sábado, 30 de junho de 2012

SÓ COMEM AS PALAVRAS

Bruno Mazzeo,  Marcos Palmeira e Emilio Orciollo Netto, em "E ai, Comeu?"


As pornochanchadas da década de 1970 e início dos anos 80, no Brasil, fizeram grande sucesso. No auge do controle sociocultural e dos “bons costumes” que o golpe militar de sessenta e quatro impôs, a saída de alguns cineastas brasileiros foi “esquentar” a chanchada”, gênero “ velho de guerra” dos anos 60-70, com filmes de baixos orçamentos de produção, roteiros simples, prevalecendo as cenas eróticas (filmes softcore), humor escrachado e popularesco, tendo como grandes ícones dessa época, David Cardoso, Helena Ramos e Matilde Mastrangi. Embora saissem, em sua maioria, da Boca do Lixo , centro de São Paulo, o Rio de Janeiro também contribuiu com o gênero. Diretores promissores despontaram nessa vertente como Claudio Cunha, Alfredo Sternhein, Ody Fraga, Gean Garret, Neville d’Almeida, Fauzi Mansur entre outros. Atores e atrizes também surgiam nessas peças de cinema. Fugia-se da censura federal e deslocava-se estrategicamente as idéias da crítica social, deixando-se considerar filme pornô , embora as cenas de sexo explícito não comparecessem.

Mas porque lembrar agora da pornochanchada? É devido ao filme de Felipe Joffily “E ai, Comeu?” (Brasil , 2012) que o público está encarando como representante desse gênero , quando, ao meu ver, pouco se identifica com ele (mesmo porque o ambiente é outro). É adaptação de uma peça do escritor Marcelo Rubens Paiva, que contribui também como co-roteirista, apresentando três figuras – Fernando (Bruno Mazzeo), Honório (Marcos Palmeira) e Fonsinho (Emilio Orciollo Netto) que diariamente se reunem na mesa de um bar para tratar (ao que consta, pois só sabem falar disso) de como conquistar uma mulher e levá-la para cama. Numa conversa onde os termos chulos sintetizam o formato de uma aproximação ocasional com as mulheres, que eles dizem considerar como a maneira da caça sistemática dos homens a esse gênero, os três amigos vão expondo a vulgaridade com que reconhecem seu próprio mundo viril como sendo eles os conquistadores e as mulheres suas presas com as quais podem brincar e rolar numa relação fortuita. Sim, haja vista que cada um deles tem sua vida particular amorosa com a esposa, com a ex, com a ficante, mas reagem de forma diferenciada quando expoem suas dúvidas em “como caçar uma mulher”.

Com o palavreado demonstrativo do que fazem num corriqueiro encontro de homens quando se acham preteridos por suas amadas, dialogam expressando as bravatas de serem os melhores amantes e conhecerem os detalhes que lhes faz falta para a sobrevivência afetiva. A suposição que fica é de que toda essa carga de desejo se dá porque são as vítimas, sentindo-se autodefinidos em seus gostos, suas escolhas, visto que hoje, as mulheres não aceitam ouvir histórias grosseiras e “morrinhas”vindas da mesa ao lado da sua no bar. Enquanto elas se reunem alegrementee eles só têm esse único assunto para prosear.

Com as “receitas” que recebem através das declarações de Seu Jorge, o barman que está sempre contando suas conquistas femininas ao ser perguntado, desconectam-se de suas mazelas e criam maneiras de enfrentar seus problemas pessoais. No final, demonstram que as lições aprendidas tornam-os mais gentis, com uma solução que não é uma angústia à complexidade das mulheres que eles tanto debatem, mas porque sempre reforçaram os estereótipos da mulher-objeto na sua formação.

“E ai, Comeu” representa uma maneira de reproduzir e reafirmar a cultura do machismo, revelando-se uma peça fundamentalista usada como reforço aos comportamentos de modelos masculinos e femininos que o imaginário social ainda tem latente e que aflora com ferramentas mais sedutoras como a comédia. Na sessão em que assisti ao filme, presenciei garotas de 15 anos considerarem “normal” aqueles diálogos masculinos sobre mulheres, contrapondo-se à minha opinião porque estão acostumadas aos “programas de televisão”. Alguém vai me chamar de “chata feminista”, porque não compactuo com o deboche ao relacionamento afetivo a um preço tão vulgar.

Cinema? Não tem. Trata-se de uma peça de teatro filmada. Com os atores e atrizes se saindo bem de seus papéis e com dinheiro no bolso, pois, pela ficha técnica, a maioria está na produção do filme.


sexta-feira, 29 de junho de 2012

FESTIVAL DE FILMES DE TERROR - OLYMPIA

DRÁCULA (1932)


FESTIVAL DE FILMES DE TERROR

Dentro das comemorações do centenário do Cinema Olympia, de 03 à 29/07 será exibido um festival de filmes de terror que vai incluir clássicos como DRÁCULA e FRANKENSTEIN e também filmes de outras décadas como O BEBÊ DE ROSEMARY e CARRIE A ESTRANHA. A programação acontecerá de terça à domingo com sessão às 18:30h e entrada franca.
1ºSEMANA
DIA 03/07 – FRANKENSTEIN (1931) com Boris Karloff
DIA 04/07 – DRÁCULA (1932) com Bela Lugosi
DIA 05/07 - O LOBISOMEM (1941) com Lon Chaney Jr.
DIA 06/07 - O HOMEM INVISÍVEL (1933) com Claude Rains
DIA 07/07 - O MONSTRO DA LAGOA NEGRA (1953) de Jack Arnold
DIA 08/07 - A MÚMIA (1932) com Boris Karloff
2ªSEMANA
DIA 10/07 – O MONSTRO DO ÁRTICO (1951) de Christian Nyby
DIA 11/07 - OBSESSÃO MACABRA (1962) de Roger Corman
DIA 12/07 - A MOSCA DA CABEÇA BRANCA (1958) com Vincent Price
DIA 13/07 - MUSEU DE CÊRA (1953) com Vincent Price
DIA 14/07 - O MÉDICO E O MONSTRO (1943) com Spencer Tracy
DIA 15/07 - AS DIABÓLICAS (1955) de Henri Clouzot
3ªSEMANA
DIA 17/07 - O FANTASMA DA ÓPERA (1943) de Arthur Lubin
DIA 18/07 - O TÚMULO VAZIO (1945) de Robert Wise
DIA 19/07 - SANGUE DA PANTERA (1942) de Jacques Torneur
DIA 20/07 - A MORTA-VIVA (1943) de Jacques Torneur
DIA 21/07 – O BEBÊ DE ROSEMARY (1968) de Roman Polansky
DIA 22/07 – OS INOCENTES (1961) de Jack Clayton
4ª SEMANA
DIA 24/07 – A BOLHA ASSASSINA (1958) com Stevge McQuenn
DIA 25/07 - O ENIGMA DO MAL (1982) com Barbara Hershey
DIA 26/07 – OS OUTROS (2001) com Nicole Kidman
DIA 27/07 – A DANÇA DOS VAMPIROS (1967) de Roman Polansky
DIA 28/07 – NOSFERATU (1979) de Werner Herzog
DIA 29/07 – CARRIE, A ESTRANHA(1976) Ed Brian de Palma
*Programação inadequada para menores de 12 anos

terça-feira, 26 de junho de 2012

MADAGASCAR 3: MISSÃO RETORNO

“Madagascar 3: Os Procurados”

