segunda-feira, 23 de novembro de 2015

ALIANÇA DO CRIME




James ‘Whitey’ Bulger (Johnny Depp) em "Aliança do Crime"

Baseado no sucesso do livro de Dick Leher e Gerard O’Neill, “Aliança do Crime (Black Mass, EUA, UK, 2015) explora a história do criminoso irlandês James ‘Whitey’ Bulger (Johnny Depp) e de sua Winter Hill Gang, atuantes em Boston por duas décadas – 1970-1980). Independente de ser irmão do Senador William ‘Billy’ Bulger (Benedict Cumberbatch) “Bug” se torna informante do FBI, devido à amizade desde a infância com o agente John Connolly (Joel Edgerton), posto que o objetivo de ambos é lutar contra a máfia italiana que controla o norte da cidade. A parceria é realizada, mas o que emerge é a criação de um poder pessoal de ambos cada qual em sua unidade de ação – o policial (Connolly) e o criminoso (Bug/Deep), sem que haja uma real responsabilidade de ambos em exterminar os criminosos. A sustentação da afinidade política é dada pelo não importismo do Senador Billy Bulger (Cumbbernatch) aos desmandos do irmão.
Construído em três tempos narrativos – o passado em flashback , o presente no enfoque do tempo da investigação através dos interrogatórios e punição aos culpados cria as fronteiras com o futuro evidenciando, nos créditos finais, os recursos reveladores sobre o processo da máfia irlandesa e italiana -  oferecendo, com isso, cenários de múltiplo alcance – das sala ascéticas dos escritórios do FBI, a de interrogatório, às ruelas escuras onde a guerra se dá.
O filme reflete duas maneiras de comercialização: pela atuação de Depp, o único tipo desenvolvido exemplarmente, e pela violência exacerbada com efeito simbólico, mas também explícito. Teria apresentado um maior exercício dessa violência, segundo informações, se tratasse o livro de Leher & O’Neill de uma forma menos estereotipada, desligando-se de um compromisso industrial ou dando forma a uma maneira mais expressiva quando apresenta os demais tipos que se tornam apagados, salvo Edgerton e Cumberbatch (os demais atores são subutilizados como Kevim Bacon, Peter Sarsgaard e Adam Scoth). Mesmo assim, “Aliança do Crime” mostra assassinatos como poucas vezes se vê em cinema, especialmente de Hollywood. Mas o simbólico de uma carga de intersubjetividade que evidencio se dá com certa sutileza ao menos em três atitudes cotidianas de James Bulger/Deep: a instrução que dá ao filho (nas poucas horas que o visita) para se defender do bulling na escola; a reação contra o parceiro a quem solicita uma receita culinária que é segredo de família e este revela; e a atitude questionadora sobre a ausência da esposa do amigo na hora do jantar. Estas menções se tornam nuances do caráter do gangster que não se vale só do efeito físico da violência praticada mas das entrelinhas que apontam para um caráter perverso que definem seu tipo. Interessante essa abordagem.
A empresa detentora dos créditos da distribuição, a Warner, certamente pensou que seu novo produto tem a ver com o ciclo que lançou nos anos 30/40 do século XX e que se conhece como “filmes de gangster”. Reinou nessa fase atores como James Cagney, Humphrey Bogart, John Grafield e diretores como Michael Curtiz, Raoul Walsh e Joseph Pevney. Procede a expectativa e mesmo porque seria mais “realista” o modo de tratar agora crimes e criminosos sem a preocupação de censura como o Código Hays que norteava a produção de Hollywood de antes da 2ª Guerra Mundial. Afinal hoje é possível filmar sangue jorrando de ferimentos. Antes isso era proibido. Os alvos caiam por terra sem derramar uma gota de liquido vermelho de seus hipotéticos ferimentos.
Também é nuançada uma critica politica. O senador ligado a mafiosos e mafiosos com raio de alcance nas esferas governamentais pode não ser novidade, mas é mais evidente no roteiro.
Enfim o filme é de Johnny Depp e é ele quem arranha candidatura ao próximo Oscar. Maquilado de forma a se tornar muito diferente da imagem que deixou em muitos filmes, o ator esforça-se para ser visto como o tipo cruel que nunca antes experimentara viver. Por ele o trabalho do diretor Scott Cooper merece crédito. Embora o roteiro deixe em aberto muitos flashbacks que interrompem a narrativa e com isso uma linha emocional, o resultado está acima da média. Copper, aliás, só é conhecido por “Coração Louco” (Crazy Heart, 2009) pelo qual ganhou dois Oscar. No seu currículo há mais títulos como ator (14) e desse grupo nada que o enalteça.

Embora “Aliança do Crime” não seja um filme extraordinário vale a pena assisti-lo. 

