sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A DISPUTA PELO OSCAR


Chiwetel Ejiofor em "12 Anos de Escravidão"

Neste domingo, 02/03, a indústria norte-americana de cinema fará a escolha e a entrega dos filmes selecionados na competição pelo Oscar-2014. Quem curte cinema deve estar “grudado” na TV (creio que no canal TNT) para assistir a cerimônia tradicional que premia o que essa indústria acha o melhor do período.
As escolhas premiadas com a estatueta do Oscar não se acertam, geralmente, com a versão da critica de cinema. E é fácil de compreender quando se sabe que se trata de um premio concedido pelos produtores de cinema, aqueles responsáveis por pagar os custos desse ramo industrial e artístico. Por isso é que há casos extremamente constrangedores como saber que Charlie Chaplin, Orson Welles, Stanley Kubrick, Buster Keaton, Alfred Hitchcock, nomes fortes do cinema norte-americano não ganharam Oscar por seus filmes. Alguns deles receberam, quando muito, um premio honorário. E quando são enumerados os melhores filmes de todos os tempos fica-se surpreso saber que a maioria não ganhou Oscar. Mesmo produções norte-americanas.
Mas o Oscar é uma festa e o cinéfilo, tipo fã de cinema, gosta de ver as estrelas desfilando e vibram na porfia entre filmes & atores e técnicos. Para quem desconhece a dinâmica da seleção esta se faz da seguinte forma: cada categoria é votada por seus membros, ou seja, ator vota em ator, atriz em atriz, os técnicos, em sua especialidade. Apenas para selecionar o melhor filme todos votam. Todos, quer dizer, os associados/as da Academia de Artes e Ciências de Hollywood, entidade criada em 1927, com a primeira entrega formal da estatueta em 1929 (na competição, filmes de 1927 e 1928).
Este ano concorrem na categoria de melhor flme os seguintes títulos: ”12 Anos de Escravidão” (o favorito nas pesquisas), “Trapaça”, “Ela”, “Gravidade”, “Capitão Philips”, “Clube de Compras Dallas”, “Philomena”, “O lobo de Wall Street” e “Nebraska”. Nas apostas virtuais quem está mais cotado é “O Lobo...”, com 27%, seguindo-se “12 anos...” (16%).
Os atores concorrentes são: Matthew McConaughey (Clube de Compras Dallas), Bruce Dern (Nebraska),Chiwetel Ejiofor (12 Anos de Escravidão), Christian Bale (Trapaça) e Leonardo di Caprio (Lobo de Wall Street). As atrizes: Cate Blanchett (Blue Jasmine), Sandra Bullock (Gravidade), Meryl Streep (Vida em Família), Judi Dench (Philomena) e Amy Adams (Trapaça). Evidentes nas pesquisas diversas estão Matthew McConaughey e Judi Dench.
Os diretores que disputam prêmio: Alfonso Cuarón (Gravidade), Steve McQueen (12 Anos de Escravidão), David O.Russel (Trapaça), Alexander Payne (Nebraska) e Martin Scorsese (O Lobo de Wall Street).
E vou me limitar às preferências dadas por menções em outros certames: Jared Leto, o travesti de “Clube de Compras Dallas” corre emparelhado com Barkhad Abdi, o somali visto em “Capitão Philips”. Sally Hawkins mereceria por “Blue Jasmine”, mas há uma onda em torno de Jennifer Lawrence por “Trapaça”, um papel sem signficação para esse endeusamento (ela venceu no “Globo de Ouro”). Não surfo nessa onda.
O roteiro original está sendo marcado pelo trabalho de Spike Jonze, de “Ela” (Her), por ser muito imaginoso. Se for isso mesmo, estou com ele. O roteiro adaptado seria de “12 Anos de Escravidão”.
Quanto à fotografia e o mais em técnica fica mesmo com “Gravidade”, uma surpresa na linha de sci-fi que também aproximou o introspectivo, colocando os problemas de uma médica que perdeu a filha e que se vê perdida no espaço sideral onde, como diz o prólogo, não se pode viver.
O filme de animação deve agraciar “Frozen”, embora concorra Hayao Myazaki com “Vidas ao Vento”, que ainda não surgiu por aqui, mas o nome do cineasta japonês é “hors concours”, merece respeito e ainda mais agora quando afirma que vai se aposentar.
O documentário longa-metrgem pode premiar “O Ato de Matar”, de Joshua Oppenheimer, que pessoalmente eu colocaria de fora da competição. Na categoria de filme estrangeiro há dois bons exemplos: “A Caça” (Dinamarca) e “O Circulo Quebrado” (Belgica). O favorito, “Grande Beleza” é um decalque de Fellini sem a genialidade do mestre.
E tem a maquilagem de “Vovô Sem Vergonha” e o figurino de “12 Anos...” E por ai vai a premiação e a festa da indústria das mais badaladas do mundo.
Muitos desses filmes foram exibidos em Belém. Outros já estão na internet para download. Assim, quem tiver interesse e disposição é só ir ao virtual e pedir para ver/baixar o tal título. E estar bem na foto na hora da competição.