As franquias cinematográficas representam o âmago do comércio de gêneros. E não se diga que é um fenômeno norte-americano. Os japoneses, por exemplo, chegaram a produzir vários “episódios” de alguns de seus sucessos de bilheteria. Mas é na grande indústria de Hollywood que se multiplicam sequencias de filmes bem recebidos pelas plateias mundiais. Alguns exemplos: ”O Poderoso Chefão”,“Rocky um Lutador”, “Indiana Jones”, “Matrix”, “Alien”, e até animações como“Toy Story”.
“Madagascar 3: Os Procurados”(Madagascar 3-Europe’s Moss Wanted/EUA<2012) é mais uma aventura de animais que um dia fugiram do zoológico de Nova York para conhecer sua terra natal e passaram por aventuras que para eles não é possivel chamar de divertidas (foram, sim, para as plateias). Os desenhos da equipe do estúdio DreamWorks ganharam corpo num longa metragem de 2005 escrito por Martin Burton, Billy Frolick, Eric Darnell e Tom McGrath, com direção dos dois últimos. Ninguém esqueceu a música de Hans Zimmer e os pândegos e malvados pinguins. Pois essa trupe retornou em um filme de 2008 e agora ressurgem em uma terceira aventura conservando os diretores.

O que é esperado, geralmente, é um gradativo enfraquecimento da qualidade dos produtos que se apegam à repetição de histórias. Mas há exceções. “O Poderoso Chefão 2” complementou o primeiro, “Toy Story 3” foi melhor do que o segundo, a última etapa de“O Senhor dos Anéis”foi campeã de Oscar (11 ao todo).
“Madagascar 3” está na faixa da exceção. Aqui os amigos Alex, Marty, Melman e Gloria tentam desesperadamente retornar aos EUA. Mas acabam em lugares turísticos da Europa. A iniciar com a chegada a um cassino em Monte Carlo. Ali, explicitamente, desarrumam quando se mostram a grã-finos jogadores. Um milionário com uma roupa que se assemelha a uma ave ganha a preferência dos visitantes leão, zebra, girafa e hipopótamo. E o escândalo que provocam é medido pelo susto de se ver um leão, por exemplo, em uma casa de jogo.

Mas os heróis animais saem correndo (de carro com a zebra dirigindo) e vão bater em um circo italiano. Lá é que as maiores peripécias tem lugar. Se é comum em circo animais dentro de jaulas, domados por homens, aqui são animais espalhados pela arena e até pela platéia, substituindo equilibristas e palhaços. O problema é a guarda Chantel DuBois que os segue com a ferocidade do Inspetor Javert (personagem de “Os Miseráveis” de Victor Hugo).
O cenário europeu chega ao filme com mais aprumo do que se viu antes na África, ou mais precisamente, na pátria dos bichos do zoo novaiorquino. E os pinguins permanecem fazendo das suas, embora, desta vez, não sejam propriamente os vilões.

O filme é bastante divertido. E não deixa ponto final nas aventuras da bicharada. O retorno à America ainda pode gerar outra história. E a julgar pelo sucesso popular que este “Madagascar 3” obteve (por 3 semanas em primeiro lugar nas bilheterias norteamericanas), um “numero 4” pode ser esperado. Quem sabe a chegada dos amigos no lugar de onde fugiram pensando em melhores dias. Seria um modo de louvar o tratamento que se dá aos “hóspedes” dos zoológicos norte-americanos. Muito mais eficiente do que o que se viu na comédia ridícula que andou por aqui ano passado “Zelador de Animal”(Zookeeper/EUA 2011) de Frank Coraci.
REGISTRO

Lamentamos o falecimento de um grande intelectual paraense, Prof. Roberto Santos, com uma passagem brilhante pelo meio universitário e na pesquisa sobre a Amazônia, que lhe valeu o livro “História Econômica da Amazônia” (1800/1920). São Paulo: T.A. Queiroz, 1980, 358p, clássico da literatura sobre a região e obra citada nos mais variados trabalhos sobre o assunto e cenário para outros tantos. Foi um dos criadores do IDESP que deu muitos assuntos sobre o Pará, ao lado do prof. Amilcar Tupiassu e Roberto de Oliveira. Uma perda irreparável. Minhas condolências à familia.


segunda-feira, 25 de junho de 2012

DE SHAKESPEARE A TCHECOV, EM DVD

Cena de "Coriolano" (UK, 2011), de Ralph Fiennes

As indicações de títulos de vídeo para esta semana seguem o que se tem feito neste espaço, evidenciando desde os inéditos programas nas salas de cinema aos clássicos ou mais antigos filmes que são reproduzidos nessa mídia e na tevê fechada.
“Coriolano”(UK, 2011) marca a estreia de Ralph Fiennes na direção de um longa-metragem. Ator de 52 filmes, incluindo-se clássicos como “A Lista de Schindler” e “O Paciente Inglês”, Fiennes escolheu uma peça de Shakespeare pouco adaptada para as telas, atualizando a trama e deixando os diálogos do teatro. A ousadia, em roteiro de John Logan, deu a essa produção 10 prêmios internacionais (incluindo o Bafta inglês) e 6 candidaturas(como no Festival de Berlim). O próprio ator interpretou o polêmico personagem Caius Martius que depois de guinado a cônsul romano despreza o titulo, pois não afina com o povo, associando-se ao inimigo Tullus Aufidius (Gerard Butler) para um tratado de paz que não demora a ser desprezado levando-o à morte. O filme não chegou aos nossos cinemas, apesar de ser uma produção dispendiosa, com elenco de estrelas de onde sobressai a grande Vanessa Redgrave protagonizando a mãe de Coriolano. Em DVD estádisponível em edição normal e em bluray.

“Desejo Humano”( Human Desire/EUA, 1954) apresenta Glenn Ford dirigido por Fritz Lang, incorporando um ferroviário chegando da Guerra da Coréia. A trama mostra essa figura envolvendo-se com a esposa de um colega que louco de ciúmes mata o antigo patrão dela. O triangulo conjugal que se faz com a ameaça de se repetir um crime acaba envolvendo como vitima a própria mulher, interpretada por Gloria Grahame. O final é reticente quanto à punição do ciumento personagem vivido pelo veterano ator Broderick Crawford. Uma produção que foge ao modelo de sua época e apesar de não ser o melhor do grande diretor de “Metropolis” é um filme que não deve ser ignorado pelo cinéfilo de hoje.
“Corajosos”(Courageous/EUA,2011) é uma produção de uma igreja protestante. O enredo reúne quatro policiais amigos com idéias de prevenção ao crime onde há adolescentes. Estão convictos de que muitos malfeitores representam a falta de apoio paterno. Quando um desses policiais sofre a perda da filha de 9 anos em um desastre de trânsito ele acorre à igreja próxima de sua casa e assina um termo de responsabilidade paterna, achando que não estava cumprindo a sua missão de pai seja com a menina morta seja com o filho mais velho. Dai em diante envolve seus colegas na peleja de reeducarem-se dentro da família para se tornarem o que pretendem, ou seja, adeptos de uma nova visão de sociedade. O filme é escrito, dirigido e interpretado por Alex Kendrick, do Seminário Teológico Batista de New Orleans. Ele protagoniza Adam, o líder do grupo de policiais. Forte mensagem extremamente machista visto que praticamente ignora e excluia presença da esposa e mãe. Esta só se apresenta como a dona de casa que chora pelo marido e filhos. Narrativa (linear) que prende a atenção, mas marcando os vestígios das pregações de igrejas tradicionais.