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

007 CONTRA SPECTRE

Daniel Craig é o novo James Bond, criação de Ian Fleming

A primeira sequencia de “007 Contra Spectre” (Spectre, EUA, 2015) segue o padrão da série inspirada no personagem criado por Ian Fleming (1908-1984), com o agente britânico 007 perseguindo um criminoso na cidade do México durante a festa que se faz por lá no Dia de Finados - Dia de los Muertos. São cerca de 10 minutos de uma exposição inicial situando o cenário, sabendo-se que o agente passa férias por lá, mas se vê coagido a manter o processo ativo de sua carreira como um dos funcionários do MI-6 e M – embora sem grande entusiasmo dos mesmos por ele, no momento – investindo em identificação imediata de um de seus adversários, circulando em meio àqueles mascarados e saltando de prédios e telhados e até tomando um helicóptero. Tal como fez outras vezes no mesmo intuito de prólogo. Agora há uma síntese simbólica clássica: trata-se de morte, vida, fracasso, sucesso, desempenho em nome de destruir a verdade maléfica dos adversários. Com a descoberta de um anel de prata com um polvo esculpido representando uma organização secreta terrorista segue a pista para a cidade de Roma onde ele supõe estarem as demais linhas de envolvimento do maléfico Franz Oberhauser (Christophe Waltz) , seu antagonista da hora.
O escritor Ian Fleming fez parte do serviço de espionagem britânico depois da  2aGuerra Mundial e chegou a visitar Moscou quando se esboçava a chamada “guerra fria”. Morando numa casa na Jamaica passou a escrever historias de espionagem com um tipo que chamou de James Bond. Morreu de um segundo ataque cardíaco, mas os direitos de seu herói passaram para os produtores de cinema, como Harry Saltzman e Albert Broccoli. Eles começaram a filmar os trabalhos de Fleming com “O Satânico dr. No” em 1962, driblando o financiamento muito caro. Daí em diante foram cerca de 19 títulos, ficando depois de sua morte à responsabilidade de sua filha Barbara já com 14 filmes em pauta.
A série Bond tem certa harmonia temática. Agora a diferença é que a chefe do serviço de Inteligência inglês, morrera (vivida por Judi Dench). O novo dirigente segue um assessor que não gosta de Bond por motivos que se vão revelar. Fica 007 como um autônomo, perseguindo um vilão que se sabe comandar uma entidade terrorista chamada Spectre. O fato de o personagem estar só deve aumentar o suspense no roteiro de John Logan, Neal Purvis e Robert Wade. Na direção, Sam Mendes tenta repetir o sucesso comercial de seu trabalho anterior no gênero: ”007 Operação Skyfall”(2012), recorde de bilheteria.
Dizer que a produção não poupa recursos – e mesmo com o uso de efeitos digitais destrói carros e mais alguma coisa – não é novidade. Tampouco evidenciar esmero fotográfico, com a iluminação pontuando cenas e tipos de forma a reforçar situações, como elogiar a edição que na verdade é a mola do sucesso, dando o ritmo que a aventura pede. O que se vê de novo, por exemplo, é a pouca exibição do caráter sedutor do agente inglês  e seu namoro fixo com a filha de um homem ligado a Spectre, Madeleine (Lea Seydoux).  Tambem o vilão é um ator de recursos, Christoph Waltz (de “Bastardos Inglórios”), embora a sua atuação seja mínima, intensa. Por outro lado, o chamado “non sense” alça voo em absoluto divorcio da realidade. Mas quem quiser achar mais absurdos vê, por exemplo, como Madeleine troca de roupa em sequencias ligadas às suas viagens com 007, praticamente uma fuga. O fato de alguns tipos molhados se mostrarem enxutos em planos seguintes é o de menos. Não se busque a realidade num processo fantasioso. O que se quer é o suspense. E apesar de mesmice ele pode ser achado.
“Spectre” não decepciona os adeptos das aventuras de James Bond. Desde que não compare o filme com os melhores do tipo. E são muitos a derrotar o esforço atual de Daniel Craig, afinal construindo uma boa máscara.
Aos amantes das fantasias que o cinema cria este “007- contra Spectre” não foge a regra. Sigam em frente.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O CINEMA ESSENCIAL DE EISENSTEIN & SEUS PARES

Sergei Eisenstein, o cineasta russo que mudou a técnica da montagem cinematográfica         

