sexta-feira, 18 de setembro de 2015

PROGRAMAS NOVOS NOS CINEMAS

“O Conto da Princesa Kaguya” (2014 ) uma animação japonesa


Apenas uma estreia nas salas comerciais, mas dois excelentes programas estão agendados para sessões nos espaços alternativos e, ainda, há continuação em cartaz, embora em uma única sessão de “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylarte, o excelente filme nacional já vencedor de prêmios em festivais e candidato a candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Entre os programas estão os seguintes
“Prova de Fogo (Maze Runner Scroch Trails, EUA,2015), lançamento internacional em copias legendadas e dubladas, segue “Maze Runner” o filme em que jovens buscam um oásis num futuro pós-apocalitico. Nesta versão Thomas (Dyan O’Brien) que é o líder compondo essa pessoa com todas as virtudes necessária (inteligente, corajoso, artífice dos planos e solidário) reúne os amigos que o acompanharam na fuga da Clareira e tendem a lidar com uma nova dimensão da realidade, haja vista que a Terra recebeu uma radiação solar inclemente, queimando sua superfície além de enfrentarem os Cranks, criaturas disformes que aspiram devorá-los vivos. Procuram pistas da organização C.R.U.E.L atravessando um deserto onde existem perigos que eles não imaginam. O objetivo é chegar a Scorch lugar deserto onde se esperam juntar-se ao grupo de combatentes enfrentando as forças superiores com obstáculos quase intransponíveis. Direção de Wes Ball e um roteiro de T.S. Nowlin. O publico alvo é o adolescente. Nos EUA o filme também estreia esta semana mas os críticos que já o assistiram não gostaram.
“Umberto D”(Itália, 1952) é o filme que Vittorio De Sica dedicou ao seu pai. Uma das mais humanas abordagens sobre a velhice. O personagem interpretado por Carlo Battisti (1882-1977) que era um diretor e ator austríaco protagoniza um antigo funcionário público que busca o mínimo de conforto para a sua aposentadoria. O inicio do filme capta-o num hospital, entre pessoas de sua classe. Depois, nas ruas, espelha a solidão e numa sequencia emblemática segura o cachorro que encontrara e que era o amigo obtido neste crepúsculo de vida, e tenta se matar adiante de um trem. O cachorro pressente o perigo e foge. Daí em diante não atende mais ao chamado do dono.
O filme está entre os últimos grandes clássicos do neorrealismo italiano. De Sica o considerava entre o que de melhor realizou numa prodigiosa carreira. De fato, uma obra-prima que merece ser revista ou conhecida. Exibição na Sessão Cult do Cine Libero Luxardo, no sábado, 19, às 16 h, dentro de um programa da ACCPA que pretende mostrar os clássicos da cinematografia mundial à nova geração de cinéfilos que desconhece essa parte da história do cinema.
“O Conto da Princesa Kaguya” ( Kaguyahime no Monogatari, Japão, 2014 ) é uma animação japonesa baseada no conto popular daquele país, "O corte do bambu". Kaguya era um minúsculo bebê quando foi encontrada dentro de um tronco de bambu brilhante. Passado o tempo, ela se transforma em uma bela jovem que passa a ser cobiçada por cinco nobres, dentre eles, o próprio Imperador. Mas nenhum deles é o que ela realmente quer. A jovem solicita aos seus pretendentes tarefas aparentemente impossíveis para tentar evitar o casamento com um estranho que não ama. Mas ela terá que enfrentar seu destino e punição por suas escolhas.
O filme é dirigido por Isao Takahata, 79, um dos membros do famoso Estúdio Ghibli, área de ação do mestre Hayao Miyazaki (de “A Viagem de Chihiro”, “Meu amigo Totoro” etc). Programa das sessões regulares do cine Libero Luxardo, a partir da próxima semana.
A qualidade de “Que horas ela volta?”(Brasil, 2015) levou a uma ampliação do número de salas que exibe o filme no território nacional. Em Belém o filme de Anna Muylarte prossegue na sala 3, do circuito Moviecom Pátio, exibindo-se em apenas uma sessão. Imperdível.