“Sinfonia Fantástica”(Symphonie Fantastique/França 1942) é a biografia de Hector Berlioz consagrado compositor francês do século XIX. É uma raridade e por isso chama a atenção do cinéfilo . O diretor é Christian Jacques (1909-1994) conhecido por obras como “Fan Fan La Tulipe”(1952) e por uma das melhores comédias como Totó: “Contrabandista à Muque”(La Lopi C’est La Loi/França e Italia 1958). O grande problema é aceitar o mimico Jean Louis Barrault(de “Boulevard do Crime”/Les Enfants du Paradis/1945) como Berlioz, estudante de medicina que se introduziu no mundo da música. O excelente mímico Barrault por sua própria figura não convence como um amante de mulheres de um tempo. O filme visto pelo olhar de hoje é um exemplo do cinema que era produzido na França antes da “nouvelle vague”.
“A Pequena Lili” (La petit Lili, França, 2003, TV Monde), de Claude Miller, foi indicado à Palma de Ouro em Cannes.Inspirado na peça “A Gaivota” de Tchecov, trata de juventude e maturidade. Um jovem se angustia com seus familiares, todos ligados ao cinema, apontando-lhes a decadência quando se submetem às fases tradicionais do “fazer cinema”, em especial, a produção, obrigados a adequar suas ideias de roteiro, garantir atores conhecidos etc., para “vender” o produto. É metacinema, como se diz. Muito interessante. Miller foi assistente de Jean-Luc Godard. Faleceu este ano aos 70.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

REVER CHAPLIN

Carlitos, o vagabundo, em "Luzes da Cidade"

Como parte das comemorações do centenário do nosso cinema Olympia está acontecendo uma retrospectiva da obra de Charles Chaplin. Creio que é um dos pontos mais altos dessas comemorações. Carlitos, o tipo criado por Charles Spencer Chaplin, é o símbolo do próprio cinema. Com seus sapatos de bico longo e furados, a calça escura e larga, o chapéu de feltro e a bengala, o vagabundo que vive fugindo dos guardas e ajudando os mais necessitados que ele, é o personagem mais carismático da “arte das imagens em movimento”.
No programa desta semana estão: “O Garoto” (The Kid), no dia 21, “Em Busca do Ouro”(The Golden Rush), dia 22, “O Circo”(The Circus), dia 23 e “Luzes da Cidade”(Citylights), 24.
“O Garoto” foi o primeiro longa-metragem do Chaplin. A história é simples: mãe solteira, de classe alta, procurando se livrar de um escândalo na família, abandona o filho na rua. Carlitos o acha. E passa a criar o menino dentro de suas posses. Vê-se o garoto aos 5 anos atirando pedras nas vidraças das casas para o pai adotivo, um vidraceiro, consertar. E a comicidade no drama passa desde cedo no modo como Carlitos cuida da criança, dando-lhe a alimentação na mamadeira. Quando chega o dia em que a mãe aparece, a polícia obriga o vagabundo a entregar o filho abandonado e resta a sequência pungente do menino chorando num carro e Carlitos abrindo os braços em sua direção.
O filme foi realizado no estúdio Keystone, em 1921. Pouco depois Chaplin fundaria com os colegas Douglas Fairbankse e esposa a atriz Mary Pickford, além de David Griffith, o “pai da linguagem cinematográfica “ a Companhia United Artists. O filme seguinte, que será apresentado na sexata feira, foi a primeira produção de Chaplin para a nova companhia. O cinema era mudo, o cineasta sentia-se feliz por se expressar pela imagem. Era assim que ele entendia a arte cinematográfica. E “Em Busca do Ouro”(The Golden Rush), seu filme preferido, deixou sequências marcantes como a dança dos pães espetados em garfos, a de Carlitos vestido como um frango e assm visto pelo faminto companheiro de mineração, a da casa construida numa ladeira, com que as pessoas se arrastando de um lado para outro. Este filme, aliás, é o único que apresenta um happy end. O vagabundo termina com a sua eleita. Na vida real foi dramático, pois o ator-diretor foi levado a juízo como pai do filho de sua atriz (que ele negava ser seu).
“O Circo” (The Circus) mostra Chaplin na sua origem, o picadeiro de um circo. Como em outros filmes há uma parte sentimental, com o vagabundo se apaixonando pela estrela do picadeiro. Ela ama outro e o final mostra a desolação: o circo vai embora e resta Carlitos sentado no espaço que abrigava a armação de lona.
Obra-prima é “Luzes da Cidade”(Citylights). Realizado em 1932, quando já havia se instalado o cinema sonoro, a aventura do vagabundo que tenta ajudar uma florista cega deixa risos e lágrimas na plateia. Risos em mais de hora e meia de projeção. Lágrimas no final, quando a mocinha já consegue ver e descobre que seu protetor era um pobretão e não um “príncipe encantado”. Ele saia da prisão, está sujo, triste, e agarra uma flor que ela lhe dá, encosta no rosto e sorri. Um riso e uma lágrima deixa no fotograma o equivalente cinematográfico da Gioconda de Leonardo Da Vinci – ou, como querem alguns, a Pietá de Michelangelo. Esta sequência é um desafio ao cinema sonoro, com apenas ruídos na faixa e a canção “La Violetera”.
SILVÉRIO MAIA
Comemorando aniversário no dia de ontem, 20/06, o maestro Luis Silvério Maia (com mestrado na Escola de Música da Bahia), presentemente em João Pessoa (PB) com as queridas Edith, Sarah e agora netinho e genro. Começo dos festejos nos abaetés em 13, dia 20 é uma data que faz parte dessa comemoração do coração. E para quem está longe um abraço que o vento leva e envolve o querido amigo, com votos de muita saúde e paz para essa grande família.