        Quando se começa a estudar cinema encontra-se a afirmativa de que a montagem é a parte mais importante de um filme. Montagem, como o nome indica, é colocar as coisas (no caso as cenas, ou seqüências), em seus devidos lugares. Tenha-se “devidos lugares” a posição, ou posições, que o realizador estabelece. A montagem é agora conhecida como edição. Na realidade é mesmo a edição do filme. Um momento filmado pertence muitas vezes ao final de uma história que se está contando com as imagens. Este momento é inserido na sua posição depois de realizado. Mas não é só isso, não é só a ordenação da narrativa (ou do contar história) que estabelece o papel da montagem. É principalmente o encadeamento de imagens que suscita uma resposta por parte do espectador. No filme “O Encouraçado Potemkim”, de 1925, vê-se soldados atirando no povo que se dispersa pelos degraus de uma escadaria. Os soldados descem esses degraus perfilados horizontalmente. O filme mostra o descer dessas figuras e, em frações de segundo, o povo atingido. Cada plano recebe uma espécie de resposta com outro plano, ou seja: veem-se os soldados, em seguida vê-se o povo. E as cenas são quase sempre próximas dos rostos (close). A alternância gera um sentimento de angústia. A edição explora o acompanhamento dramático por parte do espectador.
         Sergei Eisenstein, o cineasta russo foi quem melhor expressou este elemento num filme e foi um dos quem estabeleceu o papel desse recurso na linguagem cinematográfica.
         Para um contato com o cinema deste cineasta e de outros que fundaram a nova imagem para a escola soviética que se instalou no pós-revolução de 1917, está sendo exibida a MOSTRA MOSFILME 90 ANOS, no Cine Olympia.
         Os filmes dessa mostra foram realizados por parte desse grupo de diretores que se reuniu na nova escola criada pelo Comissariado de Educação que para Lênin, de todas as artes, o cinema representava a mais importante naquele momento para refletir a atualidade soviética, e os realizadores criaram filmes de propaganda ou, no meu entender, panfletos visuais, que pudessem mostrar com maior ênfase aquela realidade que começava a se desmoronar para dar outro comprometimento com as vertentes da revolução. Kuleschov (considerado o primeiro teórico a buscar uma estética da montagem e ensinou na primeira escola de cinema de Moscou) e seus pupilos Eisenstein, Parajanov, Kalotosov, Pudovikine, Alexadrov começam a trabalhar a imagem dessa realidade subvertendo a fantasia que circulava com os filmes norte-americanos e dai, organizam o novo cinema soviético. Pode-se dizer que representavam a nova forma de fazer cinema proposta por V.I.Lênin para o sistema emergente. Contratado pelos revolucionários bolchevistas, Eisenstein obteve todos os recursos necessários para evocar episódios históricos, como a Revolução de Outubro, com realismo, desde que a ótica enfatizasse o papel libertador, ou necessário, da queda do regime dos Czares.
         O artista provou ao mundo que a arte cinematográfica pode existir e é livre para despertar o interesse político e cultural de um povo, sem ficar estanque nos domínios de um só povo. Mas assistindo aos filmes percebe-se que o grupo e seus seguidores procuraram gradativamente uma maior abrangência. Na fase sonora, com “Alexandre Nevsky” e “Ivan, O Terrível”(os outros filmes foram realizados quando o cinema ainda era mudo) a narrativa documental deixou de ser limitada ao momento histórico. O enfoque foi o país em qualquer época através da ênfase patriótica do Cavaleiro Teutônico e da plasticidade extraordinária da Rússia imperial em duas épocas dedicadas a “Ivan” (seriam 3 se Stalin não achasse que o diretor estava enaltecendo a memória do antigo imperador).
         Desgostoso com as regras impostas à sua criação no então novo sistema, Eisenstein procurou filmar fora da Rússia. Aceitou fazer para Adolph Zukor (Paramount) a versão do livro de Theodor Dreiser “Uma Tragédia Americana”. O roteiro foi supervisionado pelo próprio cineasta, mas os norte-americanos interferiram a ponto de retirar o filme de suas mãos. Foi o tempo em que se iniciaram as filmagens de “Que Viva México!”, uma visão do autor de “Potemikm” sobre o país (México), especialmente o seu povo, ressaltando o espírito revolucionário que se observava em Villa e Zapata. Mas a falta de recursos abortou o projeto (depois terminado por Alexandrov, o diretor de fotografia na ocasião).
         De volta a então União Soviética e com a idéia do painel sobre Ivan, Sergei Eisenstein mais uma vez seria atropelado pelas circunstâncias. Acabou por deixar projetos inacabados. Morreu em 1948 com apenas 49 anos. E sem ser, na época, reconhecido em seu país como deveria: um gigante da arte das imagens em movimento.
         Programa imprescindível para ver e rever!