CAÇADORES DE OBRAS PRIMAS

Elenco all star em uma caçada inédita

No fim da 2ª Guerra Mundial os líderes dos países aliados se deram conta de que Hitler roubara tesouros artísticos dos países conquistados para fornar o futuro Museu do III Reich ou presentear seus generais de vultuosos ornatos em suas salas de estar.
Adolph Hitler era um pintor frustrado, segundo sua história. Antes de se inscrever na carreira militar e como ditador tentou a Academia de Artes e foi reprovado. Tinha ódio da arte moderna e prometia vingança contra os que o desprezaram.
Devido a esses saques em museus, os norte-americanos formaram uma brigada reunida em uma equipe de civis para penetrar nos territórios onde teriam estado os alemães e retirar o material roubado de onde estivesse.
O fato histórico gerou o livro de Robert M. Edsel e o filme “Caçadores de Obras Primas”(The Monument Men, EUA, 2014) com roteiro de Grant Heslov e de George Clooney  com direção e atuação deste último.
No enredo, acompanha-se a tarefa de Stokes (Clooney), Granger (Matt Damon), Campbell (Bill Murray), Garfield (John Goodman), Jean-Claude (Jean Dujardin), Savitz (Bob Balaban) e Epstein (Dimitri Leonidas), guinados à postura militar na tarefa nada fácil de entrar em zona perigosa, com minas espalhadas pelo chão, sabendo que os quadros e as estatuas roubadas poderiam não estar apenas em um local, mas espalhados/as em todo o território de diversos paises, para facilitar o envio para a Alemanha.
O assunto é dos mais interessantes mesmo se sabendo que a 2ª Guerra já explorou muita matéria tratadas na literatura e no cinema. Mas o filme ora em exibição internacional só não foi um fiasco devido aos nomes que compuzeram o elenco. São atores competentes, contando ainda com a participação (sem razão de ser, diga-se) de Cate Blanchett (a atual favorita do Oscar por “Blue Jasmine”). A equipe transita por sequências descosturadas, sem uma forma que implique em emoção por parte de quem está na plateia. É o tipo da aventura mal contada, com insuficiência na configuração das personagens de forma capaz de dimensioná-las e jogando as situações em esquetes, sem unir os fatos de maneira a que se os acompanhe com interesse.
Desta vez George Clooney falhou no que antes se mostrou mais interessante, como em “Boa Noite, Boa Sorte” (Good Night and Good Luck, EUA, 2005) e “Tudo Pelo Poder” (The Ides of March, EUA, 2010). Nesses trabalhos em que surgiu no roteiro associado ao mesmo ator-escritor Grant Heslov, o enfoque resvalava o real com base sólida e com uma narrativa coesa. A dupla busca igualmente uma fonte histórica, mas como o assunto era mais vasto, creio que ficaram um pouco perdidos. Pode-se lembrar avaliando a atuação das personagens aos prisioneiros feito soldados em “Os 12 Condenados” (Dirty Dozen, 1967) de Robert Aldrich, onde é possivel observar que fica faltando uma costura da motivação para que se acompanhe a aventura com interesse. O filme é longo e deixa que se sinta a prolixidade, mesmo sabendo que a historia pedia que se observassem as várias etapas da busca pelas obras de arte roubadas, percorrendo mais de dois países, e dando margem a sacrifícios como de dois dos membros da equipe mortos em trabalho. A cena da morte de Jean Claude/ Dujardin é um dos momentos sensíveis do filme, com ele achando ser “ridículo” o seu padecimento através de um franco atirador e pedindo ao colega, interpretado por John Goodman que enderece uma lembrança à sua família. Há toda a sorte de evidências de que essa “missão” de recuperar obras de arte, também é questionada por muitos militares que consideravam ser inadmissível salvar a arte e deixar morrerem pessoas. O que vale isso? diziam eles. Embora coerente, a emissão desse dilema entre morte e mortos, arte e vida ao se deparar com os achados que foram produtos de saque dos mandados de Hitler, o público sente que aquela missão se torna impactante. E cada vez mais, à medida que se vai adentrando novas invasões de Hitler nos caminhos do mundo e responsável pela quase dizimação de um povo e de toda a produção deste sente-se mais  e mais a necessidade de lutar contra essa ideologia que de vez em quando dá mostras de emergir.
“Caçadores....”não é um filme ruim. Apenas se percebe que podia ser melhor.


CLUBE DE COMPRAS DALLAS

Matthew McConaughey num grande desempenho. Provável Oscar

A primeira sequência de filme “Clube de Compras Dallas” (Dallas Buyers Club, EUA, 2013  ) mostra, nos bastidores da arena onde cowboys desafiam o tempo de permanência montados em touros ou cavalos selvagens, o eletricista heterossexual Ron Woodroof (Matthew McConaughey) fazendo sexo com alguém. No fim do filme volta-se à arena e ao personagem, mas ele aparece montado num dos touros em competição e sai acenando orgulhoso o seu equilíbrio, congelando-se o plano.
Esta elipse, comparando prefácio e epílogo do filme dirigido pelo canadense Jean-Marc Vallée, evidencia o drama do personagem que se torna vitima da AIDS, adquirindo o vírus HIV de suas porfias sexuais e uso de drogas, sendo diagnosticado em 1985 e cujo período de sobrevida de apenas 30 dias. Woodroof se nega a aceitar esse prognóstico conseguindo sobreviver na época em que a doença matava incontinente. Primeiro apela para a aquisição camuflada da medicação em uso nos hospitais, o AZT, depois, como seu fornecedor se nega a vender-lhe a dose necessária, indica-lhe, entretanto, um médico e pesquisador mexicano que poderia ajudá-lo. Até então em fase experimental, sem liberação para o consumo pela FDA dos EUA, Ron não só adquire para si o medicamento, mas para outros com o mesmo problema, criando empresa com taxa para associados ao custo de 400 dólares mensais. Embora ainda homofóbico, sua maior aproximação passa a ser com Rayon (Jared Leto), seu parceiro no hospital.
O filme é exclusivamente do ator principal. Poucas vezes se vê no cinema um empenho tão grande por um papel. Matthew emagreceu cerca de 20 quilos, reforçou a maquilagem para se mostrar mais debilitado, usou uma expressão corporal incomum, expandindo suas atitudes e ganhou presença em quase todos os planos. É um trabalho exaustivo que eleva o filme ultrapassando algum percalço do roteiro, um pouco fragmentado, mesmo seguindo linearmente a historia do homem que se ufana de “machão”, repelindo o diagnostico de uma doença ligada aos homossexuais, àquela altura marcada pelo preconceito sobre a sexualidade na “terra dos hetero”, e de sua luta pela cura contra todas as estimativas médicas de seu tempo.
Vallée que dirigiu o muito bom “C.R.A.Z.Y.”(2005) também consegue um desempenho de coadjuvante excelente em Jared Leto como o travesti Rayon. Basta compara com o Nemo de “Sr. Ninguém”, o filme do belga Jaco Von Dormael. Os dois atores, Leto e Matthew, disputam o Oscar no próximo domingo, com o primeiro sendo o favorito, mas os dois já premiados no recente “Globo de Ouro”.
“Clube de Compras Dallas” é, sobretudo, a luta pela vida. Por  mais que o tipo do cowboy se mostre uma pessoa sofrida, e isso se vê quando procura tratamento alternativo para o seu mal e encontra um médico exilado do meio profissional, um pesquisador voluntário que lhe oferece a chance de usar não só o AZT, mas uma combinação com proteína capaz de estancar o efeito do vírus sobre as defesas de seu organismo deixa o tipo com a chance de se vangloriar da passagem do tempo marcado por quem primeiro o atendeu em um hospital.
Ron doma a doença como doma o animal que monta. E não pára seus hábitos durante o tratamento que faz, continuando a usar cocaína e a fazer sexo sem precaução. E vai além da ousadia com o seu próprio corpo: ganha dinheiro contrabandeando as drogas anti-HIV para pessoas que necessitam. Forma um verdadeiro laboratório paralelo e isso chama a atenção das autoridades levando o caso a julgamento. Com todos os empecilhos, o doente sobrevive 7 anos, além da estimativa dada pelos clínicos, ganhando a confiança de uma médica que se admira da coragem dele.
O filme se baseia em fatos reais e o roteiro de Craig Borten e Melisa Wallack veio de uma conversa com o próprio Ron Woodroof. É desses trabalhos que nos créditos afirmam se tratar de fatos reais. No caso, uma realidade surpreendente que acaba ganhando feitio de homenagem mesmo em se tratando de um contraventor.
Mas não é só isso. O caso de Ron é mostra, pelos roteiristas, as engrenagens da agencia farmacêutica e as barganhas que os laboratórios realizam para “vender” seus produtos mesmo a custa de vidas humanas, o que já foi denunciado, inclusive, por Fernando Meirelles em “O Jardineiro Fiel (2005) envolvendo governos e multinacionais nas tramas do setor financeiro.