AINDA PROMETHEUS


Retornando ao filme “Prometheus” (2012) trato agora do argumento do mesmo.
A atriz sueca Noomi Repace, que foi candidata ao Oscar deste ano por seu desempenho em “Millenium, os Homens que Não Amavam as Mulheres”, protagoniza a arqueóloga Elizabeth que segue na astronave Prometheus para descobrir se as pinturas rupestres encontradas num mundo distante, sendo semelhantes às vistas nas cavernas terrestres habitadas por trogloditas, revelariam a origem do homem. A personagem é muito importante não só na trama como na concepção filosófica (e religiosa) que o argumento apresenta. Elizabeth usa um cordão com um crucifixo que pertencia a seu pai. Ela é criticada pelos colegas de viagem que não concebem a teoria criacionista. Mas é a fé da jovem arqueóloga que a salvará de muitos perigos. A iniciar quando engravida de um ET e faz uma cesariana (é impressionante a operação realizada por robô dentro da nave) retirando de seu ventre um ser disforme que fica dependurado na câmara cirúrgica especial. Em seguida, ela descobre um habitante do planeta hibernado em uma caverna cheia de múmias e este se mostra violento, matando a maior parte dos tripulantes da espaçonave. Esta figura é muito parecida com a que se vê no prólogo do filme, deixando o enigma de que a sequência ocorreu no planeta Terra e que esses seres já estiveram em nosso mundo e foram eliminados por alguém em algum tempo.
Os cientistas que descobrem vida no planeta de outro sistema solar se irmanam aos colegas que ali estiveram e deram margem ao outro filme de Ridley Scott “Alien o Oitavo Passageiro” em 1979. Os extraterrenos podem invadir os corpos das pessoas e, o que se vê nas cenas de ação do novo trabalho do mesmo diretor, é o mesmo que foi explorado anteriormente. Mas o espírito de decisão de Elizabeth fortalece-a fazendo-a escapar de tudo e de todos e ainda sugere que a sua nave deva se chocar com a do ET que decola possivelmente com destino à Terra. Ela não cessa a sua busca pela origem da vida e as últimas cenas do filme mostram que a jovem cientista prossegue viajando, no caso, tentando chegar mais perto da resposta que decidirá se o homem é produto da evolução de espécies ou foi criado por uma divindade.
As investidas filosóficas e as indagações sem respostas promovem “Prometheus” a uma ficção cientifica acima da média, ou seja, além da amostragem de monstros que chegam do espaço para devorar os homens. Mas essas medidas dos roteiristas (de Scott, que orientou a produção em detalhes, sensibilizando os produtores ligados a 20th Century Fox) são apenas estimulantes para os cinéfilos mais exigentes. Na verdade, o filme que está em cartaz usa elementos para seduzir plateias que se deleitam com os blockbusters das últimas temporadas. E como estes se apoiam nos efeitos digitais, aliados ao fascínio da 3D. Realmente, a direção de arte espera-se na amostragem do interior da nave espacial e, mesmo na caverna, onde residem os seres estranhos que poderiam ser os nossos ancestrais.
No seu aparente propósito em conteúdo “Prometheus”não responde ao que invoca e deixa furos como já mencionei ontem tratando da viagem espacial de longa distancia. Mas o que Scott omite é, na verdade, uma medida muito esperta: ele abre espaço para uma sequência. Se “Prometheus”é prequel de “Alien” o que virá vai encadear os filmes. E se o passado da aventura, que gerou 3 continuações, nada concluiu, não se deve esperar que alguma promessa se renove. É o velho esquema de estimular o interesse por algo que será sequenciado com outros elementos e, assim, o círculo se torna envolvente e viciante. Esse sempre foi o“colirio” usado pela grande indústria como estímulo ao olhar do público para a circulação deste no comércio cinematográfico em busca de um produto que o fascine como o filme.
Os pontos altos de cotação dados por certos críticos norteamericanos a “Prometheus” se contabilizam pela criativa arte da tecnologia que se torna também propulsora do encanto das platéias. Há que se ver, também, que o “insight” de considerar a fé em um elemento de incentivo á pesquisa pela origem do ser, não deixa de ter sua contribuição nesse interesse quando tudo o mais não interessar.


terça-feira, 19 de junho de 2012

PROMETHEUS


"Prometheus", de Ridley Soctt e a idéia do criacionismo.
O chamado prequel, ou seja, episodio de franquia que retroage visualizando personagens e situações antes de surgirem no que foi visto, é uma nova fórmula da indústria cinematográfica para auferir lucros. Foi assim que ocorreu e foi visto no que seria o inicio de “O Exorcista”(1973), de “Psicose”(1960), de Indiana Jones (1981), de Batman(1989) e mais um universo de histórias a perseguir outras que geraram filmes marcantes.

“Prometheus”(EUA/2012) é uma prequel não explícita de “Alien, o Oitavo Passageiro” (Alien/EUA, 1979), do diretor Ridley Scott. Ele por varias vezes tentou voltar ao tema de seu filme de ficção cientifica que gerou pelo menos 3 outros de vários diretores (de James Cameron a Jean Pierre Jeunet passando por David Fincher). Seria, no mínimo, incômodo para o cineasta voltar ao assunto, ainda mais com a morte de sua principal personagem, a astronauta Ripley (Sigourney Weaver, que chegou a produzir o terceiro filme da série). Por isso imaginou, com os roteiristas Jon Spaihts e Damon Lindelof (este último egresso da TV onde colaborou na série “Lost”), uma viagem ao planeta habitado pelos estranhos seres que se inseriam nos corpos dos astronautas. O objetivo seria diferente: ao invés de se tratar de uma nave de carga que socorria outra perdida nesse mundo estranho seria uma de caráter eminentemente científico, disposta a descobrir pinturas rupestres que sabiam existir em cavernas desse planeta distante muito semelhantes a que foram encontradas na Terra e atribuidas à criação do homem primitivo.

O interesse da idéia passaria por inverossimilhanças, como as naves espaciais apresentarem ruídos no espaço (sabe-se que o som não se propaga no vácuo) e, também, pela possibilidade de uma jornada até a um planeta de outro sistema solar com uma só tripulação, sem mudanças, ou seja, viajar numa velocidade fictícia, acima da luz (é sabido que a luz é o limite e que além de sua velocidade a matéria se transforma em energia). O caso não reprisa o raciocínio dos autores de “Star Trek” que imaginam viagens siderais através de buracos negros ou um viés que neutralize as dimensões tempo e espaço.
Mas Ridley Soctt e a dupla roteirista não quis produzir uma “sci fi” mais “sci” do que “fi”, ou seja, prender seus heróis em dimensões realistas. Seria um moderno conto de fadas com meta diferente: buscar a origem da vida, não só discutir a Origem das Espécies de Darwin, mas ir ao encontro do criacionismo, debatendo preceitos religiosos e filosóficos.
Em primeiro lugar, considerei o filme como demasiadamente pretensioso. Logo na primeira sequência há um enigma. Um ser atlético, de forma humana, está à beira de um abismo e de um objeto extrai um receptáculo ingerindo a substância lá contida. Logo se engasga, vomita, vê-se seu corpo se transformar em vasos de paredes escuras e em seguida despenca no mar. Fica por aí a exposição. Logo se passa para a nave Prometheus (que quer dizer “antevisão”, ou “luz”, pois, segundo a mitologia grega Prometeus era um deus condenado por Zeus por roubar-lhe um facho de luz para dar aos homens). Essa nave está a caminho do planeta das pinturas rupestres. Mas ele abriga, na base de uma pirâmide, seres mumificados e um outro hibernado que lembra o ser que se viu na primeira sequência. Este se mostra agressivo. E muitos astronautas morrem sugados por gosmas ou atacados por este ET gigante.
Como o filme de Scott encerra múltiplos detalhes, deixo para amanhã tratar do filme propriamnete dito.

Não sou fã desse tipo de filme, contudo, o leitor é quem está na base da minha responsabilidade em construir com detalhes o que vi na criação deste diretor que embora apresentando uma instável obra, tem alguns interessantes como “Blade Runner- O Caçador de Androides” (1982), “Thelma e Louise” (1991), “Gladiador” (2000). Presentemente, com seu irmão Tony Scott, revela-se instigante na série de tv fechada “The Good Wife – Pelo Direito de Recomeçar” (Universal Channel), a qual assisto, interessada no envolvimento da personagem Alicia Florrick (Juliana Margulies, que já foi premiada com o Globo de Ouro em 2009).

AS FACES DO DVD

"Gerry", de Gus Van Saint.

Filmes realizados há muito tempo só alcançam os cinéfilos locais agora, com a edição em DVD. É o caso de “Um Garoto na Multidão” (Um Enfant dans la Foule/França,1976) terceiro filme dos 9 que o ator Gérard Blain (de “Os Primos”) dirigiu. O assunto, vindo de um roteiro do próprio diretor e de Michel Perez, trata de um menino órfão de pai que não se dá bem com a mãe, pois, não aceita ser governado, fazendo amigos entre nazistas e aliados na Paris do final da 2ª.Guerra. A direção exige muito dos atores Jean François Cimino e César Chaveau, que interpretam o personagem Paul, respectivamente, na infância e na adolescência. O próprio Gérard Blain tem uma aparição na sequencia final, quando, na rua, pede um cigarro ao jovem Paul. Um filme interessante por ressaltar o papel de pessoas humildes entre facções opostas, mantendo-se à margem numa guerra cruel. Foi candidato a prêmio de diretor no Festival de Cannes do ano da produção.