domingo, 15 de novembro de 2015

A ESCOLA RUSSA DE CINEMA E A CULTURA DOS NOVOS TEMPOS




É praxe uma crítica desinformada na sociedade ocidental deixar de lado os pontos fundantes do cinema russo, um dos mais importantes e mais antigos da História. É praxe, também, tratar das técnicas da montagem e da teoria estética da linguagem do cinema, reconhecendo a importância de dois cineastas-autores (chamo assim) russos que marcaram a revolução nessa arte, Serguei Eisenstein e Dsiga Vertov responsáveis por inscreverem mudanças nos padrões instituídos pelos demais cinemas já circulando mundialmente e que trouxeram marcantes posições. O estudioso dessa arte não pode restringi-los no processo geral da formação da linguagem tão somente porque incorreria em uma negação do que realmente representou, para a história da formação da cultura política, a presença do cinema de massas que vem ao lado da revolução russa.
O cinéfilo e o público em geral (até mesmo para mudar a desinformação) devem saber que após a Revolução de 1917 houve uma preocupação dos líderes revolucionários bolcheviques no poder, como Lênin e seus companheiros, em criar na cultura do status quo, outros meios que trouxessem a revolução das ideias do povo soviético intentando reverter o que até ali estava sendo visto como arte de um modo geral, quando outras cinematografias dominavam a circulação de seus meios culturais. Reformular isso e dar ciência do que estava ocorrendo entre a população explorada foi um dos passos principais para instruir a revolução cultural e escancarar a situação social que empobrecia e explorava economicamente aquele povo. O cinema estava nesse meio (é necessário conhecer as bases da doutrina marxista para reconhecer a tese e antítese que dariam forma à síntese dessa nova previsão para a cultura e a arte).
Dessa forma, Lênin procura reunir um grupo principal de realizadores colocando em suas mãos a invenção de nova maneira de “fazer cinema” criando meios a serem reconhecidos pela população sobre o antes tzarista e o hoje bolchevique, em torno da exploração e a pobreza e a provável mudança de hábitos na economia considerando a necessidade do coletivismo para avançar em novos planejamentos para a agricultura e a vivência digna naquela sociedade.
Dessa forma, após a Revolução de Outubro de 1917 há grande incentivo às produções cinematográficas com vistas na propaganda ideológica, valorizando-se e exaltando a força do povo em reerguer-se das trevas czaristas, produções que eram financiadas pelo Estado.
É preciso entender que a Rússia com a Primeira Grande Guerra, estava sufocada por uma massa de operários e camponeses sobrevivendo de forma degradante de trabalhos pesados e baixos salários, além de um governo opressivo. Com isso, levantam-se intelectuais e os populares e tomam o poder com a renúncia do czar [cf. primeiro a Revolução de fevereiro – março pelo calendário ocidental que derrubou o governo do czar Nicolau II e intentou estabelecer a república liberal; e a Revolução de Outubro – novembro -1917, com o partido bolchevique derrubando o Governo Provisório e instalando o governo socialista soviético].
Assim, ao reorganizar-se a cultura, o cinema é pensado por Lênin como um importante instrumento para levar a essa população o reconhecimento de suas mazelas e o que poderia usufruir com a mudança radical da economia. Cria o Comissariado de Educação que para ele, de todas as artes o cinema é a mais importante naquele momento para refletir a atualidade soviética, e chama alguns diretores para realizar filmes de propaganda ou, no meu entender, panfletos visuais, que possam mostrar com maior ênfase aquela realidade. Kuleshov (considerado o primeiro teórico a buscar uma estética da montagem, tendo ensinado na primeira escola de cinema de Moscou) e seus pupilos Einsenstein, Parajanov, Kalotosov, Pudovikine, Alesandrov começam a trabalhar a imagem dessa realidade subvertendo a fantasia que circulava com os filmes norte-americanos  e dai, organizam o novo cinema soviético.
Neste extenso preâmbulo, meu interesse é levar ao público espectador que está participando da MOSTRA MOSFILME 90 ANOS uma perspectiva divorciada de questões ideológicas que julgam esses primeiros filmes dessa escola como um tipo de propaganda comunista, sem peso de uma inovadora narrativa formal que engatinha e será celebrada com outros elementos de uma linguagem que marcará a história do cinema.
O filme “O Velho e o Novo” (URSS, 1929, 120 min., documentário) tem a direção de Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov. Esta obra confronta o novo espírito do campesinato na recente URSS e as novidades que se revelam para a modificação dos antigos padrões da agricultura. No enfoque vê-se a instalação de uma desnatadeira e um trator que procuram estabelecer as novas ideias quebrando o já estabelecido.
Diz a Dra. Nanci de Freitas , Doutora em Teatro pelo Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, e Professora do Departamento de Linguagens Artísticas do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no excelente texto O velho e o novo: tensão entre experimentação artística no cinema de Eisenstein e as demandas ideológicas soviéticas:
“A linha geral/O velho e o novo”, de 1929, trata das condições de trabalho numa fazenda comunitária, na União Soviética, em sua luta para a modernização dos meios de produção. A construção da sintaxe dramatúrgica do filme revela a tensão entre a experimentação estética de Eisenstein, com a montagem fragmentária, no auge do “cinema intelectual”, e a abordagem de conteúdos ideológicos, em composição baseada no princípio unificador e na totalidade dos significados da obra, sob a égide da censura do regime stalinista.” (p. 26. http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF22/freitas.pdf ) (...)
Não é uma obra que obedece a uma doutrinação externa - também um meio de mostrar uma realidade existente – mas principalmente para criar o olhar do novo num cenário estrutural que procura mudar as relações de poder. E as imagens do filme são contundentes para mostrar, primeiro a miséria, em seguida os aspectos  renovadores, depois a burocracia e a crítica aos poucos sendo dispensada para os que não reconhecem o meio de trabalho coletivo.
Ainda do texto de Nanci de Freitas este excerto revela o aspecto da trama do filme e a contribuição de Einsestei ao programa da contracultura czarista:
“O cineasta produziria, então, o filme A linha geral (em colaboração com Grigori Aleksandrov), apresentando, pela primeira vez, um enredo ficcional, conduzido por uma personagem individualizada. O filme é concebido a partir do olhar e dos sonhos de prosperidade da camponesa Marfa Lapkina, que assume a luta pela organização comunitária do trabalho e pelo acesso aos bens de produção tecnológica. É significativa a presença de uma mulher à frente dos trabalhos de uma cooperativa agrícola comunista, por representar, dialeticamente, o processo de superação do Estado patriarcal capitalista, apontando para uma forma de organização mais generosa e fraterna, que faz lembrar as antigas gens matriarcais, ligadas aos mitos da fertilidade da terra e da agricultura.”
A ênfase na figura feminina, no filme, é simbólica e, aquela altura desenvolve uma assertiva tenaz de fortalecer a relação da mulher-terra, mulher-mudança, mulher-confiança.
Os demais filmes dessa excelente Mostra Mosfilme 90 Anos devem ser vistos acompanhando-se não só o contexto histórico, mas o que deixaram de recriações e invenções para a relação entre imagens e ideias da sociedade.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

NUMA ESCOLA EM HAVANA

Armando Valdes Freire é Chala, o pequeno-grande garoto com responsabilidades de adulto


