quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A COR MAIS QUENTE



 Adèle Exarchopoulos e Lea Seydoux em "Blue"

Baseado em uma graphic novel (HQ) homônima da francesa Julie Maroh, ”Azul é a Cor Mais Quente”(La Vie D’Adèle, França, Bélgica Espanha, 2013, 187 min.) trata da história de Adèle (interpretada pela atriz Adèle Exarchopoulos), 17 anos, na descoberta de sua afetividade e sexualidade e, ao encontrar o amor com Emma (Lea Seydoux), mais madura e que usa cabelos azuis, se apaixona e vive o romance ao qual se dedica, ao mesmo tempo em que busca afirmação acadêmica e profissional e tenta se afastar do ultraconservadorismo familiar e das próprias relações de amizade.
O grande sucesso comercial do filme baseou-se na exposição do ato sexual entre mulheres. Mas se isso é encontrado nas quase 3 horas de projeção, o trabalho do cineasta Abdellatif Kechiche, tunisiano de quem chegamos a ver “A Esquiva”(2003) e “O Segredo do Grao”(2007) mostra muito mais. Começa com a proposta de analisar a personagem de Adéle. São muitos os planos próximos do rosto da jovem em diversas expressões. Chega a um ponto em que a utilização de uma lente apropriada deixa quase nenhuma profundidade de campo (o que está atrás do quadro é fora de foco) para que se evidencie a face da jovem.
Como se trata de uma historia de amor, e o roteiro despe-se de preconceito quando trata o relacionamento homo como tão natural quanto o hetero, a fotografia deixa-se contaminar pelo comum e imprime o sol por trás das amantes se beijando. É uma forma de dizer que o amor está sendo iluminado.
É possivel que Kechiche tenha extrapolado as sequências de sexo (nem semprehardcore). Não precisaria tanto para dizer que se trata de amantes. Mas pelo menos uma dessas sequencias é extremamente necessária quando faz pontuação com a tendencia de Adéle adquirir uma relação com um colega e com isso incitar os ciumes da parceira (que reage com fúria).
Quando separadas, o que poderia levar a mais nova a outro caminho sexual (e afetivo) não se concretiza e se vê Adéle sofrendo a falta de Emma. Isso é bem demonstrado no encontro que elas tem num restaurante, onde a principio se vê a Adéle sozinha (mostrando-se no plano que a moça não conseguiu seguir um caminho hetero), e o quanto sente a presença da antiga amante, chegando a se humilhar pedindo uma volta do relacionamento (sem sucesso). Esta sequencia, com a demonstração de que Emma , até por ter mais idade, está em outra fase da vida ,dizendo-se com nova companhia, é construida de forma muito simples. O fecho é a despedida de Emma acompanhando-se a imagem dela até desaparecer por trás de vidros.
O diretor sempre evidencia o seu propósito de cinema introspectivo até na escolha do azul como “a cor mais quente” no dizer do tradutor para o mercado de lingua portuguesa. Há uma proposta de usar a cor modulando a ação. No leito as duas ficam entre o vermelho do ambiente iluminado por abajour ou o negro quando apagam a luz. A citada aparição do sol por trás de uma demonstração de afeto banha a tela de amarelo & vermelho. Tudo a contar como a fotografia de Sofian El Fani, o mesmo de “O Segredo do Grão”, ajudou no objetivo.
Contudo, a cor azul, refletindo no título do filme(e da graphic novel), tem grande evidência nas imagens. Adele está sempre vestida de azul, é introspectiva, de aparência triste e se apaixona ao ver o cabelo azul de Emma destacado no meio da multidão. E quando esta abandona esse tom e passa a usar o louro (sintonia com o amarelo, alegria) é o momento do desentendimento entre elas, mas o diferencial entre as duas, uma instável/imatura enquanto a outra devidamente decidida no que quer. De temperamentos diferentes, a jovem quer manter as imagens do passado enquanto a outra espera arriscar-se pensando na libertação. Insegura, Adèle não encontra um novo amor, preferindo a solidão, mas seu futuro fica sem definição.
Um filme sobretudo importante que desafiou o moralismo de alguns no Festival de Cannes e consegui ganhar a Palma do Ouro. E se pensava que Steven Spielberg, presidindo o juri, iria negar esse prêmio. Mania de estratificar talentos.


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