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

CARRINHO DE TRILHOS

"Carrinho de Trilhos" do diretor Hirofumi Kawaguchi


Raro exemplo do cinema japonês que chega até nós é este "Carrinho de Trilhos" (Torocco, Japão, 2009, 116 min.). Trata de Yumiko que acompanhada de seus filhos Atsushi e Toki, viaja de Tokio até uma cidade ao sul de Taiwan para entregar a seus sogros as cinzas de seu marido morto. Eles são recebidos pelo avô que fala japonês e vive suspirando pela “terra do sol nascente”. O irmão mais velho leva uma foto onde seu avô, ainda pequeno, aparece em um carrinho de trilho. Como o avô não se lembra do local, os irmãos começam uma busca para identificação do lugar aonde se acha trilho da foto. Quando acham geram um suspense posto que a mãe pensa que eles desapareceram de casa e podem ter sofrido algum acidente na mata próxima. A volta ao encontro dos familiares é dramática, pois os meninos fazem o longo percurso a pé e pouco conhecem a região. Um enredo derivado de um romance de Ryunosuke Akutagawa (1896-1927), autor de “Rashomon” ( seu primeiro conto e o filme de Kurosawa que revelou ao ocidente, em 1950, o cinema japonês). O diretor Hirofumi Kawaguchi é estreante. Notabilizou-se como roteirista e no Festival de Montreal foi considerado como a revelação do ano.
O filme se propõe a mostrar pessoas solitárias, seja o velho avô, saudoso do filho que chega em cinzas, mora com serviçais em um pequeno rancho. Seja também a viúva que transporta as cinzas do marido e não se sente bem longe de sua terra natal, e sejam os dois filhos dela, garotos que passam o tempo desenhando numa mesa ou tentando dormir. Este quadro é interrompido quando os meninos seguem um rapaz da vizinhança e acham o carro do trilho de que seus ancestrais falavam. O encontro se faz na mata, em local de difícil acesso, e ao verem o carrinho os meninos descobrem a diversão que lhes faltava: andar pelos trilhos até quando isso fosse possível (a clara metáfora de percorrer um caminho quando não se tem qualquer esperança de um rumo na vida).
O toque humano, que alguns críticos acharam ser de melodrama, exibe características de alguns mestres do cinema japonês como Ozu. Isto porque há uma predileção em explorar os comportamentos das crianças e do idoso. Deste último lembrei-me do homem do interior do Japão que visita o filho em Tóquio e sente-se deslocado, ao lado da esposa, porque o rapaz, ora pai de família, não lhe pode dar a devida atenção. O ator Liu Hong lembra o mesmo tipo.
Personagens carismáticos por seus dramas, os tipos deste “Carrinho de Trilhos” dão ao primeiro trabalho de seu diretor um quadro familiar que não se restringe a Tawain ou mesmo ao Japão lembrado de forma saudosa por alguns figurantes. O argumento pousa nos sentimentos das quatro pessoas (a mulher viúva, sogro solitário e filhos menores) que vão se encontrar numa decisão depois de uma situação dramática. Basicamente a história segue os meninos perdidos na mata, a aflição da mãe e o comportamento do avô que, depois do suspense pelo destino dos netos toma uma decisão com vistas ao seu próprio isolamento, mormente quando perde a esposa, sua velha companheira.
Um filme que nos chega de uma escola cinematográfica pouco conhecida, nestes tempos em Belém (antes o CC-APCC tinha melhor acesso a esses filmes), visto que hoje a produção oriental dificilmente se desloca das distribuidoras do sul e sudeste para exibição entre nós. A realização capturou toda a aventura das crianças em belas locações, considerando-se um exemplar excelente para um cineasta estreante e capaz de manter as qualidades que deve ter o origina literário.
“Carrinho de Trilhos” estará no Cine Olympia em sessões regulares (18h30) com apoio do Consulado Geral do Japão.


QUE HORAS ELA VOLTA?

Regina Casé em "Que Horas ela Volta?, de Anna Muyleart.