A primeira sequencia do filme de Ernesto Serrano Daranas repercute uma visão simbólica do que será dado a conhecer sobre a situação diária de muitas crianças que transitam nas escolas entre a violência, a pobreza e, desta, a ausência de valores: uma pomba que espera levantar voo sendo dificultada a fazê-lo nesse ato.
“Numa Escola em Havana” (Conducta, 2014, Cuba, 100min.) expõe a dura realidade de crianças, especialmente na idade de Armando Valdes Freire, 11 anos, que atuou brilhantemente no filme ao lado de outros meninos e meninas e que personaliza Chala, filho de mãe (Yuliet Cruz) viciada em drogas e ajudando nas despesas de casa vendendo pombos e criando cães de briga para uma prática clandestina de enfrentamento em rinhas.
Rebelde com causa o menino é simpático à velha mestra Carmela (Alina Rodriguez) sua professora, tendo atitudes de convivência mais humana. À beira de aposentadoria e vitima de um enfarte, ela é quem luta para manter o menino na escola, pois a direção prefere manda-lo para um colégio de conduta, ou seja, o equivalente, no Brasil a um reformatório. Dentre os amigos de Chala está a garota Yeni (Amaly Junco) também com sérios problemas familiares. O filme não pretende avaliar a educação em específico, com o eixo determinante do enfoque considerando dois tipos de tratamento pela escola, a formal e a dinâmica processual quando está em jogo a relevância dos comportamentos levando em conta a vivência total do aluno e não atitudes esporádicas.
É de reconhecimento mundial a qualidade do ensino em Cuba, sendo considerado pela ONU como o único país latino-americano a cumprir a meta do Programa Educação Para Todos (EPT). Compara-se, ainda, ao sistema educacional de países como a Finlândia e a França onde a profissão de educador é tratada com grande atenção. O filme valoriza-se por dar atenção aos problemas sociais e emblemas burocráticos que as crianças cubanas enfrentam, observando-se, também, entre as brasileiras.
O enfoque do diretor e roteirista Ernesto Daranas é primoroso não só na abordagem de um fato social dramático como na construção cinematográfica, numa fotografia expressiva de Alejandro Perez (com 10 títulos no currículo) que usa primordialmente a luz ambiente (filmagem durante o dia), fato que procede a uma profundidade de campo a realçar os espaços filmados (nada de construção em set) contrapondo o comportamento de um vasto elenco, especialmente a atuação dos pequenos alunos de Carmela, meninos e meninas com uma expressividade a sugerir a impressão de um documentário.
O filme não quer ser um quadro politico e não sugeriu censura do governo Fidel Castro. A preocupação intrínseca é sobre a origem dos problemas sociais acarretando evidencias de marginalização e violência se algumas atitudes formais vierem a se constituir em exclusão como é o caso de Chala que embora expresse agressividade revidando agressões que ele e seus colegas sofrem dos outros é o responsável pela sua família reduzida à mãe que precisa de atenção e de quem coloque o alimento dentro de casa. Mas esse aspecto só é contornado por Carmela que conhece os meandros da potencialidade escolar e de afetos do garoto e investe nisso para acalmar a burocracia da escola seguidora das frias leis que determinam o formato dos comportamentos. Carmela também conhece o drama de Yeni cujo problema familiar é mais grave porque deveria ser matriculada em uma outra escola haja vista que não pertence ao distrito da que frequenta, mas onde o seu pai arranjou emprego. A velha professora enfrenta o Estado representado pela “especialista municipal” Raquel (Silvia Áquila) que está segura de suas atitudes e convicta de que a solução para os dois casos é formal e não de avaliação social. Dai porque ao repreender a atitude da velha mestra Carmela diz-lhe que ela já está há muito tempo em sala de aula e precisa se aposentar, com a educadora retrucando: “E quem governa esse país, também acha que está há tempo demais?”.
Há momentos em que Daranas sintetiza o drama de seu pequeno personagem. O momento em que ele vê retirarem o seu cão de estimação morto na arena de luta entre cães. O roteiro exige muito do pequeno interprete. Há planos próximos dele contendo as lagrimas ao falar com a professora. Como também na ajuda à colega que ama, e ao amigo cujo pai foi preso por questões políticas. Esta aproximação da câmera se dá, também, sobre Carmela/Alina Rodriguez, exigindo da atriz expressões indicativas de sofrimento físico e moral.
O bairro pobre de Havana é percorrido também por essa câmera sem que se abuse da filmagem manual. A moda de usar câmeras leves e exigir com isso a ideia de que se grava a realidade é contida por uma direção que soube o que quis e fez.

Nós, de Belém, praticamente desconhecemos o cinema cubano. E somente no circuito alternativo ele tem vez. E olhem que nesse país há uma escola de cinema das mais importantes da América Latina e por que não dizer, também, do plano mundial. Filme imperdível. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A DOCE VIDA: FELLINI E A DESCRENÇA


Marcelo (o ator e alter-ego) em uma de suas noitadas em Roma, no filme de Fellini.


