem de cinema é linear quase sempre (o que é caracterizado por alguns, como didático), com poucas incursões temporais em meio ao que está sendo contando. Com um inicio em preto e branco e um cuidado cenográfico na amostragem do Rio antigo, ganha credibilidade no talento dos dois interpretes de Tim: Robson Nunes, na fase jovem, e Babu Santana, na adulta. Ambos estão excelentes, em especial Babu que se parece muito com o verdadeiro Tim e compõe com maestria o artista que tenta dissipar a depressão com exibições de violência (verbal e física).
O filme se inscreve bem entre as melhores cinebiografias nacionais. A liberdade de expressão o torna possível nos dias de hoje quando, felizmente, saímos de censuras diversas. O que se espera é que o público prestigie o trabalho de Mauro Lima (de "Meu Nome não é Johnny"). “Tim Maia” mostra que o cinema nacional de agora não deve só ao que exigem de Leandro Hassum.


sábado, 1 de novembro de 2014

BOYHOOD – ALGUNS DADOS

O ator Ellar Coltrane em três fases da realização do filme "Boyhood".

Causa admiração a filmagem sistemática da evolução física e psicológica de uma pessoa, acompanhando-a durante 12 anos. Este foi o propósito do cineasta Richard Linklater, texano de 54 anos, cujo currículo revela a realização de 25 filmes como diretor, 16 como escritor, 10 como ator, 14 como produtor e 3 como diretor de fotografia.
A realização de “Boyhood - Da Infância a Juventude” (Boyhood EUA, 2014) se deu a partir de quando o ator convidado, Ellar Coltrane, tivesse 10 anos (no filme 8). Isto não impediu que o garoto (e rapaz) atuasse, no meio tempo em que estava protagonizando esse filme, em algumas outras produções como: “Halletsville”, “Nação Fast-Food, Uma Rede de Corrupção”(Fast Food Nation), ”Faith & Bullets” e “Dinheiro é Má Companhia” (Lone Star State of Mind). De igual modo Richard Linklater se manteve em atividades, criando e realizando a trilogia de grande sucesso “Antes do Amanhacer”, “Antes da Meia Noite” e “Antes do Por do Sol” (de 1995 a 2004).
A técnica foi filmar segmentos seguindo um roteriro que especificasse o que importa na ascensão do menino à idade adulta. Tudo seria muito simples como focar suas brincadeiras infantis, seus colegas, seu primeiro flerte (e beijo) e sua estreia sexual. O diretor também utilizou o talento da filha Lorelei, hoje com 20 anos, mas no inicio do filme, com apenas 10 (é bom lembrar que a filmagem começou em 1999). No meio tempo ela atuou em “Waking Life” e em um curtametragem para a TV, intitulado “The Substitute”. Em entrevista, o pai cineasta conta que com ela houve problema no meio do caminho, visto que a garota queria desistir da sua atuação (é a Samantha) no filme o que obrigou a diminuir a participação dela na historia onde protagoniza a irmã do ator principal no argumento (Mason).
Note-se que os outros atores também seguiram suas atividades de atuação em outros filmes, intercalando nas filmagens de “Boyhood”. A atriz Patricia Arquette, que interpreta a mãe das crianças/jovens, esteve presente em 11 filmes, além das séries de TV como “Medium” (Canal Universal). Curioso é que Ethan Hawke que protagoniza o pai biológico de Mason e Samantha esteve com Richard Linklater nos 3 filmes sobre o tema dos encontros pontuados pelo sol (a série começada com “Antes do Amanhecer”) sempre parceiro da atriz Julie Delpy. E ele atuou tambem em muitas outras produções, inclusive esteve presente no “canto de cisne” do diretor Sidney Lumet, “Antes que o Diabo Saiba que V. Está Morto” (2007).
 “Boyhood” apesar de ter sido realizado num contínuum com recorte temporal mantém uma simplicidade cativante. Não há sequencias “de choque” nem a música estimula momentos dramáticos. É a “vida que corre” e a pontuação encontrada para isso é os cabelos de Mason, cortados por um padrasto cruel e lentamente ressurgindo com o passar dos meses.
O feito do diretor exibe uma realidade que escapa de qualquer projeto de pretensão realista que se tenha levado ao cinema com a perspectiva de avançar no tempo. O que se vê é o que existe. E não se exibe nenhum resquício fotográfico que implique num intervalo de ação. É como se o tempo fluísse como disposto numa horizontalidade nova em cinema.
“Boyhood” surpreende e apesar de longo (mais de 160 minutos de projeção) cativa, a ponto de emocionar. Embora previsto para exibição pelos que acessam os sites da Cinépolis e Moviecon, infelizmente não foi programado para as nossas salas neste final de semana, embora tenha ganhado cinemas de outros estados. Lastimável.