Outro filme inédito, “Gerry”(EUA/2002) é uma experiência do diretor Gus Van Sant, com atuação e roteiro de Matt Damon e Casey Affleck. Os dois protagonizam aventureiros que tentam uma via de acesso em um deserto, mas erram o caminho da volta. O filme inicia com uma sequência de mais de cinco minutos do carro em que viajam os dois amigos e do mesmo nome(Gerry). Eles não conversam e a alternância de planos é para o carro andando e poucas tomadas do interior com os dois nos bancos dianteiros. A sequência seguinte é a caminhada no deserto. São poucas alternativas numa perspectiva de andar, andar, andar. Não há música descritiva nem diálogos que traduzam o drama de quem está condenado a morrer de sede e insolação. O filme inteiro é uma paciente amostragem da gradativa quebra de resistência do ser humano em ambiente inóspito. Compará-lo com “Ouro e Maldição” (Greed), por exemplo, parece-me precipitado. O trio (Van Sant e os dois intérpretes e roteiristas) não se importa com recursos cinematográficos que tornem menos árdua a visão do filme. É como se a narrativa compartilhasse com o que vivem os personagens. Métrica diferenciada e muito importante.

ACYR

O veterano critico de cinema Acyr Paiva de Castro, amigo de longa data que marcou o cenário intelectual da cidade sendo Secretário de Cultura, membro da APL e do IHGP, além de fundador da associação de críticos (APCC), festeja hoje os seus 78 anos de vida. Parabenizo-o pela data lembrando que a sua atuação no movimento cinematográfico local foi muito importante até porque foi o primeiro critico a fazer programa da televisão no Pará e o primeiro a manter coluna diária só sobre cinema em um jornal local (antes havia coluna que também abrigava teatro como “Palcos e Telas” de Theodoro Brazão e Silva). Um grande abraço, Acyr, extensivo à irmã Marilda que o acompanha em todas as horas.

sábado, 16 de junho de 2012

O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS


Gary Oldman em "O Espião que sabia Demais"
A crítica internacional comenta que “O Jardineiro Fiel” (2005), de Fernando Meirelles, é a melhor adaptação de um livro de John Le Carré (o segundo posto seria do “O Espião que Saiu do Frio”/The Spy Who Came In From the Cold/1965 de Martin Ritt). Com “O Espião que Sabia Demais”(Tinker Tailor Soldier Spy/UK 2011) passa bem o conhecimento que o escritor adquiriu quando foi diplomata no início dos anos 60. Os meandros de um serviço secreto foram captados e bem jogados na tela por um roteiro denso de Bridget O’Connor e Peter Strauham. Não é um filme que se preocupe apenas com a fórmula usual do gênero “espionagem”. Foge do thriller, das cenas de ação, e se concentra não só na trama em superfície como quer ver a arquitetura psicológica dos tipos apresentados, como eles reagem de acordo com os seus temperamentos.

Nas primeiras seqüencias, o filme revela que há um agente duplo no Circus, alto comando do serviço secreto britânico (o MI-6). Por isso, o veterano George Smiley (Gary Oldman) é guinado a descobrir quem é este agente que envia as informações sigilosas para os soviéticos. A desconfiança parte de Control (John Hurt), chefe dessa divisão de elite do MI-6 e que não tem condições de continuar a investigação.
Smiley está se aposentando do Circus depois de concluir que uma das quatro pessoas com quem trabalhou em Budapeste é o espião. Para isso, solicita a ajuda de Peter (Benedict Cumberbatch), outro veterano, mas ainda ativo no serviço secreto. Não será fácil desvendar o caso e essa tarefa, por ser minuciosa, ganha o equivalente em imagens segundo o diretor sueco Thomas Alfredson (do muito bom “Deixa Ela Entrar”). É uma narrativa não linear que obriga muita atenção do espectador. Talvez por isso, por introduzir uma narrativa dos eventos de forma segmentada e ela, em si, ganhar diversos rumos, complicando um raciocínio rápido, a bilheteria mundial tenha sido fraca. Mas felizmente os cinéfilos mais exigentes descobriram o trabalho e ele chegou a dar ao veterano Gary Oldman uma candidatura ao Oscar, assim como a música e o roteiro. Este roteiro também foi candidato e ganhou o Bafta (Oscar inglês) e o filme chegou a colecionar 15 prêmios internacionais e 43 indicações.

“O Espião que Sabia Demais” é um jogo que o espectador é convidado a jogar como um filme de detetive quando a meta é descobrir um criminoso. Mas imaginem Sherlock Holmes delineando as pistas ao mesmo tempo em que se apega a seus problemas de saúde onde se engloba alterações de ordem psicológica. O papel de George não sai por menos. Gary Oldman compõe muito bem o homem que investiga colegas quando desejava descansar de um posto onde é forçado a isso. Há muitos detalhes de seu rosto, o tom da imagem é geralmente escuro, o enquadramento opta pela contraposição de grandes espaços, há uma tentativa de cinema introspectivo que em historia potencialmente de ação é um desafio. Não conheço o original literário, mas o filme de agora deixa supor esta profundidade temática. Aliás, isso é percebido no “Espião que Saiu do Frio”(1965) de Martin Ritt. Mais ainda por ter sido realizado numa época em que a linguagem linear era como uma obrigação da indústria. Por tantas qualidades, o novo “Espião...”foge ao comum. E deve ser visto.
Este enfoque sobre o filme mostra o diferencial que o segue na sua realização. Filme de espionagem geralmente tem um liame de suspense, mas o que delineia uma narrativa mais criativa é, justamente, o envolvimento com o processo fílmico de demonstrar que o que deveria ser não é, usando a câmera. Nos primórdios do cinema, o fato de um filme ser conduzido pela lógica do suspense, favorecia uma linguagem nascente diferenciada daquela que era exibida na versão linear, pois, o filme de suspense tinha lógicas criativas , sem movimento de câmera, mas saltando de um lado para outro para demonstrar outras ambiencias a procura do que estava sendo investigado. Esse é um dos detalhes que Flávia Cezarino Costa esboça em “O Primeiro Cinema” (Scritta, SP, 1995) quando trata de “espetáculo, narração, domesticação”.

Assistir a “O Espião que Sabia Demais” não deixa de ser uma maneira de estudar o “cinema de gênero”, verificando as diferenças.


terça-feira, 12 de junho de 2012

NAMORADOS NO CINEMA

Lawrence Olivier e Merle Oberon em "O Morro dos Ventos Uivantes", o clássico filme adaptado de Emile Brontë

No Brasil, o dia dos namorados tem uma comemoração mais sintonizada com os festejos do “santo casamenteiro”, Santo Antonio. Noutros lugares, a data alcança a origem que foi a homenagem a S. Valentim, um bispo católico que viveu no fim da Idade Média e lutou contra as ordens do imperador Claudio II que havia proibido casamento durante as guerras acreditando que os soldados solteiros eram mais produtivos. Valentim foi preso e na prisão chegou a curar uma jovem cega por quem se apaixonou. O dia de sua morte, 14 de fevereiro, passou a ser consagrado aos namorados. Mas no Brasil ficou melhor a vespera de Sto. Antonio.
O prologo é para chegar ao objetivo da coluna dedicada a cinema. Sabendo-se que os filmes, desde os primeiros tempos da cinematografia, são pródigos em registrar namoros ou relacionamentos amorosos, resolvi lembrar os mais conhecidos, ou os mais significativos desse gênero. E pensei em lembrá-los por países produtores.