Roma do final dos anos 50. Numa primeira sequencia “A Doce Vida” capta a estátua de Jesus Cristo suspensa por um helicóptero sobrevoando a cidade de Roma, sendo levada para o Vaticano. Jovens que tomam banho de sol no alto de um prédio acenam para o que veem como um espetáculo fora do comum. Em outra sequencia observa-se uma concorrida apresentação de uma menina que “fala com Nossa Senhora”. Muita gente quer ver de perto a “santinha” como uma nova Bernadette de Soubirous (Lourdes-França). Estes fatos são presenciados por um jornalista que se mostra cada vez mais cético: Marcello Rubini (Marcello Mastroianni). Neste que é seu “alter ego” Federico Fellini representa a sua versão de Roma quando já deixara o jornalismo e se envolvera com o cinema. É o retrato em cinemascope de um desencanto. Não só de uma apreciação de fatos que alimentam a descrença (não só em termos de religião), mas a ideia de que a capital italiana reprisa a sua performance do tempo dos Césares.
“A Doce Vida” (La Dolce Vita, Italia, 1960) é um filme capital na filmografia de um dos mais aclamados diretores da cinematografia em qualquer época. Ele deixava a linguagem linear e a compaixão que envolvia suas carismáticas heroínas Gelsomina e Cabíria, como dava uma outra forma aos distantes “vitellonis” que circulavam na noite de Rimini sua terra natal, em “Os Boas-Vidas” (1953). Através de seu Marcello (personagem a interprete) Fellini vê um novo contexto alimentado pelo crescimento da economia e a reconstrução da Itália após o imediato pós-guerra (o conflito terminara em 1945) com os aliados prevendo a formação de um polo eficiente para o combate à ideologia comunista entre os países europeus. Esse foi um momento em que a economia italiana floresceu suscitando um tempo de demandas por maiores benefícios para a população rural – que migrava para a cidade – e a população urbana alimentando-se das melhorias que foram acontecendo no período. Cresce a classe média trazendo a efervescência cultural com evidencia das artes, em especial, o cinema, com a Itália se tornando um polo de circulação de astros e estrelas internacionais. Fellini foi um dos beneficiados, visto que àquela altura já fora agraciado com dois Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (“La Strada”, 1954; e “Noites de Cabíria”, 1957) tendo se tornado, então, um dos nomes de cinema dos mais celebrados.
E a pulsão pelo momento que vive fortalece seu interesse em captar o modo como estava vivendo aquele grupo entre os quais se vê incluído. Não sem motivo seu alter-ego é um tipo chamado Marcelo que percorre espaços diversos, convive com figuras de uma sociedade que está com seus valores em decadência. Vive momentos de prazer efêmero, aspirando ser feliz.
O roteiro de “La Dolce Vita”, elaborado pelo próprio Fellini teve o auxilio de Brunelo Rondi, Tullio Pinelli, Ennio Flaiano e, embora sem referência nos créditos, Pier Paolo Pasolini. A estrutura narrativa construída em episódios deixa mais frouxa a composição dos elementos que irão circular em toda a extensão do filme, acronológicos, sem nexo causal, usando Marcelo como narrador/observador participante/corifeu dessa sociedade por onde circula de carro, sendo perseguido por Paparazzo (Walter Santesso), o fotógrafo que o acompanha registrando a presença de celebridades (é o tempo delas) na re-novação de um ambiente preparado para recebe-las. Maddalena(Anouk Aimée) e Emma (Yvonne Forneaux) são as peças-chave de seu envolvimento afetivo. Mas há outras e outros personagens que são introduzidos pelos bastidores, aproveitando-se das entrevistas que coordena entre os quais com pseudo-intelectuais, em busca de definir o que é a felicidade. Da presença da Igreja ao papel do Estado definindo valores e atitudes na sociedade emerge a crítica de Fellini a esse mundo que visita incorporado por Marcello.
Há momentos marcantes em “La Dolce Vita”. O banho da estrela norte-americana (a sueca Anita Ekberg) na Fonte de Trevi é um deles. Mas o que me ficou na época em que assisti ao filme pela primeira vez foi a presença de Steiner (Alain Cuny), filosofo que mata a família e se mata demonstrando sua descrença nos valores humanos.

O filme termina com uma alegórica visão de um pré-final da sociedade com pessoas saídas de uma festa percorrendo a praia e a presença de um estranho peixe (leviatã?). Nesse momento, Marcello vê uma jovem chamando por ele. Mas não a escuta e prossegue andando com os demais festeiros. Sinal de um pessimismo que alguns críticos viram então, na verdade, o endosso de todo o trabalho, um painel de uma cidade e classe social num determinado tempo, de florescimento e de delírios. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

OS 33 - O FILME




Imagem do filme sobre os 33 mineiros soterrados na mina San Jose , no Chile

Em 5 de agosto de 2010, trabalhadores da mina San José com exploração de cobre e ouro, em Copiapó, no deserto de Atacama (Chile) ficaram soterrados quando aconteceu um desmoronamento. Numa profundidade estimada em 688 metros de profundidade eles repararam que uma escada de emergência tinha desaparecido com os escombros e só restava um pequeno espaço para sobreviverem até que os patrões providenciassem a busca de meios para tirá-los dali.
O filme “Os 33” (Los 33, Chile/EUA, 2015, 120 min.) dirigido pela mexicana Patricia Riggen baseia-se no livro do jornalista norte-americano Hector Tobar, narrando a odisseia dos mineiros que permaneceram 69 dias nas profundezas da montanha, tentando resistir, com restrição de comida e água, além de tentarem manter as baterias dos meios de iluminação, seja dos capacetes que usavam seja dos spots no espaço que estava dedicado aos intervalos de jornadas e sobrevivência em caso de acidente.
O roteiro de Mikko Alane, Craig Borten, José Rivera e Michael Thomas foi o grande problema da adaptação do livro de Tobar (por sua vez já esquematizando os fatos). A empresa de Hollywood 20th Century Fox adquiriu os direitos de filmagem e começou exigindo as falas em inglês alegando a comercialização nos EUA. A diretora achou por bem colocar seu elenco falando com um sotaque como os personagens dos westerns ou os hispanos de filmes de aventuras. Se isso apresentou um tom ridículo também sobraram algumas anedotas dentro e fora da mina, seja o caso da esposa e da amante de um dos soterrados que teriam de se dar as mãos na torcida pela sobrevivência do amado, seja alguns gracejos contados no recinto dos mineiros, algumas absolutamente improváveis no ambiente aonde todos viviam apavorados com a morte lenta no lugar onde as tentativas de salvação dependiam unicamente de quem estava em terra firme.
Há sequencias verdadeiras incluídas no trabalho ora em cartaz nacional. O caso das transmissões de TV e algumas cenas do acampamento que se formou nas vizinhanças da mina onde os familiares dos soterrados, depois a imprensa em geral, permaneceram acompanhando as tentativas de resgate. E é nestas tentativas que reside o suspense ainda preservado na apreciação do filme, mesmo sabendo-se como as coisas vão acontecer.
“Os 33” consegue ser, apesar de usar algum modelo de cinema norte-americano, um filme intenso onde a ação se modula pela eficiente montagem a partir de planos tomados em câmera manual e uma bem equilibrada iluminação responsabilidade do fotografo Checco Varese. Mas não consegue individualizar algumas personagens como os autores pretendiam. O líder do grupo, interpretado por Antonio Banderas, pouco é delineado a se reconhecer sua importância antes de uma resolução no espaço de sobrevida. Do lado de fora da mina, há tipos como o de Maria (Juliette Binoche), mulher que espera o irmão mesmo com certa animosidade entre eles, passam em poucas tomadas. Chega a surpreender Juliette em papel tão pequeno longe de sua pátria (e ela atuou também no blockbuster “Godzilla” do ano passado).
Há certas evidencias que mostram o interesse norte-americano de comercializar o produto. Primeiramente, a língua falada é a inglesa e alguns vão considerar que a diversidade de atores converge para essa decisão. Nesse caso, observa-se ainda que entre os principais personagens não houve indicação de um ator chileno (será que não existem bons atores nesse país?) e até o nosso Rodrigo Santoro ensaia um estereótipo que leva o drama dos mineiros à dimensão política e se sobressai nessa atuação representando a única pessoa do governo do presidente Sebastian Piñera a manter o objetivo de tirar os 33 soterrados do local, uma vez que o Ministério de Minas considera um caso encerrado já nos primeiros dias do acidente. Mas em 27  de agosto é criado a Superintendência de Minas.
Acima da média dos lançamentos locais, “Os 33”, embora nada acrescente ao que se sabe de um fato amplamente divulgado em um tempo, merece ser visto. E fica no espectador um caso de consciência ao saber por legendas que os homens que por pouco não morreram em serviço não foram indenizados (e certamente perderam o emprego, pois a mina fechou). Eles aparecem no final da projeção festejando estarem vivos e se dizendo sempre irmãos. Como conseguem manter um padrão dessa vida é a duvida. Os patrões mostram-se “bem, obrigado”.