O lançamento do filme em Belém está em poucas sessões, numa sala distante do centro da cidade.

PHILOMENA


Judi Dench e a verdadeira Philomena Lee 

Do autor e apresentador de rádio e televisão inglesa, primeiramente da BBC, Martin Sixsmith, o livro-reportagem “The Lost Child of Philomena Lee” foi escrito (1ª edição) em 2009. Sua trascriação para o cinema seria um passo. Poucas histórias são tão interessantes, indo da denúncia ao comovente realismo. E chegou por mãos certas: o diretor inglês Stephen Frears (de “A Rainha” e “Herói por Acidente”) através de um roteiro escrito pelo ator que protagoniza Sixsmith, Steve Coogan, sendo seu parceiro Jeff Pope.
O argumento focaliza uma adolescente órfã de mãe que engravida do namorado e por isso o pai, seguindo o comportamento tradicional da sociedade dos anos 50 (nem era o século XIX, diga-se), encaminha-a para um convento onde irá ter o filho e sair da vista de pessoas ligadas à família por ter dado um “mau passo”.
Philomena passou muitos anos com as freiras, em trabalhos pesados na lavanderia do convento. Nos primeiros anos, o menino, Anthony, vivia ao lado de outras crianças, no mesmo local onde suas mães estavam (nas mesmas condições de reclusas pela gravidez fora do casamento), embora estas soubessem que em algum momento os filhos seriam adotados por outros. Certo dia, Anthony e a filha de uma das amigas de Philomena são levados por um casal norte-americano.
A investigação em torno do paradeiro do menino é a base do livro e filme. Seria uma reportagem do cético repórter, mas ele acaba achando melhor passa-la para um livro. Ateu convicto ele critica severamente a Igreja Católica ainda mais por ser recebido de forma rude por uma freira do tempo em que Philomena chegou ao convento, esta já muito idosa, em cadeira de rodas, e agressiva no modo como responde às perguntas sobre a adoção de crianças.
O enfoque dado ao caso e, consequentemente, drama de Philomena era uma das práticas assumidas pela sociedade do século XIX, seguindo-se depois como norma social (vide “O Garoto” de Chaplin) em todos os locais aonde a igreja católica impunha a dimensão institucional do sexo pelo casamento porque segundo os preceitos dessa crença este estado civil era o único meio consentido da reprodução humana. E, dessa forma, impunham-se várias maneiras de as jovens que praticavam o sexo fora do casamento e engravidassem serem punidas, com os filhos colocados nas célebres “rodas de expostos” das casas de misericórdia e/ ou seus pais, para castigá-las, internassem-nas em conventos administrados por irmãs de alguma ordem religiosa. Ai elas pariam os filhos, ficando estes sob a guarda destas freiras que colocavam as crianças para adoção, quando na verdade, elas faziam dessa ação um comércio. Pelo menos em grande número desses conventos. E esse detalhe foi descoberto na investigação do filho de Philomena.
O roteiro do filme insere sequencias do passado da mulher/mãe de forma muito sutil, sem quebrar o ritmo da narrativa no tempo da ação. E imagens de filmes caseiros mostram o verdadeiro Anthony, que passou a se chamar Michael (Sean Mahon).
Seria muito difícil transmitir o drama de Philomena sem o protagonismo de uma grande atriz. E Judi Dench cumpre a tarefa de mostrar o sofrimento da mãe que busca o filho pelo tempo e espaço, agarrando-se a detalhes que a possam levar a ele. Quando ela é assessorada por Sixsmith a tarefa é saber de um imigrante irlandês (a família de Philomena e ela própria são irlandeses) quem adotou a criança. Através de uma busca digital chega-se a um diplomata que trabalhou nos governos Reagan e Bush, achando-se inclusive fotos do rapaz com o presidente norte-americano.
A narrativa é um modelo de recriar um enredo. Não evidencia momentos específicos apenas deixando closes de Judi Dench em lagrimas e da freira que a acompanhou na época da adoção e que recebeu de forma rude o escritor que deseja saber como seu deu o processo de adoção, no caso, para amenizar uma preocupação da mãe, se o filho pensava nela.
Uma jornada da Irlanda pelo interior da Inglaterra e depois pelos Estados Unidos vai abrindo espaço para se conhecer Michael, ou Anthony, e de se chegar às repostas que satisfaria a mulher/mãe.
Um filme excelente, desses que exige aplausos no final da sessão. Está candidato a 5 Oscar e domingo último ganhou o Bafta (premio inglês) de roteiro adaptado. Econômico, preciso, instigante para as vertentes reflexivas que se abrem sobre a história das mulheres sem que isso seja o eixo central. Imperdível.


A CURANDEIRA E CANTINFLAS: VIDEOS CIRCULANDO...