Começando com a sede da grande indústria ciinematográfica, os EUA. Como o número de filmes norte-americanos em que se observam pessoas apaixonadas é imenso, achei bom lembrar os exemplares da fase muda e da fase sonora. Da primeira, não hesito em nomear “Aurora” (Moonrise/1928) de F. W. Murnau. É impossivel esquecer o relacionamento do camponês (George O’Brien) e sua amada (Janet Gaynor). Ao se deixar seduzir por uma outra (Margaret Livingstone) ele pensa até mesmo em matar a companheira. Mas se arrepende e o reencontro dos dois é um poema que Murnau focaliza em imagens evidenciando a origem da arte desse autor, o expressionismo.
Da fase sonora penso em “O Morro dos Ventos Uivantes”(Wuthering Heighs/1939) de William Wyler, com roteiro de Charles McArthur e Ben Hetch, baseado no romance de Emile Bronté. O então jovem diretor John Huston também colaborou nesse roteiro. Não é fiel ao original literário, mas o seu poder de sintese reflete muito bem a paixão de Heatchcliff (Laurence Olivier) por Cathy (Merle Oberon). É célebre o momento em que ela define o seu amor por ele dizendo “I am Heatcliff” (eu sou Heatcliff) – e nessa hora o plano ilumina-se com um relampago, recurso para evidenciar a confissão de amor. Criticado por reinterpretar o texto de Bronté, especialmente por sintetizá-lo, o filme conseguiu brilhante efeito com a imagem do casal amante caminhando em espirito pelo cenário de sua paixão. Só assim conseguiram ser felizes visto que, de classes sociais diferentes, a sociedade da época não aceitar aquela união.

Do cinema francês eu lembro “A Historia de Adele H”(L’Histoire d’Adèle H/1975) de François Truffaut onde o amor preside a odisséia da jovem filha do escritor Victor Hugo (Isabelle Adjani) que se lança numa aventura desastrosa atrás de um militar por quem se apaixonou.
Do cinema sueco, há “A Última Felicidade”(Hon Dansade en Sommar/1951) de Arne Mattson, a história do namoro de um estudante de Estcocolmo com uma camponesa (Ulla Jacobson) que é morta atropelada por um religioso que via pecado nesse relacionamento. Como se vê, o amor é sempre visto por certas práticas religiosas como o “pecado” de quem ama e principalmente se fora dos padrões e códigos da época.

Do cinema italiano lembro de “No Limiar da Realidade”(Il Sogno nel Cassetto/1956) de Renato Castellani ficando a ele, também, a honra de ter realizado a melhor versão de “Romeu e Julieta”(Giulietta e Romeo/1953). O filme sobre jovens que ousavam enfrentar os problemas da constituição de uma familia sem meios para isso, contando apenas com o mor que os unia é bem um exemplar do periodo neorealista.
E pedindo licença ao espaço; “Quando Voam as Cegonhas”(Russia), “Desencanto”(Inglaterra), e o brasileiro “Inocência” de Walter Lima Jr. com roteiro de Lima Barreto inspirado no texto do Visconde de Taunay.

Aos que amam, penso que cada um/a tem seu filme de amor preferido. Alguns acreditam ser “Love Story”, outros, “...E o vento Levou” e ainda outros “O Casamento do meu melhor Amigo”. Fico com “Luzes da Cidade”(1931), de Chaplim, “Asas do Desejo” (1987) de Win Wenders e “Casablanca”(1941), de Michael Curtiz . Cada um mostrando um tipo de amor romântico que é o suporte para a narrativa, mesmo que no final, alguns não se padronizem na clássica frase” felizes para sempre”.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

BONS LANÇAMENTOS EM DVD

“Ricky”(França, 2010), dirigido por François Ozon


Assistir a filmes inéditos em cópia DVD preenche as noites para as quais dedico essa atividade que para muitos/as é somente lazer, mas para mim tem mais um significado que é o “mandar o recado” aos leitores deste espaço, meus fieis 7, no dizer do saudoso colega Joaquim Antunes. Tenho sido privilegiada com filmes ainda não exibidos em Belém, de produção francesa ou, mesmo, de um grupo alternativo de cinema. Isso é importante. Foi o que me fez relacionar alguns desses programas.

Veja-se “Ricky”(França, 2010). Esse filme surpreende quem pensa se tratar de uma comédia ou de um melodrama envolvendo criança. Dirigido por François Ozon, prolífico cineasta que em meio à obra irregular tem alguns títulos excelentes como “Sob a Areia”(Sous la Sable, 2000), mexe com o chamado “realismo fantástico” baseando-se em um conto chamado “Moth”, de Rose Tremain, com roteiro do próprio diretor. O que se pode contar da história é apenas isso: Katie (Alexandra Lamy) é a mãe solteira de Lisa (Melusine Mayance) quando conhece o imigrante Paco (Sergi Lopez) e vivendo com ele nasce Ricky (Arthur Peyret). Um dia ela pensa que o menino está machucado nas costas, culpando o pai que fica com ele quando ela trabalha. Mas não é bem isso. Logo o menino de meses de nascido revela uma “anomalia”que espanta os pais e seduz a mídia.
Ao assistir a “Ricky”, vislumbrei elementos de “O Menino dos Cabelos Verdes”(The Boy with Green Hair/EUA,1948) de Joseph Losey. Ali o enfoque de uma criança fora dos padrões considerados normais era sobre seus cabelos, de repente transformando-se em verdes. Devido a isso o menino, de 12 anos, era marginalizado. Em “Ricky “ é outro detalhe físico com uma tendência inspiradora de mostrar o processo de liberdade aspirada pelo ser humano: o menino voa. A diferença é que a trama envereda por um caminho poético não se contentando com a crítica ao preconceito ou a estereotipia de padrões. E o mais importante: há aceitação dos próprios familiares que enxergam mais além do que uma simples deformidade física. Esse novo sentido do garoto faz com ele aspire muito mais do que a natureza humana lhe dá. Uma realização simples que emociona. Não sei como foi ignorada por uma ala da critica internacional. Faltou sensibilidade nas análises correspondendo ao que desejou o cineasta. E o menininho Arthur é a amostra feliz da criança eutrófica, ou seja, saudável e bonita.

Outro filme francês de bom nível chegado em DVD: “A Criança da Meia Noite”(Le Permisson de Minuit/2011) de Delphine Gleize. Trata de um dermatologista que tem há anos, como paciente, um menino que possui uma rara doença hereditária implicando a proibição de ele se submeter aos raios solares. Não é um replay de “O Menino da Bolha de Plástico”, mas o drama de um jovem que vai ganhando tempo com o uso de máscara para sair na rua e o encontro com uma garota que lhe vai dar atenção e afeto. A doença é ainda incurável e o médico é indicado para assumir um posto em outro lugar aceitando a indicação da OMS. Supondo que será abandonado pelo doutor amigo, o menor se revolta. Entre a relação médico-paciente e a trajetoria pessoal de quem é confiavel nessa relação, emitem-se idéias ao público mostrando a responsabilidade na carreira profissional em dois ângulos: a coletiva e a pessoal.
Bons desempenhos e narrativa fluente pedem a participação do público. Não é só uma história de “plantão médico”, mas um drama que se lança em vários fatores como a amizade, a socialização, o primeiro romance, o preconceito, a dor. Vale a pena conhecer.