MOSTRA MOSFILM 90 ANOS




"A Mãe" , de Gleb Panfilov, um dos filmes da Mostra.  


Período: De 12 a 18/11/15
Local : Cine Olympia
Hora : 18h30 (e 16h sábado e domingo)
Entrada franca

O cinema russo não se inscreve entre a programação tradicional e comercial de filmes que circulam livremente no circuito. Salvo as mostras específicas e os espaços de cineclubes e de associações culturais esse cinema dificilmente é reconhecido pela sociedade que ainda mantém a ideologia castradora que remetia essa nacionalidade aos parâmetros do comunismo tratando dessa cinematografia como doutrinadora.
Mas os animadores culturais têm vencido essas barreiras ideológicas brindando o público com belíssimos exemplos de programas demonstrativos de uma história da formação da linguagem cinematográfica e de produções novas que provém desse país.

A Cinemateca Brasileira organizou a mostra “Mosfilm 90 anos” que vai estar, no período de 12 a 18/11, no Cine Olympia. Originalmente essa Mostra foi realizada em novembro de 2014, em São Paulo, mas está agora em Belém, com apresentação de oito filmes da histórica produtora moscovita, ainda hoje uma das mais ativas da Europa; produções de diversas épocas (fases silenciosa e sonora), diferentes estilos e gêneros variados (drama, épico, musical, comédia, documentário), todos assinados por diretores consagrados. Veja-se o programa:

Dia 12 - 18:30 h
O Velho e o Novo
Direção: Sergei Eisenstein/Grigori Aleksandrov
O mais aclamado dos cineastas soviéticos toma como pano de fundo a coletivização da agricultura para contar como a chegada de uma desnatadeira e um trator podem modificar antigos e tradicionais padrões de pensamento.

Dia 13 - 18:30 h
Lenin em Outubro
Direção: Mikhail Romm
Dez anos depois do "Outubro", de Eisenstein, onde o protagonista são as massas trabalhadoras, Romm aceita o desafio de individualizar e dar vida à figura de Lenin.

Dia 14 - 16:00 h
Às Seis da Tarde Depois da Guerra 
Direção: Ivan Pyryev 
Musical sobre a saga de dois amantes que, separados pela guerra, prometem reencontrar-se no Dia da Vitória. De 1929 a 1969, Pyriev dirigiu 18 filmes, entre os quais "Tratoristas" (1939) e "Cossacos de Kuban" (1949).

Dia 14 - 18:30 h
Primavera
Quinta comédia musical estrelada por Liubov Orlova sob a direção de Aleksandrov, cineasta que assina com Eisenstein a direção de "Encouraçado Potemkin" (1925), "Outubro" (1928), "O Velho e o Novo" (1929), "Que Viva México" (1932). A história se passa nos primeiros anos da reconstrução da URSS, após a 2ª Guerra Mundial.

Dia 15 - 16:00 h
O Retorno de Vassily Bortnikov
Direção: Vselvolod Pudovkin 
Dado como desaparecido na guerra, Vassily Bortnikov regressa ao lar e encontra a mulher casada com outro. Último filme do lendário diretor dos clássicos "A Mãe" (1926) e "Tempestade Sobre a Ásia" (1928).

Dia 15 - 18:30 h
O Fascismo de Todos os Dias
Direção: Michail Romm
Narrado pelo próprio diretor, que pôs a alma nesse projeto rico em inovações formais, "O Fascismo de Todos os Dias" (1965) é, ainda hoje, considerado por muitos como o mais profundo, completo e impactante documentário produzido sobre o tema.