A atriz porto-riquenha Miriam Colon protagoniza a curandeira 
A novela que se tornou best-seller do escritor norteamericano Rodolfo Anaya, “Bless me, Ultima” (1972), baseou o filme  “Abençoe-me, Ultima-A Curandeira”(Bless me, Ultima, EUA, 2012) e em sua estreia norte-americana satisfez os leitores e os espectadores mais exigentes. E não é fácil, por certo, captar a sensibilidade do original que transparece no roteiro do filme.
Trata de uma benzedeira do interior do Novo México, no período da 2ª Guerra Mundial, que é abrigada na casa de um pequeno fazendeiro e ganha a amizade de um menino de 6 anos, Antonio, de quem fizera o parto, pois, também assumia essa profissão na comunidade. A mulher é muito hábil no conhecimento de plantas aplicando-as na medicina natural e em curas com remédios caseiros. Num desses casos trata do filho de um vizinho da fazenda que está em coma desde que circulou numa floresta conhecida por ser refugio de bruxas. O fato desperta polêmica porque das três mulheres consideradas bruxas, filhas de um outro fazendeiro, duas delas vem a falecer, sendo apontada como culpada a velha curandeira que quebrara o feitiço responsável pelo adoecimento do rapaz. Por isso, o pai das moças jura vingança contra a benzedeira, Ultima, e/aos membros da família que a abriga.
Narrado na terceira pessoa, o filme consegue retratar o ambiente interiorano, ressaltando comportamentos de pessoas simples, sem grandes estudos, presas a preceitos terapeuticos alternativos, e ainda focaliza bem o papel da igreja local, chegando a um menino que se diz esquecido de Deus porque morreram seus pais e um irmão, deixando-o só no mundo. E o tratamento do pároco da igreja a ele é um libelo autoritário e discriminador.
“Ultima” não é só um relato no estilo fantástico peculiar às produções de Waklt Disney: é um filme denso, sem arroubos melodramáticos, com sequências e diálogos que ficam na memória do espectador (a exemplo, uma conversa do pai com filho de 8 anos em que o primeiro exprime uma sentença de sábio sobre como se deve enfrentar a vida, diferentemente do que o padre do local estava impingindo ás crianças nas aulas de catecismo).
Um excelente filme que só nos alcança em DVD. O diretor é Carl Franklin, mais conhecido como ator negro de filmes e séries de TV. A atriz porto-riquenha Miriam Colon protagoniza a curandeira e brilha em uma interpretação difícil. E o menino Luke Ganalon, convence plenamente como Antonio. É ele quem conta a história. As filmagens em locação revelam a beleza da zona rural onde se passa a historia.
Filme inédito em nossos cinemas.
“Se Eu Fosse Deputado”(Si yo fuera deputado, Mexico, 1952) é o segundo filme interpretado pelo comediante mexicano Mario Moreno Cantinflas que circula em DVD no Brasil. Esse ator protagoniza um barbeiro do interior do Mexico que por ser amigo de um velho advogado e representar a paixão da filha deste, aprende, em meio a sua ingenuidade de baixa escolaridade, alguns preceitos jurídicos e consegue cativar a população pobre a ponto de ser lançado como candidato ao cargo de deputado em confronto com um mafioso local.
O diretor Miguel M. Delgado foi um dos que mais trabalhou com Cantinflas. Neste exemplar, as gags verbais, sempre o forte do comediante (cantinflas quer dizer “embromador”), não prejudicam a comédia. E deixam bons momentos hilários como quando o personagem investiga a infidelidade da esposa de um comerciante local.
Um dos pontos altos do filme é quando o barbeiro, que é fã de música, é guinado a reger uma orquestra na ocasião em que foge da policia. A sequência é longa, mas bastante engraçada.
Cantinflas era muito popular no Brasil e seus filmes alcançavam Belém. Na época, o cinema mexicano era dividido em filmes em que ele atuava, ou seja, onde havia o cunho hilário, os melodramas com base em boleros (um dos ritmos bastante popular nas camadas sociais) e nos dramas rurais dirigidos por Emilio Fernandez (“El Indio”), com a aplicação da fotografia captada por um mestre dessa arte: Gabriel Figueroa.



terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O QUE RESTA


"Was Bleibt", o filme alemão em exibição no Olympia. Até 5a. feira.

Um filme de família e sobre familia. Esta frase dimensiona melhor “Was Bleibt” (O Que Resta/Alemanha, 2012) um dessas produções que eram realizadas em Super 8 e hoje recebe o foco de uma câmera de vídeo (ou mesmo celular). Não precisa de inicio, efeitos fotográficos. Acompanha-se a luz ambiente e focaliza, no caso, filhos que vão ao encontro da mãe, que mora só em uma casa próximo a uma floresta, assim como o marido desta, ora separado e já vivendo com outra mulher.
No enredo focaliza-se um fim de semana familiar que poderia ser alegre como esperavam os irmãos Marko e Zowie convidados pela mãe Gitte para comemorarem uma boa notícia: depois de 30 anos ela abandona os anti-depressivos e se mantém com medicação alternativa. Seu marido Gunter também espera os filhos com uma outra novidade: vendera sua editora, uma empresa de publicação e espera se dedicar á pesquisa com planos de viajar para a Jordânia. As duas notícias são mal recebidas por Marko – que está na casa dos trinta anos, acaba de publicar seu primeiro livro, e foi viver em Berlim desde seus dias de universidade. E Zowie, que estudou medicina mas vive  de um consultório de dentista nas proximidades dos pais, também não aceita aquela nova situação
Eles pensavam encontrar bem humorados e saudáveis a mãe, Gitte, e o pai Jacob. Mas, na primeira refeição juntos sabem que a mãe abandonara um tratamento médico para uma doença que não se define. Ela se limita a tratar de pessoas com medicamentos naturais (na primeira sequencia, quando os filhos chegam, ela está com uma paciente deitada na sala) e acha que não mais precisa de medicação alopata. Apreensivos com a atitude de Gitte, e mais ainda quando sabem que Jacob pretende viajar para lançar seus livros, embora há 30 anos cuide da esposa com um alto nível depressivo, sentem uma sensação de desmoronamento naquele lar para onde vieram festejar a aproximação e pelo fato dele ter contado a ela que tem outra pessoa.
A reação de Gitte, que não se mostra de súbito, é pegar seu carro e sair. Não diz aonde vai nem volta. Na procura, os parentes encontram o carro dela à beira da estrada que margeia a floresta. As buscas pela mata não surtem efeito.
O filme tem uma narrativa muito simples e sua densidade ser faz através dos desempenhos excelentes de todos os atores e a na modulação da luz em alguns planos. Sabe-se por esses recursos, que irmãos e pais custam a se entender num encontro que deveria ser só alegria. E isso ganha um tom dramático quando a mãe sai de cena.Ha sequencias de noite na mata quando os filhos, especialmente Marko, procura desesperadamente pela mãe. E numa dessas investidas, o roteiro de Bernd Lange é aproveitado pelo diretor Hans-Christian Schmi para uma licença de realismo fantástico. Não convém contar porque é um dos pontos altos do filme. Basta dizer que é um recurso muito engenhoso de se mostrar como o rapaz que é escritor enfrenta o que pode ser a morte de sua querida mãe.
Vendo o filme de Schmid lembrei-me de dois títulos bem expressivos sobre reuniões de família: o “Family Life”(Vida em Familia/1972) do inglês Ken Loach e “Festa de Familia”(Festen/1998) do dinamarquês Thomas Vinterberg.   Nesses filmes também uma reunião familiar é motivo para que se evidencie problemas de cada membro e como eles entram em conflito uns com outros.
O filme alemão que pode visto até a próxima quinta, 20/02 no Olympia é um exemplo de como o cinema pode chegar à intimidade das pessoas como se fizesse parte do grupo de pessoas focalizado. A câmera é como mais um membro da família Heidtman, observando o que se passa de forma passiva, apenas deixando que a gente ache absurdo algumas atitudes, como a precipitação do patriarca quando do sumiço de sua esposa.
Um bom filme que a gente desconhecia de informações criticas internacionais.