“Cinema Verite”(EUA,2010) surpreende na abordagem de uma espécie de Big Brother nos anos 60. Um cineasta se propõe a fazer um filme realista sobre uma família norte-americana. Seleciona esta família por achar elementos dignos do tema e passa a filmar os elementos em diversos ramos de atividades. Mas a captação do “reality” acaba surpreendendo as falhas da harmonia conjugal. E o cineasta acha que isso vai enriquecer o projeto com o sensacionalismo que o acompanha. A perda do foco temático e a inversão do que espera extrair para evidenciar o “modelo norte-americano de familia” revelam-se devastadores nessa ambiência. Trata-se de um caso ocorrido em um programa de reality show, contrapondo-se, no final, os personagens reais e os protagonistas do filme. Bons trabalhos de todo o elenco (especialmente de Diane Lane e Tim Robbins) e direção segura de Shary Springer Berman e Robert Pucini.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

SEMANA SEM ESTRÉIAS NO CIRCUITO

Pierre Clementi em uma cena de "Pocilga" , filme de Pier Paolo Pasolini a ser exibido no IAP, segunda feira, IAP.

Os dois circuitos comerciais da cidade – Cinépolis e Moviecom - não vão lançar filmes novos esta semana. Haverá apenas uma pré-estreia, a de “Prometheus”, a nova ficção-cientifica de Ridley Scott, lembrando o seu “Alien, O Oitavo Passageiro”.
Na área extra há o programa de musicais, no Olympia, o excelente “Violência e Paixão” no Cine Estação em suas últimas exibições de hoje a domingo, e o polêmico “Pocilga” de Pier Paolo Pasolini, no Cine Clube Alexandrino Moreira (IAP) na 2ªfeira.

Haverá, ainda, a Sessão Cinemateca do Olympia, na tarde de domingo, com o clássico “O Mágico de Oz”, de Victor Fleming, com Judy Garland.
Não vou adiantar comentário sobre “Prometheus”, bastando dizer que o roteiro enfoca astronautas terrestres em viagem a outro planeta por acharem que pinturas rupestres achadas em cavernas têm a ver com a presença de extraterrestres no passado do nosso mundo. Os fãs do gênero não vão perder. O filme chega na hora em que Ray Bradbury, o escritor de “sci-fi” está sendo lembrado visto ter falecido na terça feira última, aos 91 anos. Dele, entre tantos clássicos da literatura especifica adaptador para o cinema há o famoso “Fahrenheit 451”, filmado em 1966, dirigido por François Truffaut, com base  no livro que escreveu em 1951.

“Pocilga”(Italia, 1969) é um filme polemico de Pasolini. No argumento, um homem é preso por canibalismo, tendo comido o próprio pai. Noutra historia, o herdeiro de um industrial na Alemanha pós-guerra desgosta-se da vida em sociedade e passa a viver com os porcos em sua fazenda. No Brasil dos “anos de chumbo” o filme foi alvo de muitos cortes efetuados pela censura, mas foi exibido no Cinema I e no Cineclube APCC. O grande Pasolini sempre foi irreverente em seus temas e na narrativa que expressava os assuntos que ele considerava importantes para quebrar os modelos tradicionais que circulavam transacionalmente nos filmes. Nessa audácia de inverter os pontos da linguagem para romper o fel dos resistentes sempre foi um autor que impressionava pelos gritos que dava na arte que criava: cinema, textos, poemas. Mas somente poucos chegavam a olhar dentro dele por essa forma criativa de ser. Não fosse isso e ainda estava entre nós. “Pocilga” é um dos seus emblemas dessa irreverência com simbologias que se expressam a cada tempo.
A mostra de musicais ora em exibição no centenário Olympia tem hoje “Positivamente Millie” de George Roy Hill, com Julie Andrews, Mary Tyler Moore, John Gavin e James Fox. É uma sátira aos filmes de aventura dos anos 30 e marca a investida do diretor de “Butch Casidy” e “Golpe de Mestre” no gênero. Amanhã será a vez de “Sinfonia de Paris”, clássico premiado com o Oscar, do trio Arthur Freed (produtor), Vincente Minnelli (diretor) e Gene Kelly (ator e coreografo). No domingo, “Cantando na Chuva”, a história do cinema que focaliza a mesma época abordada agora em “O Artists”, mas com a presença de Gene Kelly atuando e co-dirigindo com Stanley Donen. Uma obra-prima.

Na próxima semana, o programa terá “Amor Sublime Amor” (West Side Story) na 3ª feira, “A Roda da Fortuna”, na 4ª, “A Opera do Malandro” na 5ª, “All That Jazz”na 6ª, “Cabaret” no sábado e “Hair” no domingo.

SHINDÔ

Esta semana morreu, além de Ray Bradbury, o diretor de cinema japonês Kaneto Shindô. Dele o paraense recorda pelo menos “Onibaba, A Mulher Diabo”(Onibaba/1964) exibido pelo cineclube APCC no Cine Guajará da Base Naval. Uma visão fantasmagórica do Japão feudal quando duas mulheres, mãe e filha, que moram num pantanal enquanto o genro/marido está numa guerra, passam a viver da renda de armas de soldados que aparecem pela região e são mortos. Uma delas usa máscara assimilando a personagem demoníaca que apavora os visitantes.
Shindô também foi aplaudido por aqui quando se viu “A Ilha Nua” (Hadaka no Shima/1960), filme sem diálogos focalizando a vida de uma família de pescadores. E já bastante idoso roteirizou “Hachiko Monogatari”(de 1987, com direção de Seijiro Kôyama), filme que os norte-americanos refizeram recentemente, dirigido por Lasse Hallstrom, com o título “Sempre ao seu lado"(2009), historia comovente de Hachi, um cachorro da raça akita, e seu dono.

MIB 3


"O Animal" é a figura que incitará ao flashback dos primórdios do MIB.

Comédia com toque surrealista dirigida por Barry Sonnefeld com Tommy Lee Jones e Will Smith protagonizando agentes federais norte-americanos que monitoravam ETs de passagem (ou residentes mesmo) pelos EUA, o filme “Homens de Preto”(Men in Black/1997) tem tido grande sucesso. A ideia partiu de quadrinhos escritos por Lowell Cuninham. Deu certo em termos de público e de critica (90% de aprovação ). Uma continuação em 2002, entretanto, não teve a mesma sorte. Indicava esgotamento de história e situações cômicas. A receptividade decepcionante interrompeu a série por quase 10 anos. Agora surge este “Homens de Preto 3”(Men in Black 3/2012), com a mesma direção e com Ethan Cohen no roteiro, substituindo Robert Gordon de “MIB 2”(MIB é abreviatura de Men in Black).
A ideia atual é sair do cenário das aventuras dos agentes K (Kevin/Tommy Lee Jones) e J (Jay/Will Smith) saltando para o passado, especificamente o ano de 1968, quando J procuraria o vilão indomável Boris, O Animal (Jemaine Clement) na época em que K conseguiu cortar-lhe um braço, desencadeando a fúria desse personagem contra tudo e todos. Pior ainda: K poderia morrer na mão (pois só há uma) de Boris. Essa viagem temporal é motivo para gags amparadas na cultura de uma época. Para quem viveu o período vai achar pitoresco observar detalhes que mostram desde os carros mais usados, do tipo os “rabos de peixe”,aos movimentos jovens que não achavam nada de estranho transitar entre figuras disformes como os extraterrestres em festas ou outras reuniões sociais. No ano em que J se desloca do seu tempo atual, os norte- americanos preparam-se para ir à lua. Mas a missão da Apollo 11 pode ser atacada pelo monstruoso vilão nativo de outro mundo que pretende extingir os humanos. É preciso que os agentes imobilizem uma sabotagem preparada para a nave que leva os 3 astronautas ao satélite terrestre. Em 2012, o monstruoso “Animal” está preso numa cadeia lunar e de lá consegue fugir para a Terra.