DRACULA E SUA ORIGEM

Drácula, a Verdadeira Historia, o fime atual.

Aproximadamente 193 filmes, entre cinema e TV foram realizados abordando a figura de Drácula, personagem criada pelo escritor irlandês Bram Stoker (1847-1912), com base no conde romeno Vlad Tepes que se notabilizara em seu reinado na Transilvânia por empalar os inimigos do império otomano que foram vencidos em guerra, chegando a beber o sangue de alguns deles. O método de empalamento consistia em cravar uma estaca no corpo da pessoa do anus à cabeça, e fora empregado por turcos otomanos em cristãos que se declaravam contra Maomé ou tinham relações com mulheres muçulmanas. O método era tão bárbaro que embora conhecido dos romanos não chegou a ser empregado por estes.
Os filmes trataram de Drácula como um vampiro sedento de sangue. Só atacando as jugulares da vitimas ele conseguia manter-se vivo desde que não visse os raios solares. Para atacar os vampiros, a partir de Stoker, contou-se que era preciso cravar uma estaca em seu peito ou afugenta-lo com alho e/ou crucifixo.
O novo filme, “Dracula, a Verdadeira Historia” (Dracula Untold, EUA, 2014) segue a moda de apresentar as origens de histórias que renderam filmes lucrativos. E no caso dos estúdios da Universal isto é prazeroso até pela firma ser a que mais prestigiou o gênero no passado de Hollywood, produzindo uma série de filmes de monstros, tarefa do produtor Carl Leammle Jr. que afinal promoveu a Universal a estúdio classe A.
Nesta produção dirigida pelo irlandes Gary Shore, um estreante (fez antes um curta metragem) cita-se o principe Vlad, que no inicio do filme está lutando para salvar o reino dos ataques otomanos posto que estes exigiam, para manter a paz, cem crianças para serem criadas como soldados turcos. A direção de arte tenta sempre driblar os recursos limitados (nem tanto quanto o que se dispunha quando o ator Bela Lugosi - 1882-1956- incorporou o tipo nos anos 30) e a fotografia opta pelos espaços escuros nas cenas de ação. O diretor é coautor do roteiro, escrito de parceria com Matt Sazama e Burk Sharpless. Interessa tanto as origens do mito que o vampiro acaba sendo visto como o “mocinho” da historia, inspirando mais simpatia da plateia do que propriamente horror. Segundo o argumento, Vlad só se torna vampiro porque aceita um pacto demoníaco com uma figura sinistra que mora numa caverna. Como vampiro ele pode dizimar um exercito e completar a tarefa enviando morcegos aos ataques.
A proposta de desmistificar certos mitos, como no caso de Malevola, é uma das fórmulas usadas pelo cinema atual  atendendo a um revisionismo imposto pelos jovens consumidores de tramas tradicionais. Por isso o novo Dracula dista de um Lugosi ou Christopher Lee para ser Luck Evans, inglês que protagonizou o Aramis da ultima versão de “Os 3 Mosqueteiros”, e o detetive Fields, de “O Corvo”(também o Zeus de “Imortais”). O tipo se torna simpático também pelo fato de ser visto como um homem de família, apaixonado pela esposa e pelo único filho, um garoto que o idolatra e que será seu seguidor no trono.
Pode-se dizer que o filme é bem administrado. A linguagem linear não demonstra que se trata de um diretor novato e os atores, apesar de exageros em alguns casos (como o de Mirena/Sarah Gadon, esposa de Vlad) têm um bom desempenho, sem sair de estereótipos. Afinal, o filme é comercial ao extremo e pretende dar lucro ou, quem sabe, gerar continuações. Mesmo assim, o lançamento norte-americano não foi auspicioso. De qualquer forma os que se ligam no gênero vão achar curioso um Dracula no estilo galã e de bom coração. E mais: um suposto reencarnado no mundo contemporâneo a procura de sua amada Mirena que também está de volta...