ELA

Joaquin Phoenix em "Ela"/Her.
 Depois de invadir o cérebro do ator John Malkovich (“Quero ser John Malkovich”, 1999) e mostrar um filme na sua gestação (“Adaptação/2002) Spike Jonze apresenta um dos mais belos e estranhos romances de um homem com um programa de computador que adentra, com as novas tecnologias, o século XXI.
“Ela” (Her, EUA, 2013) narra o percurso do solitário Theodore (Joaquin Phoenix), depois de ele se separar da esposa que amava, e passa a manter um dialogo cada vez mais intimo com o programa de computador oferecido por um site na internet.
O roteiro do próprio diretor lembra, de certa forma, alguns detalhes da trama que seu colega Andrew Niccol realizou em 2002 com “Simone”, a historia de um cineasta que molda uma garota no seu computador e chega a colocá-la como estrela de seu filme, dando a ela um premio (sem que ela, obviamente, possa estar presente na festa de premiação). Niccol também é um dos (poucos) autores de cinema nos EUA que exibem imaginação no que fazem. Dele, por exemplo, o roteiro de “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (EUA, 2004).
Mas em “Her”, Jonze vai mais longe e aproveita a capa de ficção cientifica para analisar a solidão de uma pessoa, além dos conflitos afetivos e morais que uma história dessas possa suscitar. Theodore mora em um pequeno apartamento, vive tentando editar seus livros, e é vizinho de uma jovem que também sente a solidão. A voz maviosa que emana do sistema operacional Samantha (Scarlett Johansson, e esse recurso da voz é dramático) o faz criar nova vida e emoções começam a circular naquele mundo que agora ele passa a conviver deixando de lado a inanição da criatividade tendo agora com quem trocar idéias.
Planos de rua, com a luz econômica, seguem Theodor nos seus percursos para o trabalho e para diversos lugares, deixando que algumas pessoas olhem para a câmera, tentando sempre traduzir em imagens o que se passa com o personagem à maneira do que Antonioni imprimiu à figura de Monica Vitti em alguns de seus filmes, especialmente “Deserto Vermelho” (1964). A diferença é que o cineasta italiano colocava seus tipos para andar com a câmera seguindo-os em paralelo e este andar dimensionava a incomunicabilidade reinante. Jonze usa closes de Joaquin Phoenix e a luminosidade do foco. Dá para se perceber que se sente incomodado com separação da esposa – extretamente teórica e realista - e isso é substanciado num encontro com ela em que ele pede uma chance para voltar recebendo resposta negativa da jovem que não aceita esse retorno condicionada com seu processo de viver de um outro modo.
O que acontece ao personagem quando a namorada digital se despede? O programa acessado tende a um fim que se pode ver como natural. Não se explica, mas como todo programa, é um espaço subsidiado por algum mediador, sendo possivel que seja um tempo em que não é mais lucrativo. Vale como se o escritor perca pela segunda vez uma pessoa amada. E a vizinha que aparece ao seu lado na cobertura de um prédio na penúltima sequencia do filme não é o “remédio” para os dois solitários.
Simone (de Niccoll), tinha esse nome de uma analogia de números interpretado por computador (SimOne), é uma farsa que atinge o comercio cinematografico. “ELA” é a voz de um ser humano que interessa para suscitar o amor pela internet, fazer sexo virtual, quebrar o nivel individualista e melancôlico de um homem sensível que não vê motivo de se alhear do charme de uma “pessoa” que se esconde em uma máquina.

Criativo e bem realizado, o roteiro exemplar mescla os espaços onde transeuntes, em primeiro plano asiaticos, mas também caucasianos, sublinham as vias de percursos numa cidade de grandes arraja-ceus, explora valores como o ciúme (nos momentos em que o despreendimento da mulher-virtual está em despedida), evidencia um novo precesso de pertencimento onde a noção do outro se dá de outra forma, na interação entre a máquina e os humanos sem que seja a versão clássica de conflitos entre os dois entes. A amplitude daquela forma de intercâmbio parece sustentar a nova maneira de sedução entre os viventes, como o fez com Theodore, sua vizinha, Amy (AMY Adams), seu chefe Paul (Chris Pratt). O virtual tende a ser um modelo alcançavel na realidade. 