O mais versado espectador em reconhecer “furos” na exposição de temas, vê que em MIB-3 há muitos. A começar com o ataque ao vilão no passado para mudar a sua atitude no futuro. Mas se houve êxito na empreitada não há motivo de agora se preocuparem com ele. Caso tenha mudado o curso da Historia, nada do que foi visto antes aconteceu. Por outro lado, se é verdade que em 1968 o homem foi à lua, é verdade que hoje, especialmente na época de dificuldades econômicas freando os projetos da NASA, um presídio lunar é extramente improvável. E afinal, se ETs passeavam entre os membros da contracultura há mais de 40 anos por que era difícil para o homem da Terra ir ao vizinho espacial? Não seria mais prático aprender com os visitantes de outro mundo como é que se viaja para fora do nosso? Essas são as minhas dúvidas que podem não ser a de outros espectadores.

Mas, verossimilhança é o que não se pede na franquia dos homens de preto. O que se pede é o desenvolvimento da comicidade nas aventuras expostas. Nesta 3ª etapa da franquia há menos humor que se tornem momentos memoráveis do que no primeiro filme. Mas o resultado é muito mais divertido do que no segundo. Fato que autoriza uma nova peripécia dos agentes que brincam com letras do alfabeto (o caso da agente O que pode ser namorada de K ficando OK).
Na verdade, o que menos o filme pede é o cunho explicativo que sempre se pronuncia numa lógica que se quer levar para o cinema. Nada é coerente nesse enredo, como se vê desde a sequência inicial com a fuga do Animal de uma prisão supostamente indestrutível. Então, esse envolvimento fantasioso da história, caso se posicionasse como numa memorável crítica aos “monstros” terráqueos como foi explorado no primeiro filme da série, evidenciando desde figuras como Elvis Presley, além de políticos famosos e dos adeptos da contracultura da época que eram expostos no telão da sede da corporação, o mundo fantástico do século XXI, dizem “os homens de preto”, tornaram-se espécies do cotidiano de hoje.

Mas, até o meio do filme se supõe uma idéia de sequenciamento das histórias já narradas, quando, na verdade, somente no final de MIB-3 é que o público vai saber o motivo do retorno ao passado. Vejam o filme sem a necessidade lógica que se carrega usualmente. Vai dar certo.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

BRANCA DE NEVE 2012

   Kristen Stewart , como Branca de Neve, na Floresta Negra fugindo da rainha má.

O modismo no cinema impera. Agora reciclam-se velhas histórias já tratadas em filmes de outras épocas. Depois de serem revestidos os monstros clássicos, da Criatura de Frankenstein a Drácula e ao Lobisomem, surge agora o conto de fadas (inclusive há este modo de tratar também em seriados da tv fechada). Logo depois de “Espelho, Espelho Meu”(2012) surge “Branca de Neve e o Caçador” (Snow White and the Huntsman, EUA, 2012) inspirado no que escreveram os irmãos Grimm.
O filme que está em cartaz internacional e esta semana alcançou o primeiro lugar nas bilheterias norte-americanas (e creio que também nas brasileias) marca a estreia do publicitário Rupert Sanders na direção. E não se pode dizer que não tenha sido auspiciosa. O filme é bem dirigido, conjugando efeitos digitais primorosos e conseguindo desempenho satisfatório de atores não muito afeitos a papéis densos. O que surpreende, e pode até gerar reclamações de antigos fãs do gênero, são as interferências na trama. O principal: Branca de Neve não espera que um príncipe a desperte de um sono produzido pela madrasta malévola. Quem lhe dá o beijo ressuscitador é o caçador que a mesma madrasta havia contratado para matá-la. Um tipo secundário no enredo dos Grimm que é promovido para dar ao conjunto uma feição moderna de “blockbuster de ação”.

Quem assistiu ao desenho animado da Disney, o primeiro longa-metragem dessa categoria, sabe apenas poucas informações sobre os pais de Branca, de como a mãe morreu e de como o pai encontrou a nova mulher, casou-se e acabou também morto. No roteiro de Hossein Amini, Evan Daughery e John Lee Hancock, a narrativa abre com a sequência em que a mãe da princesinha é picada pelo espinho de uma rosa e três gotas de sangue mancham a neve aos seus pés, com isso decidindo o nome da filhinha que está a nascer. E a criança acompanha a doença e morte da rainha. O recorte seguindo é ao pai guerreiro encontrando a nova esposa prisioneira de guerra. Evidencia-se então que ele foi morto pela mulher, que ela se tornou a rainha malvada tendo o irmão como seu ajudante em todos os sentidos.
No desenho, o caçador leva Branca de Neve para a floresta, mas tem pena de matá-la. E a fuga ganhava um tom de horror com as arvores tentaculares querendo abraçá-la. Aqui elas aparecem, mas os bichinhos que acordam a moça na concepção bucólica dos desenhistas de 1937 dão espaço para o caçador, contratado pela madrasta para matar a intrusa no seu governo e na sua beleza. Ele não só mudará de ideia como no original desde os Grimm, mas será o protetor e apaixonado pela personagem.

Também há um tom político na versão moderna. Branca compreende que é filha de um monarca muito querido por seu povo. Com o governo despótico da madrasta esse povo foi alijado. Há um sentido de revolta que a princesa, na fuga com o caçador, vai incentivar promovendo uma batalha pela invasão do castelo real e a deposição da rainha.
E os anões? Um deles morre numa luta com os guardas reais. Os seis restantes vão ajudar o exército rebelde a tomar o trono. São eles que levantarão a ponte que dá acesso ao castelo. Desta vez, os personagens não são nominados como na animação antiga nem guardam a simpatia dos primitivos Dunga, Dengoso, Mestre, Soneca, Atchim, e até mesmo do Zangado. São até mesmo tipos feios, amedrontadores no primeiro encontro com Branca de Neve. São vistos como parte do povo que é execrado pela Rainha má.

O que se nota, neste exemplar reformulado do tema mágico dos Irmãos Grim, é uma versão político-guerreira de um povo que luta por sua independência das mãos de ditadores que, embora com certos poderes mágicos, não mais repercutem convincentemente sobre aqueles que esperam ganhar a liberdade. É como se você estivesse lendo a história dos conquistadores do século treze ou quatorze. Esse viés é interessante porque esplora uma nova legenda do belicismo clássico onde se encontravam vários heróis e heroinas lutando pela liberdade e a vida.
O filme tem uma produção luxuosa. A Universal apostou no sucesso popular. E deve estar satisfeita agora. A mim não pareceu que satisfaça a sede do imaginário infantil que os ancestrais da história promoviam. Mas, como eu disse, revela, do mágico, um recorte da realidade de um certo povo.