DEPOIS DAS FLORES


Hana no ato, Depois das Flores, o filme de Kenji Nakanishi 
Dizia-se que os filmes de Akira Kurosawa (1910-1998), os que revelaram o cinema japonês no ocidente depois do premio em Veneza para “Rashomon” (1950) não eram considerados, pelos japoneses, como característicos de sua cultura. Mais tarde, conhecendo as obras de Yasujiro Ozu (1903-1963), de Kenji Mizoguchi ( 1898-1956), de Kaneto Shindo (1912-2012) e outros diretores, fomos aprendendo que, de fato, há um outro lado do cinema nipônico.  Mesmo assim, os filmes desses cineastas renomados, com prêmios em festivais, carregavam um apego universal, ganhando fácil exportação e consequente mercado. Se é possível considerar “um filme bem japonês” seria como este “Depois da Flor” que está entrando em cartaz no cinema Olympia, através da Embaixada do Japão.
“Hana no ato” (Depois das Flores, Japão, 2009) faz parte de uma trilogia do escritor Fujisawa Shuhei (1927-1997) que privilegiava a ficção histórica, já tendo sido abordada pelo cinema. O filme dirigido por Kenji Nakanishi trata de Ito (Keike Kitagawa), a personagem principal, contando a sua historia para a neta. Desde criança ela fora estimulada a usar espada pelo pai e, na idade adulta, conhece um samurai que acredita em sua eficiência como espadachim, uma raridade à época em que a mulher era relegada a trabalhos domésticos a serviço de seu “amo” (marido ou genitor). Esse reconhecimento leva a jovem a se apaixonar pelo estranho. Mas ela está prometida em casamento para outro samurai e no decorrer do tempo sabe que seu amigo de antes havia se suicidado em consequência de uma intriga com familiares. Decide vingar esta morte e enfrenta hábeis espadachins. Mesmo demonstrando o papel não estratificado da mulher, o final revela Ito compreensiva aos mandos paternos e observando as flores de cerejeira que teimam não cair (uma metáfora de que as mudanças da hábil lutadora não implicam numa mulher-samurai). Nesse caso, há coerência em abordar essa questão, pois, sabe-se que a cultura japonesa mantém uma representação patriarcal difícil de fugir àqueles ditames já ultrapassados. Contudo, se há reconhecimento entre os costumes da cultura dos antepassados, muitas das regras nas relações entre os gêneros que o ocidente tem demonstrado avanço, não seria possível encontrar nessa cultura. Seguir as normas dos antepassados é manter o fortalecimento da tradição e sabe-se que esta é uma regra fortemente cultivada.
Imagens belas e lutas esmeradas fazem do filme um espetáculo para os olhos. A beleza plástica está acima do conteúdo que poderia ser mostrado como incitante ou renovador se fosse essa a proposta. Não conhecendo a trilogia que afirmam ser a base da historia, “Depois da Flor” é, primeiramente, um filme japonês fora dos limites estéticos endereçados a países distantes. Seria este o exemplo de cinema típico que reclamavam os que viam comercialismo em Kurosawa.
Impressiona, sobremodo, as sequencias de luta. Com uma edição que deixa planos sucessivos de ângulos diferentes há ritmo e consegue a analogia com o balé, afinal, a magia formal de um gênero dramático. Crédito para Yishiyuki Okuhara (editor), Katsumi Kaeda (diretor de arte) e Tokusho Kikumura(fotografia). A leveza no desempenho da personagem conduz o filme aquele momento de sublimação entre a magia dos lances da luta marcial e a dança clássica japonesa.
O filme esteveem cartaz no Olympia em distribuição da filmoteca do Consulado do Japão. Diariamente (exceto 2ª) às 18h30 com entrada franca.
Em tempo: o lançamento se prende a um trio de produções japonesas programado para o cinema centenário de Belém. Depois do muito bom “O Chef do Polo Sul”, e deste “Depois das Flores”, vai chegar a animação “Hoshi O Kodomo” ou, em inglês, “Childern Who Chase Lost Voices”(Crianças que buscam Vozes Perdidas). Uma amostra de que o gênero no Japão não se limita à genialidade de Hasao Myiasaki (de “Chihiro”). Este um filme candidato a 3 prêmios internacionais e aplaudido pela critica de muitos países. A coluna tratará dele por ocasião de seu lançamento local.