VIDA DE MUSSOLINI EM DVD



George C. Scott como Mussolini 
 Está circulando para venda em DVD no Brasil um teleplay (produção criada para a TV) “Mussolini, A Historia Não Contada” (Mussolini, The Untold Story, EUA, 1986) que ganhou 3 discos, consumindo um total de 320 minutos. E vale a pena. O ator George C. Scott (1927-1999) que já havia interpretado o general Patton (“Patton, Rebelde ou Heroi”, 1970) compõe muito bem a imagem do Duce (Benito Mussolini), primeiro ministro italiano que introduziu o fascismo no país, achando-se a reencarnação de Julio Cesar e disposto a refazer o Império Romano. No filme (uma mini-série) ele surge desde que assumiu o cargo no governo, mostra como se portou no matrimonio com Rachele (Lee Grant), mantendo a amante Clareta Petraglia (Virginia Madsen), evidencia a criação dos filhos Edda (Maria Elisabeth Mastrantonio), Vittorio (Gabriel Bryne) e Bruno(Robert Downey Jr.), este último morrendo num desastre de aviação (ele e o irmão eram pilotos da Força Aérea Italiana). O filme mostra ainda como o Duce aprovou e depois mandou matar o marido de Edda, o conde Galeazzo (Raul Julia). A aponta sua atitude sanguinária na febre de conquistas, aderindo ao nazismo de Adolfo Hitler (Günar Moller, em fraco desempenho). O roteiro segue até a morte de Mussolini, junto a Claretta, focalizando o apedrejamento dos corpos. Trata-se de uma página da historia .
Outro vídeo que assisti na semana foi “Sonho de Amor Eterno”(Peter Ibbetson, EUA, 1935) filme da década de 1930 demonstrando a versatilidade do diretor Henry Hathaway, mais conhecido por filmes de aventuras, tema históricos (“A Raposa do Deserto”), dramas densos (“Horas Intermináveis”, “Torrentes de Paixão”) e western (“Bravura Indomita”,”Os Filhos de Katie Elder”). Nes “Sonho...” ele penetra na área do melodrama focalizando um romance que começa quando os parceiros são crianças. Na idade adulta, por terem sido separados, ela está casada, ele aparece como um arquiteto que vai decorar a casa dela. O reencontro não é, contudo, alvissareiro. O marido da ex-namorada morre acidentalmente e ele é dado como culpado e preso. Tudo contado em imagens que variam de tonalidade de acordo com os sentimentos que pretende expressar. Triunfo do fotografo Charles Lang com a música premiada com o Oscar. Estrelas veteranas como Gary Cooper (1901-1961) e Ann Harding (1901-1981) protagonizam os enamorados. Uma raridade que deve ser descoberta pelos que gostam desses dramas no cinema.
Uma preciosidade encontrada nas lojas de vídeo foi “O Dia que Durou 21 Anos” (Brasil, 2012) mostrando como o golpe militar de 1964 foi engendrado pelos norte-americanos que temiam o Brasil se aliar a Cuba. O embaixador norte-americano Lincoln Gordon é focalizado em ação não só através de documentos e entrevistas como através de depoimentos de pessoas ligada a ele.
O filme é uma aula de historia. Só peca no final pela pressa na conclusão. Não trata os governos Médici, Geisel e Figueiredo nem chega à volta da democracia. Mas os primeiros anos da ditadura implantada em 1964 estão mostrados como nunca foram em linguagem de cinema. Direção de Camilo Tavares. Lançamento que cai bem no marco de 50 anos dos fatos mostrados.
A Empresa Disney comemora os 50 anos de Mary Poppins com o bluray do filme. Não deve ser coincidência o fato de estar chegando aos cinemas “Disney e os Bastidores de Mary Poppins” historia da dificuldade que o criador de Mickey Mouse enfrentou para filmar o livro da inglesa P. L. Travers. Curioso é saber que Julie Andrews, vencedora do Oscar no papel, havia sido preterida pela Warner em “My Fair Lady” que ela encenou na Broadway. Simplesmente porque não era conhecida (atuou Audrey Hepburn, dublada nos números musicais). Julie Andrews teve a carreira impulsionada e logo faria “A Noviça Rebelde”.
Estas são algumas das novidades que Pedro Veriano (“rato" de buscas de filmes novos lançados) programa para as nossas “sessões de cinema” nas noites. Esse é o nosso trabalho diário, além do prazer de discutirmos juntos a linguagem, a narrativa, a história. É uma vida maravilhosa sem dúvida.



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A COR MAIS QUENTE



 Adèle Exarchopoulos e Lea Seydoux em "Blue"

Baseado em uma graphic novel (HQ) homônima da francesa Julie Maroh, ”Azul é a Cor Mais Quente”(La Vie D’Adèle, França, Bélgica Espanha, 2013, 187 min.) trata da história de Adèle (interpretada pela atriz Adèle Exarchopoulos), 17 anos, na descoberta de sua afetividade e sexualidade e, ao encontrar o amor com Emma (Lea Seydoux), mais madura e que usa cabelos azuis, se apaixona e vive o romance ao qual se dedica, ao mesmo tempo em que busca afirmação acadêmica e profissional e tenta se afastar do ultraconservadorismo familiar e das próprias relações de amizade.
O grande sucesso comercial do filme baseou-se na exposição do ato sexual entre mulheres. Mas se isso é encontrado nas quase 3 horas de projeção, o trabalho do cineasta Abdellatif Kechiche, tunisiano de quem chegamos a ver “A Esquiva”(2003) e “O Segredo do Grao”(2007) mostra muito mais. Começa com a proposta de analisar a personagem de Adéle. São muitos os planos próximos do rosto da jovem em diversas expressões. Chega a um ponto em que a utilização de uma lente apropriada deixa quase nenhuma profundidade de campo (o que está atrás do quadro é fora de foco) para que se evidencie a face da jovem.
Como se trata de uma historia de amor, e o roteiro despe-se de preconceito quando trata o relacionamento homo como tão natural quanto o hetero, a fotografia deixa-se contaminar pelo comum e imprime o sol por trás das amantes se beijando. É uma forma de dizer que o amor está sendo iluminado.
É possivel que Kechiche tenha extrapolado as sequências de sexo (nem semprehardcore). Não precisaria tanto para dizer que se trata de amantes. Mas pelo menos uma dessas sequencias é extremamente necessária quando faz pontuação com a tendencia de Adéle adquirir uma relação com um colega e com isso incitar os ciumes da parceira (que reage com fúria).
Quando separadas, o que poderia levar a mais nova a outro caminho sexual (e afetivo) não se concretiza e se vê Adéle sofrendo a falta de Emma. Isso é bem demonstrado no encontro que elas tem num restaurante, onde a principio se vê a Adéle sozinha (mostrando-se no plano que a moça não conseguiu seguir um caminho hetero), e o quanto sente a presença da antiga amante, chegando a se humilhar pedindo uma volta do relacionamento (sem sucesso). Esta sequencia, com a demonstração de que Emma , até por ter mais idade, está em outra fase da vida ,dizendo-se com nova companhia, é construida de forma muito simples. O fecho é a despedida de Emma acompanhando-se a imagem dela até desaparecer por trás de vidros.
O diretor sempre evidencia o seu propósito de cinema introspectivo até na escolha do azul como “a cor mais quente” no dizer do tradutor para o mercado de lingua portuguesa. Há uma proposta de usar a cor modulando a ação. No leito as duas ficam entre o vermelho do ambiente iluminado por abajour ou o negro quando apagam a luz. A citada aparição do sol por trás de uma demonstração de afeto banha a tela de amarelo & vermelho. Tudo a contar como a fotografia de Sofian El Fani, o mesmo de “O Segredo do Grão”, ajudou no objetivo.
Contudo, a cor azul, refletindo no título do filme(e da graphic novel), tem grande evidência nas imagens. Adele está sempre vestida de azul, é introspectiva, de aparência triste e se apaixona ao ver o cabelo azul de Emma destacado no meio da multidão. E quando esta abandona esse tom e passa a usar o louro (sintonia com o amarelo, alegria) é o momento do desentendimento entre elas, mas o diferencial entre as duas, uma instável/imatura enquanto a outra devidamente decidida no que quer. De temperamentos diferentes, a jovem quer manter as imagens do passado enquanto a outra espera arriscar-se pensando na libertação. Insegura, Adèle não encontra um novo amor, preferindo a solidão, mas seu futuro fica sem definição.
Um filme sobretudo importante que desafiou o moralismo de alguns no Festival de Cannes e consegui ganhar a Palma do Ouro. E se pensava que Steven Spielberg, presidindo o juri, iria negar esse prêmio. Mania de estratificar talentos.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

DENTRO DA CASA

Claude (Ernst Umhauer) e Germain (Fabrice Luchini): o voyeurismo
O cineasta François Ozon acumula uma filmografia versátil, tratando de diversos gêneros com um cuidado artesanal impecável e às vezes surpreendendo com inventividade sobre o tema escolhido. É o caso deste “Dentro da Casa”(Dans la Maison, França, 2010) baseado no livro “El Chico de la Ultima FIla”, do dramaturgo espanhol Juan Mayorga. Trata de um professor de literatura (Germain/Fabrice Luchini) que se sente desgastado com a mediocridade de seus alunos. No ato de corrigir provas, todas com o tema “o que você fez no ultimo final de semana” ele encontra uma exceção que o empolga. É do jovem Claude (Ernst Umhauer) que narra sua admiração pela casa do colega Rapha Artole (Bastian Ugheto), um lugar e uma classe que ele sempre almejou e jamais chegou a atingir.
Sabendo que o colega é fraco em matemática, sua matéria preferida, Claude consegue licença para dar a ele aulas particulares e adentra a casa adorada. No imóvel conhece Esther (Emanuelle Seigner), mãe de Artole, com quem tenta um relacionamento intimo, na verdade um modo de consolidar a sua ambição. Mas a mulher reage e no momento resolve ajudar o marido que perdeu o emprego e está em conflito psicológico precisando fugir do problema.
Sem Esther e a casa de seus sonhos Claude busca onde mora seu professor, que logo se mostrou empolgado com seu talento e passa a evidenciar na classe, as qualidades do aluno. É assim que este entra na outra casa e assedia Jeanne (Kristin Scott Thomas), a esposa do professor.
Há no filme, pontos que emeregem do tema exposto: um primeiro aspecto é o voyeurismo consentido, estimulado, exposto e, neste caso, cria-se um aspecto moral revelado na relação que vai desenvolvendo com o personagem que quer captar as cenas de vivencia criando interesse a outros sobre essas cenas. Se as imagens narradas são parte do processo criador do aluno, estas são repassadas a outros voyeurs – o professor e sua esposa, além do espectador. Na transferência dos desejos entre o objeto de desejo do profesor de ser um escritor e a escrita do aluno considerada excelente se  estabelece o liame de mais um objeto de desejo.
O outro aspecto é a da exposição do cotidiano familiar de uma classe média, onde se evidenciam os meios conturbados ou negociações facilitadoras para que este cotidiano seja facilitado entre situações falsas ou honestas. É o olhar do observador (que não é observado nessa intimidade) que se torna a tradução do que ele cria como objeto de desejo da casa do amigo. E que  estabelece a pulsão do professor e sua esposa enquanto leitores dessas hisórias. É daí que resulta a explicação para capturar novos fatos, embora não seja possivel saber, também, se são narrativas inventadas.
Além do desempenho excelente de Ernst Umhauer o filme conta com uma narrativa criadora, evidenciando nos enquadramentos, nos planos e nos movimentos de câmera todo o processo de ansiedade perversa do aluno-escritor.
Para se avaliar o grau de criatividade de Ozon basta focalizar a última sequencia do filme quando Claude e Germain, sentados em um banco, veem um prédio de apartamentos defronte. Claude fala das vidas das pessoas nos aposentos, mostrando uma discussão entre duas mulheres e dando a sua opinião para o que elas discutem. O professor tem outra versão, mas a câmera, indiferente das hipóteses lançadas, aproxima-se um pouco das janelas e em dado momento fecha-se uma espécie de porta, um recurso distante da tradicional cortina escura (fade out), como se o próprio filme fosse uma casa que cerra a porta adiante dos intrusos.
O enfoque vai da ambição gerada pela diferença de classe ao despertar erótico do jovem estudante. Ele une inadvertidamente o sexo com o luxo (não à toa, no caso, alerta-se para o termo luxuria) e pensa que assim como está sendo aplaudido pelo professor pode conseguir sucesso também invadindo os lares e conseguindo fazer sexo com as figuras mais proeminentes deles. Chega a fazer chantagem com o amigo Rapha(a família, aliás, é conhecida como Rapha) lembrando um beijo que ele lhe deu, alusão á homossexualidade que o persongem jamais revela.
O filme é dos melhores do diretor, melhor mesmo do que “Á Beira da Piscina”(Swimming Pool, 2003) que me parecia a sua obra-prima.
 “Dentro da Casa” ganhou 8 prêmios e 14 indicações. Está em exibição no Cine Estação em sessões alternadas com a nova versão de “A Religiosa”. Procurem ver.


