terça-feira, 18 de novembro de 2014

HANNAH ARENDT

Imagem de Hannah Arendt e uma frase que revela seu entendimento sobre a condição humana. 

O primeiro livro que li de Hannah Arendt (1906-1975) foi “A Condição Humana” (1987). Extrai dele o que ela trata sobre o específico e o genérico na condição humana (que não é a natureza humana) a partir de três atividades fundantes da vita activa· – o labor, o trabalho e a ação. Para a autora, a ação era uma prerrogativa humana exclusiva e dependente da presença constante de outros. Diz que embora as atividades humanas sejam condicionadas pela vivência conjunta dos homens, a ação é inimaginável fora da sociedade humana e enquanto fonte do significado dessa vida. A ação (práxis) e o discurso (lexis) eram, na antiguidade clássica aristotélica, as duas únicas atividades humanas consideradas políticas e constitutivas do bios politikon, significando a capacidade de organização da polis e a tomada de decisão mediante as palavras e o discurso.
Outro livro que li dessa autora foi “As Origens do Totalitarismo” (edição de 1998) cujo enfoque evidencia análises sobre o antissemitismo, o imperialismo e o totalitarismo. Meu interesse era sobre o primeiro capítulo em que Arendt trata do Estado-nação. Essa abordagem convergia para os estudos em relação a que Marx tratara em “A Questão Judaica” (1843/1989) com as indagações de Bruno Bauer sobre a emancipação civil e política dos judeus.
Mas este texto trata do que a diretora Margarethe von Trotta apresentou no cinema em “Hannah Arendt”(teuto-francês, 2012). Trotta tem no curriculo 33 prêmios internacionais e filmes já vistos por aqui como ”A Honra Perdida de Katharina Blum”, “Os Anos de Chumbo” e “Rosa de Luxemburgo”. O tema trata da captura de Eichmann em Buenos Aires pelo serviço secreto israelense e a indicação de Arendt pelo periódico The New Yorker para acompanhar o julgamento dele em Jerusalém. O que ela escreveu, totalizando 5 artigos (publicado depois em “Eichmann em Jerusalém – Uma reportagem sobre a banalidade do mal”) levantou protestos de seus irmãos de crença e compatriotas. Diz Xénia de Carvalho (Maputo, 2012:): “À medida que Hannah Arendt vai relatando o julgamento torna-se cada vez mais evidente a sua linha de argumentação: trata-se de um homem banal, trata-se de actos banais, trata-se da banalidade do mal, trata-se de obedecer ao Estado, trata-se de ser humano sem questionar, trata-se de manter um status social”.
A polêmica levantada e o tratamento que se passou a dar à escritora por parte da maioria (judeus ou não) levaram-na a uma situação difícil. Hannah faleceu em 1975, ou seja, 14 anos depois do julgamento de Eichmann. O filme de Margareth Von Trotta se detém no período desse julgamento, do quanto a posição da filósofa mexeu com dogmas políticos, sociais e religiosos.
Barbara Sukowa protagoniza Arendt. Hoje a atriz está com 64 anos, foi intérprete de clássicos como “Berlim Alexanderplatz”, “Lola”, “Europa” e muitos mais. Ela possui cerca de 12 prêmios em um currículo que soma 47 filmes. Admiradora de Hannah Arendt, a atriz procurou seguir a personagem no que conhecia, incluindo imagens de filmes (reportagens) de época. Seu desempenho está entre os premiados. E ele é a base do filme, apoiado especialmente nos diálogos, com poucas imagens de ação, ganhando com cenas do depoimento do nazista em seu julgamento.
É muito difícil o cinema se restringir a um trauma emocional, ou à conscientização de um ato. Claro que a maioria dos filmes usa fatos em que se distinguem personagens ligadas a eles como uma linha dramática comum, mesmo que esta linha esteja bem focalizada em termos de narrativa. Como exemplo tem-se uma série de filmes “de tribunal”. Mas este não é o caso de “Hannah Arendt”. O roteiro de Pam Katz e da diretora Margarethe Von Trotta desafia modelos e se detém no enfoque sobre a mulher que ousou tratar um caso histórico sob a envergadura de sua filosofia. Com este propósito a tarefa maior cabe à atriz. E a câmera não a deixa em quase todos os planos, exigindo expressões que justifiquem um comportamento inesperado por quem aplaudia a ideia de ela ir cobrir para um jornal norte-americano um fato que dizia respeito ao povo judeu, ligando-se Eichmann ao holocausto.
Evidentemente o resultado é um filme excelente. É uma tentativa séria de retratar uma situação que entrou para a história e a mulher que protagonizou isso.
Por um resultado desafiador é um dos programas excelentes deste ano. Está no Cine Olympia em sessões regulares (18h30) durante duas semanas.


Um comentário: