Baseado em uma graphic
novel (HQ) homônima da
francesa Julie Maroh, ”Azul é a Cor Mais Quente”(La Vie D’Adèle, França,
Bélgica Espanha, 2013, 187 min.) trata da história de Adèle (interpretada pela
atriz Adèle Exarchopoulos), 17 anos, na descoberta de sua afetividade e
sexualidade e, ao encontrar o amor com Emma (Lea Seydoux), mais madura e que
usa cabelos azuis, se apaixona e vive o romance ao qual se dedica, ao mesmo
tempo em que busca afirmação acadêmica e profissional e tenta se afastar do
ultraconservadorismo familiar e das próprias relações de amizade.
O grande sucesso comercial do filme
baseou-se na exposição do ato sexual entre mulheres. Mas se isso é encontrado
nas quase 3 horas de projeção, o trabalho do cineasta Abdellatif Kechiche,
tunisiano de quem chegamos a ver “A Esquiva”(2003) e “O Segredo do Grao”(2007)
mostra muito mais. Começa com a proposta de analisar a personagem de Adéle. São
muitos os planos próximos do rosto da jovem em diversas expressões. Chega a um
ponto em que a utilização de uma lente apropriada deixa quase nenhuma
profundidade de campo (o que está atrás do quadro é fora de foco) para que se
evidencie a face da jovem.
Como se trata de uma historia de
amor, e o roteiro despe-se de preconceito quando trata o relacionamento homo
como tão natural quanto o hetero, a fotografia deixa-se contaminar pelo comum e
imprime o sol por trás das amantes se beijando. É uma forma de dizer que o amor
está sendo iluminado.
É possivel que Kechiche tenha
extrapolado as sequências de sexo (nem semprehardcore). Não precisaria
tanto para dizer que se trata de amantes. Mas pelo menos uma dessas sequencias
é extremamente necessária quando faz pontuação com a tendencia de Adéle
adquirir uma relação com um colega e com isso incitar os ciumes da parceira
(que reage com fúria).
Quando separadas, o que poderia levar
a mais nova a outro caminho sexual (e afetivo) não se concretiza e se vê Adéle
sofrendo a falta de Emma. Isso é bem demonstrado no encontro que elas tem num
restaurante, onde a principio se vê a Adéle sozinha (mostrando-se no plano que
a moça não conseguiu seguir um caminho hetero), e o quanto sente a presença da
antiga amante, chegando a se humilhar pedindo uma volta do relacionamento (sem
sucesso). Esta sequencia, com a demonstração de que Emma , até por ter mais
idade, está em outra fase da vida ,dizendo-se com nova companhia, é construida
de forma muito simples. O fecho é a despedida de Emma acompanhando-se a imagem
dela até desaparecer por trás de vidros.
O diretor sempre evidencia o seu
propósito de cinema introspectivo até na escolha do azul como “a cor mais
quente” no dizer do tradutor para o mercado de lingua portuguesa. Há uma
proposta de usar a cor modulando a ação. No leito as duas ficam entre o
vermelho do ambiente iluminado por abajour ou o negro quando apagam a luz. A
citada aparição do sol por trás de uma demonstração de afeto banha a tela de
amarelo & vermelho. Tudo a contar como a fotografia de Sofian El Fani, o
mesmo de “O Segredo do Grão”, ajudou no objetivo.
Contudo, a cor azul, refletindo no
título do filme(e da graphic novel), tem grande evidência nas imagens. Adele
está sempre vestida de azul, é introspectiva, de aparência triste e se apaixona
ao ver o cabelo azul de Emma destacado no meio da multidão. E quando esta
abandona esse tom e passa a usar o louro (sintonia com o amarelo, alegria) é o
momento do desentendimento entre elas, mas o diferencial entre as duas, uma
instável/imatura enquanto a outra devidamente decidida no que quer. De
temperamentos diferentes, a jovem quer manter as imagens do passado enquanto a
outra espera arriscar-se pensando na libertação. Insegura, Adèle não encontra
um novo amor, preferindo a solidão, mas seu futuro fica sem definição.
Um filme sobretudo importante que
desafiou o moralismo de alguns no Festival de Cannes e consegui ganhar a Palma
do Ouro. E se pensava que Steven Spielberg, presidindo o juri, iria negar esse
prêmio. Mania de estratificar talentos.
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