A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS



Liesel (Sophie Nelisse) e Hans Hubernam(Geoffrey Rush)
O livro do australiano Markus Zusak em 2005, “A Menina que Roubava Livros”(The Book Thief) é um dos mais procurados pelo público jovem. Sua transposição para o cinema é, primeiramente, apelo de mercado. Mas, mesmo para quem não leu o livro, o filme em que se baseia, dirigido por Brian Percival, de um roteiro de Marco Petroni é muito acessível e alinhado numa narrativa linear.
É a Morte quem conta a história. E segue a menina órfã, Liesel (Sophie Nelisse), até a Alemanha, do inicio do período nazista, encaminhada pelo estado para adoção de um casal alemão Hans Hubernam(Geoffrey Rush) e Rosa(Emily Watson), devido à prisão da mãe da garota, aacusada de comunista. Ganha a simpatia deste casal, especialmente de Hans. Com o início da perseguição aos judeus, Max (Ben Schnetzer), filho de membros dessa etnia a quem Hans deve favores, procura-o e passa a morar secretamente com a familia deste, infringindo as regras nazistas e, por isso, escondido no porão da casa. Liesel se torna amiga do visitante ainda mais pela afinidade por ensiná-la a ler e amar os livros. Mas é obrigada a não contar essa aventura familiar a ninguém. Ansiosa pelo novo saber que captura dos livros, deseja diversificá-los (pois só tem um exemplar de normas do coveiro, recolhido da sepultura do irmão,) e, numa de suas ousadias, salva um exemplar dentre os que não foram queimados numa das fogueiras que os nazistas faziam de obras consideradas subversivas pelo regime. Segue-se sua descoberta da biblioteca da esposa do prefeito da localidade, levando os volumes que consegue pegar, no momento em que sua tarefa de entregadora de roupas lavadas pela mãe, é objetivada nessa infringência moral.
Na convivência na nova comunidade, Liesel liga-se a Rudy (Nico Liersch), seu vizinho. A ele conta o seu grande segredo da presença de Max, no porão, mas a fidelidade do garoto segue a linha da amizade por Liesel. A perseguição aumenta, ameaçando a presença de Max e, por isso ele deixa a casa para salvar os amigos. Hans, por uma infringência às ordens de uma tropa militar querendo salvar um vizinho é convocado pelo exercito, apesar da idade. Ao retornar do front é vitima, assim como Rosa, de um bombardeio aliado.
A historia de Liesel é fatalmente escrita pela menina que gosta de ler e escrever. Em sua vida ela escreve muitos livros. E seu amor pelas letras é contado em off durante o filme. A voz que acompanha toda a odisséia dela é da “senhora da foice” que se penaliza de sua aventura e a escolhe como sobrevivente.
Nada a acrescentar de marcante como realização cinematográfica além de uma fotografia que usa bem cores e sombras e uma condução de elenco em que sobressai a jovem canadense Sophie na época realmente com 10 anos de idade. A narrativa cobre mais de 4 anos e o crescimento da personagem  vai sendo mesclado com as máscaras que o próprio cinema é  capaz de compor pela maquilagem e outros artificios.
A linguagem linear aproxima muito o filme da obra literária. “A Menina que Roubava Livros” é um exemplo de adaptação desse meio de expressão usando até mesmo algumas frases do livro, especialmente as de tom poético que sintetizam situações. Muito do que Max fala impressiona pela beleza das palavras, especialmente quando ele exalta o valor da literatura, reforçando a paixão da jovem amiga pelas letras que vai descobrindo.
Há muito a se resumir em palavras, especialmente no trecho final. É um recurso cômodo que diminui o valor cinematográfico do projeto. Mas certamente aumenta a simpatia por parte não só de quem leu o original como de outros leitores de um modo geral. Por outro lado não é esquecida a amostragem do terror causado pelo período histórico. O nazismo está presente nas perseguições, na constante vigilância de militares aos moradores do lugar, nos bombardeios, no comportamento de pessoas como as da família Hans e de seu vizinho, como bem mostra a sequencia em que se observam as crianças gritando que odeiam Hitler.
Um filme suficientemente correto para agradar a maioria.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

NINFOMANÍACA – PARTE 1




A estrutura narrativa de “Ninfomaníaca 1ª Parte”(Ninfomanic I, Dinamarca, 2012) dá-se a partir de uma conversa de um homem solitário e percebido como intelectual, Seligman (Stelllan Skarsgard), com Joe (Charlotte Gaisnbourg) mulher que ele encontrou na rua, seriamente espancada. Ele se parece a um psicólogo, ouvindo e opinando sobre o que ela fala. E passa-se a acompanhar a odisseia de uma menina que desde cedo “descobriu o seu órgão sexual” e que aos 15 anos já praticava sexo, a principio por desejar acabar com a virgindade, depois, apostando com uma amiga de que consegue fazer sexo com o maior numero de homens numa viagem de trem. O premio é um saquinho de chocolate.
Joe se define uma ninfomaníaca. O seu ouvinte passa a comparar suas proezas com coisas que parecem distante. Primeiro é com uma pescaria usando de isca uma mosca. Mas, de todas as comparações, a que salta para o terreno da poesia é uma composição de Bach. O ritmo da música entra na porfia sexual de Joe e praticamente a define.
Ninfomania é um termo derivado das palavras gregas (nymphe/moça)  e (mania) "loucura". Na mitologia grega as ninfas e sátiros eram espíritos da natureza de sexualidade exacerbada. Na area médica é considerado um vicio, ou um transtorno sexual que se caracteriza pelo elevado nível de desejo e atividade sexual chegando a causar prejuízos na vida pessoal.
O filme do cineasta dinamarquês Lars Von Trier (de “Melancolia”) não é, como a publicidade faz ver, um desfile de coitos. Além de cenas realmente de sexo, aparentemente explicito, há um quadro de solidão que sistematiza a psicopatologia alertada pela própria “doente”.
Joe não teve uma boa infância, não teve quem a ajudasse na adolescência e a quem realmente amasse. O sexo passou a ser uma ginástica sem prazer. Poucas vezes ela afirmou que sentiu orgasmo. Na maior parte dos relacionamentos é uma porfia que participa como um desafio orgânico.
Certa vez ela recebe o afeto de um homem casado e este afirma que pretende deixar a esposa para viver a seu lado. Logo ele surge afirmando que fez isso. E surge a esposa com 3 filhos dando margem à sequencia marcante em que a mulher (Uma Thurman  excelente) empurra os filhos para diante do pai e depois os retira bruscamente. Não adianta Joe dizer que não ama o personagem. E certamente não vai ficar com ele. Mas a mulher sai do quarto com os meninos sem dar atenção.
O drama de Joe passa por um jogo e eu lembro a frase de Alfred de Musset “on ne badine pás avec l’amour”(nao se deve brincar com o amor). O filme define bem a diferença entre amor e sexo. Joe quer sempre ser amada, mas não encontra essa correspondência nos homens com quem se deita. A comparação com a música de Bach é um momento alto em termos de criatividade. Prova de que Von Trier não quis (só) escandalizar. Há conteúdo no desfile de posições de relacionamento físico.
Como feminista, não é possivel considerar que esse tipo narrativo do diretor dinamarques não tenha seu acúmulo cultural em situações que sistematicamente concentraram na mulher as linhas do “despudor” por comportamentos que a retiram do quadro aceito socialmente de que é “des-sexualizada”. Se o cinema já tratou tanto desse “estado doentio” da mulher, de “sentir prazer no sexo”, não conheço filme que trate do outro gênero sendo acusado de compulsão masculina doentia, a satiríase. Mas, o que emerge quando esse gênero traduz a sua sexualidade exacerbada é que ele é “macho”, a virilidade esperada do homem. Não se pode deixar de dizer que Trier assume no filme um estereótipo sobre as mulheres.
Trier é um cineasta irrequieto (para dizer o mínimo). Depois de um ótimo filme de linguagem acadêmica como “Europa” enredou por experiências formais que chamou de “Dogma”. Consistia em filmar sem cuidados técnicos, inclusive com montagem direta. A câmera era geralmente manual e a direção de arte chegou a escrever no chão (“Dogville”) as casas e ruas por onde se passa a historia.
Para o diretor, cinema deve ser diferente do usual. Longe das “novas ondas” fazia a sua própria “maré” desimportando-se das plateias. Isso se exauriu depois de trabalhos que também chegaram a colegas. Agora faz cinema formalmente tradicional. Mas só na forma. “Ninfomanica” foi realizado para incomodar e tem uma segunda parte a sair mês próximo por nossos cinemas.