Dia 17 - 18:30 h
A Mãe
Direção: Gleb Panfilov 
Egresso do VGIK, onde também se formaram Klimov, Tarkovsky, Chukhrai e outros expoentes da sua geração, Panfilov realiza, após Pudovkin (1926), Leonid Lukov (1941) e Mark Donskói (1956), a quarta filmagem do célebre romance de Maksim Gorky.

Dia 18 - 18:30 h

Tigre Branco
Direção: Karen Shakhnazarov

Shakhnazarov mescla filosofia e mistério nesta batalha fantástica entre o tanquista Naydenov e um “tanque fantasma” alemão, nos dias finais da 2ª Guerra Mundial. Indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (2012), prêmio de Melhor Diretor no 9º Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre.



domingo, 1 de novembro de 2015

SICÁRIO – TERRA DE NINGUÉM



Benicio del Toro, Josh Brolin e Emily Blunt em "Sicário- Terra de Ninguém"

Denis Villeneuve é um diretor canadense presentemente instalado em Hollywood. Alguns filmes seus são conhecidos como “Incêndios” (indicado ao Oscar em 2011, na categoria de melhor filme estrangeiro) e “Os Suspeitos” (2013) com Viola Davis, Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal entre outros, evidenciando uma linha tensa de ação. Este ano o diretor apresentou à Palma de Ouro em Cannes seu mais novo filme, “Sicário - Terra de Ninguém” (2014) jogando sempre com uma trama tensa, roteiro de Taylor Sheridan, um novato na profissão.
O argumento trata de uma operação policial da CIA, com o objetivo de capturar um líder do cartel mexicano de drogas (cidade de Juarez) e para isso solicita a uma agente do FBI, Kate Macy que participe com o grupo, ela que se mostrou eficaz em uma operação anterior. A atriz inglesa Emily Blunt, com 15 prêmios no currículo é a policial Kate, indicada para essa operação na fronteira dos EUA com o México, combatendo o intenso trafico de drogas. O ator Benicio del Toro, com 38 prêmios inclusive um Oscar (por “Traffic”) é Alejandro Gillick, um promotor colombiano e colaborador das investigações para capturar com a polícia, de forma obsessiva, o chefão Manuel Diaz (Bernardo Saracino), chefe do trafico e tido como um dos responsáveis pela morte da esposa e da filha do promotor.
Nos créditos iniciais do filme explica-se o que quer dizer “sicário”. Vem do latim “sicarious” (homem da adaga, sica), grupo separatista de zelotes judeus por volta do ano 70 que visava à expulsão dos romanos. Mas no México o nome é dado a “assassinos contratados”, e se aplica aos que trabalham no tráfico.
O filme de Villenueve expõe um assunto que se poderia dizer “gasto pelo uso” em filmes e seriados que tratam de cartéis mexicanos e tráfico. Del Toro já esteve num exemplar do gênero. Mas o roteiro de Taylor Sheridan procura variar dentro do tema. Não é só o simples combate aos traficantes. É também uma denúncia à corrupção policial e uma amostragem de uma situação que não se resolve com a luta de mocinho-versus-bandido. Embora os tipos estejam pouco desenvolvidos, o de Kate é o mais evidenciado. Mulher jovem, divorciada, sem filhos, acredita nos valores que defende e resiste a pressões psicológicas e mesmo a agressões físicas. Na sequencia dos novos embates, não reconhece os valores que julga defender. O parceiro dela, Reggie (Daniel Kaluuya) tem pouca visibilidade e desaparece no final. A equipe é liderada por Matt Graver (Josh Brolin) policial debochado sobre o uso das leis e o certo e o errado nessas ações. Dialoga com Kate/Blunt sempre através de piadas sarcásticas, jogando-lhe questões para que ela própria reconheça como parte da ação, deixando-a sem informações sobre o processo em realização (diz-lhe: “Olhe e aprenda”). Por outro lado, Alejandro é visto como “o homem que não ri”, que está sempre alerta a qualquer indicio de reação à sua pessoa e que denuncia, em expressões, o ódio aos que persegue.
Há uma sequencia que é uma espécie de “xeque mate” para dimensionar o caráter de Alejandro: quando ele invade a casa do chefão do trafico e este se encontra na mesa de jantar com mulher e filhos. A crueldade como forma de vingança pessoal ganha uma feição aterradora. O filme, aliás, não tipifica quem é do bem e quem é do mal na historia. Salva das aparências dúbias a jovem Kate, e mesmo assim ela demonstra que antes de ser heroína é um ser humano sujeito às fraquezas naturais de quem preza por sua vida.
Com uma direção de arte impecável que deixa a impressão de que se está assistindo a um documentário, uma edição de som que dá consistência aos vazios do roteiro “Sicario” consegue dar interesse ao assunto em tempo de thriller, ou seja, fazer suspense. E deixa nessa narrativa o elo de violência aterradora. Desde que se veem corpos em decomposição envolvidos em sacos plásticos e escondidos em dependências de uma habitação da fronteira mexicana (o odor é dimensionado com a reação dos policiais) a direção se esmera nas sequencias de assassinatos em nome de uma “legalidade”. Talvez haja certo exagero nessa amostragem. Mas Villenueve consegue que não se tire os olhos da tela. Comenta-se que Benicio del Toro está candidato ao Oscar no próximo janeiro. E Emily Blunt?

Um filme acima da média e uma aula de cinema para quem se aprofundar no estudo da narrativa que apresenta.