terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

ELA

Joaquin Phoenix em "Ela"/Her.
 Depois de invadir o cérebro do ator John Malkovich (“Quero ser John Malkovich”, 1999) e mostrar um filme na sua gestação (“Adaptação/2002) Spike Jonze apresenta um dos mais belos e estranhos romances de um homem com um programa de computador que adentra, com as novas tecnologias, o século XXI.
“Ela” (Her, EUA, 2013) narra o percurso do solitário Theodore (Joaquin Phoenix), depois de ele se separar da esposa que amava, e passa a manter um dialogo cada vez mais intimo com o programa de computador oferecido por um site na internet.
O roteiro do próprio diretor lembra, de certa forma, alguns detalhes da trama que seu colega Andrew Niccol realizou em 2002 com “Simone”, a historia de um cineasta que molda uma garota no seu computador e chega a colocá-la como estrela de seu filme, dando a ela um premio (sem que ela, obviamente, possa estar presente na festa de premiação). Niccol também é um dos (poucos) autores de cinema nos EUA que exibem imaginação no que fazem. Dele, por exemplo, o roteiro de “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (EUA, 2004).
Mas em “Her”, Jonze vai mais longe e aproveita a capa de ficção cientifica para analisar a solidão de uma pessoa, além dos conflitos afetivos e morais que uma história dessas possa suscitar. Theodore mora em um pequeno apartamento, vive tentando editar seus livros, e é vizinho de uma jovem que também sente a solidão. A voz maviosa que emana do sistema operacional Samantha (Scarlett Johansson, e esse recurso da voz é dramático) o faz criar nova vida e emoções começam a circular naquele mundo que agora ele passa a conviver deixando de lado a inanição da criatividade tendo agora com quem trocar idéias.
Planos de rua, com a luz econômica, seguem Theodor nos seus percursos para o trabalho e para diversos lugares, deixando que algumas pessoas olhem para a câmera, tentando sempre traduzir em imagens o que se passa com o personagem à maneira do que Antonioni imprimiu à figura de Monica Vitti em alguns de seus filmes, especialmente “Deserto Vermelho” (1964). A diferença é que o cineasta italiano colocava seus tipos para andar com a câmera seguindo-os em paralelo e este andar dimensionava a incomunicabilidade reinante. Jonze usa closes de Joaquin Phoenix e a luminosidade do foco. Dá para se perceber que se sente incomodado com separação da esposa – extretamente teórica e realista - e isso é substanciado num encontro com ela em que ele pede uma chance para voltar recebendo resposta negativa da jovem que não aceita esse retorno condicionada com seu processo de viver de um outro modo.
O que acontece ao personagem quando a namorada digital se despede? O programa acessado tende a um fim que se pode ver como natural. Não se explica, mas como todo programa, é um espaço subsidiado por algum mediador, sendo possivel que seja um tempo em que não é mais lucrativo. Vale como se o escritor perca pela segunda vez uma pessoa amada. E a vizinha que aparece ao seu lado na cobertura de um prédio na penúltima sequencia do filme não é o “remédio” para os dois solitários.
Simone (de Niccoll), tinha esse nome de uma analogia de números interpretado por computador (SimOne), é uma farsa que atinge o comercio cinematografico. “ELA” é a voz de um ser humano que interessa para suscitar o amor pela internet, fazer sexo virtual, quebrar o nivel individualista e melancôlico de um homem sensível que não vê motivo de se alhear do charme de uma “pessoa” que se esconde em uma máquina.

Criativo e bem realizado, o roteiro exemplar mescla os espaços onde transeuntes, em primeiro plano asiaticos, mas também caucasianos, sublinham as vias de percursos numa cidade de grandes arraja-ceus, explora valores como o ciúme (nos momentos em que o despreendimento da mulher-virtual está em despedida), evidencia um novo precesso de pertencimento onde a noção do outro se dá de outra forma, na interação entre a máquina e os humanos sem que seja a versão clássica de conflitos entre os dois entes. A amplitude daquela forma de intercâmbio parece sustentar a nova maneira de sedução entre os viventes, como o fez com Theodore, sua vizinha, Amy (AMY Adams), seu chefe Paul (Chris Pratt). O virtual tende a ser um modelo alcançavel na realidade. 

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