sábado, 16 de junho de 2012

O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS


Gary Oldman em "O Espião que sabia Demais"
A crítica internacional comenta que “O Jardineiro Fiel” (2005), de Fernando Meirelles, é a melhor adaptação de um livro de John Le Carré (o segundo posto seria do “O Espião que Saiu do Frio”/The Spy Who Came In From the Cold/1965 de Martin Ritt). Com “O Espião que Sabia Demais”(Tinker Tailor Soldier Spy/UK 2011) passa bem o conhecimento que o escritor adquiriu quando foi diplomata no início dos anos 60. Os meandros de um serviço secreto foram captados e bem jogados na tela por um roteiro denso de Bridget O’Connor e Peter Strauham. Não é um filme que se preocupe apenas com a fórmula usual do gênero “espionagem”. Foge do thriller, das cenas de ação, e se concentra não só na trama em superfície como quer ver a arquitetura psicológica dos tipos apresentados, como eles reagem de acordo com os seus temperamentos.

Nas primeiras seqüencias, o filme revela que há um agente duplo no Circus, alto comando do serviço secreto britânico (o MI-6). Por isso, o veterano George Smiley (Gary Oldman) é guinado a descobrir quem é este agente que envia as informações sigilosas para os soviéticos. A desconfiança parte de Control (John Hurt), chefe dessa divisão de elite do MI-6 e que não tem condições de continuar a investigação.
Smiley está se aposentando do Circus depois de concluir que uma das quatro pessoas com quem trabalhou em Budapeste é o espião. Para isso, solicita a ajuda de Peter (Benedict Cumberbatch), outro veterano, mas ainda ativo no serviço secreto. Não será fácil desvendar o caso e essa tarefa, por ser minuciosa, ganha o equivalente em imagens segundo o diretor sueco Thomas Alfredson (do muito bom “Deixa Ela Entrar”). É uma narrativa não linear que obriga muita atenção do espectador. Talvez por isso, por introduzir uma narrativa dos eventos de forma segmentada e ela, em si, ganhar diversos rumos, complicando um raciocínio rápido, a bilheteria mundial tenha sido fraca. Mas felizmente os cinéfilos mais exigentes descobriram o trabalho e ele chegou a dar ao veterano Gary Oldman uma candidatura ao Oscar, assim como a música e o roteiro. Este roteiro também foi candidato e ganhou o Bafta (Oscar inglês) e o filme chegou a colecionar 15 prêmios internacionais e 43 indicações.

“O Espião que Sabia Demais” é um jogo que o espectador é convidado a jogar como um filme de detetive quando a meta é descobrir um criminoso. Mas imaginem Sherlock Holmes delineando as pistas ao mesmo tempo em que se apega a seus problemas de saúde onde se engloba alterações de ordem psicológica. O papel de George não sai por menos. Gary Oldman compõe muito bem o homem que investiga colegas quando desejava descansar de um posto onde é forçado a isso. Há muitos detalhes de seu rosto, o tom da imagem é geralmente escuro, o enquadramento opta pela contraposição de grandes espaços, há uma tentativa de cinema introspectivo que em historia potencialmente de ação é um desafio. Não conheço o original literário, mas o filme de agora deixa supor esta profundidade temática. Aliás, isso é percebido no “Espião que Saiu do Frio”(1965) de Martin Ritt. Mais ainda por ter sido realizado numa época em que a linguagem linear era como uma obrigação da indústria. Por tantas qualidades, o novo “Espião...”foge ao comum. E deve ser visto.
Este enfoque sobre o filme mostra o diferencial que o segue na sua realização. Filme de espionagem geralmente tem um liame de suspense, mas o que delineia uma narrativa mais criativa é, justamente, o envolvimento com o processo fílmico de demonstrar que o que deveria ser não é, usando a câmera. Nos primórdios do cinema, o fato de um filme ser conduzido pela lógica do suspense, favorecia uma linguagem nascente diferenciada daquela que era exibida na versão linear, pois, o filme de suspense tinha lógicas criativas , sem movimento de câmera, mas saltando de um lado para outro para demonstrar outras ambiencias a procura do que estava sendo investigado. Esse é um dos detalhes que Flávia Cezarino Costa esboça em “O Primeiro Cinema” (Scritta, SP, 1995) quando trata de “espetáculo, narração, domesticação”.

Assistir a “O Espião que Sabia Demais” não deixa de ser uma maneira de estudar o “cinema de gênero”, verificando as diferenças.


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