Não é novo, no cinema brasileiro, o enfoque do relacionamento entre empregada e patrão. “Romance da Empregada” (1987) de Bruno Barreto, “Domésticas - O Filme” (2001) de Fernando Meireles, e o excelente documentário “Domésticas” (2012) de Gabriel Mascaro (sete adolescentes registram o dia a dia da empregada com a família de cada um) expõe-se a posição de classe social, do estudo de casos refletindo o tratamento de “favor” que evidencia a relação patrão/empregada.
Em “Que Horas Ela Volta?” (2015) de Anna Muylaert a posição da relação entre as categorias – empregada e patrão – evidencia um enfoque até então difícil de emergir que é a violência simbólica se impondo sobre uma das categorias conviventes e entranhada fortemente nesta como relação natural entre as classes sociais.
No argumento, Val (Regina Casé) é empregada há anos em uma casa situada no Morumbi (SP), longe de sua única filha, Jéssica (Camila Márdila). Cria o filho dos patrões e realiza os serviços gerais da casa, morando num quartinho. Entre as brincadeiras com a criança e os afazeres, a integração com esta move uma válvula que se esconde por trás da pergunta ao tratar da mãe: “que horas ela volta?”
Bárbara (Karine Teles) é a mãe da criança que só é vista quando Fábio (Michel Joelsas) é adolescente. Trabalha fora e exerce o poder no ambiente não alcançado pelo marido Carlos (Lourenço Mutarelli) que se dedica à pintura. Jéssica – com quem a mãe só fala pelo telefone, está preste a fazer vestibular e se interessa em morar em São Paulo para se submeter à área de arquitetura. A partir daí a vida de Val, modulada pela rotina naturalizada de cuidar da casa entre cozinha, arrumação e lavagem de roupa, muda radicalmente, a começar com o fato de hospedar a jovem na casa da patroa, no pequeno quarto onde dorme.
A rebeldia de Jéssica ganhando o quarto de hospede na atenção que logo lhe devota o já idoso Carlos ganha corpo quando é empurrada para a piscina onde brincam Fábio e um colega, gostando do banho com isso expondo a reprovação de Bárbara e deixando irada a mãe. É nesse tom de convivência que o filme tende a apontar a absorção naturalizada do relacionamento entre patrões e empregados.
O roteiro do filme, muito bem construído, ressalta os enquadramentos, movimento de câmera. Começa com o fato que hoje parece estranho que é a constante filmagem com câmera fixa. Mas não chega ao modelo alemão da época de Fassbinder quando a câmera estática demorava a sequência à exaustão (como faz Abbas Kiarostami noutro lado do mundo). A regra é usar o ambiente no olhar que ele importa no drama das personagens. Assim se vê, por exemplo, um aposento de forma a deixar uma pequena margem para outro, no caso, patrões conversando na sala e, no corredor, a empregada ouvindo. Mas não é só o ato de focar o modo de bisbilhotar da representante de outra classe social: é justamente a divisão de classes num único foco.
Corredores escuros, a exiguidade do quarto onde dorme Val (a única janela abre para outro ângulo da casa), a piscina como símbolo do nível financeiro dos donos da casa, imagens de Anna Muylaert valorizando cada plano, esbanjando símbolos da divisão de classes. Há ironia no tratamento dado pela patroa como a dizer “faço o bem por ser bem servida”. O acidente que esta sofre abre outros ângulos sobre o afeto ao filho. Mas de todos os detalhes que espelham o trato nessa divisão o mais notável é quando Val no reconhecimento dessa diferença entra na piscina quase vazia (um detalhe importante no prisma critico) e passeia, alegre, atirando agua pelo corpo, falando no celular com a filha afirmando onde está como quem diz “proclamei minha independência”.

Não lembro um filme nacional dos últimos anos tão rico em sutilezas que denotam conhecimento de cinema. A paulista que também dirigiu “Durval Discos”, “Chamada a Cobrar” e alguns filmes para a TV, além de ter escrito roteiros de títulos memoráveis como “O Ano Em Que Meus Pais Saíram De Férias” e “Irmã Dulce”, sabe o que faz. E Regina Casé constrói o posto de melhor atriz do ano competindo internacionalmente. Um filme imperdível.