sábado, 30 de junho de 2012

SÓ COMEM AS PALAVRAS

Bruno Mazzeo,  Marcos Palmeira e Emilio Orciollo Netto, em "E ai, Comeu?"


As pornochanchadas da década de 1970 e início dos anos 80, no Brasil, fizeram grande sucesso. No auge do controle sociocultural e dos “bons costumes” que o golpe militar de sessenta e quatro impôs, a saída de alguns cineastas brasileiros foi “esquentar” a chanchada”, gênero “ velho de guerra” dos anos 60-70, com filmes de baixos orçamentos de produção, roteiros simples, prevalecendo as cenas eróticas (filmes softcore), humor escrachado e popularesco, tendo como grandes ícones dessa época, David Cardoso, Helena Ramos e Matilde Mastrangi. Embora saissem, em sua maioria, da Boca do Lixo , centro de São Paulo, o Rio de Janeiro também contribuiu com o gênero. Diretores promissores despontaram nessa vertente como Claudio Cunha, Alfredo Sternhein, Ody Fraga, Gean Garret, Neville d’Almeida, Fauzi Mansur entre outros. Atores e atrizes também surgiam nessas peças de cinema. Fugia-se da censura federal e deslocava-se estrategicamente as idéias da crítica social, deixando-se considerar filme pornô , embora as cenas de sexo explícito não comparecessem.

Mas porque lembrar agora da pornochanchada? É devido ao filme de Felipe Joffily “E ai, Comeu?” (Brasil , 2012) que o público está encarando como representante desse gênero , quando, ao meu ver, pouco se identifica com ele (mesmo porque o ambiente é outro). É adaptação de uma peça do escritor Marcelo Rubens Paiva, que contribui também como co-roteirista, apresentando três figuras – Fernando (Bruno Mazzeo), Honório (Marcos Palmeira) e Fonsinho (Emilio Orciollo Netto) que diariamente se reunem na mesa de um bar para tratar (ao que consta, pois só sabem falar disso) de como conquistar uma mulher e levá-la para cama. Numa conversa onde os termos chulos sintetizam o formato de uma aproximação ocasional com as mulheres, que eles dizem considerar como a maneira da caça sistemática dos homens a esse gênero, os três amigos vão expondo a vulgaridade com que reconhecem seu próprio mundo viril como sendo eles os conquistadores e as mulheres suas presas com as quais podem brincar e rolar numa relação fortuita. Sim, haja vista que cada um deles tem sua vida particular amorosa com a esposa, com a ex, com a ficante, mas reagem de forma diferenciada quando expoem suas dúvidas em “como caçar uma mulher”.

Com o palavreado demonstrativo do que fazem num corriqueiro encontro de homens quando se acham preteridos por suas amadas, dialogam expressando as bravatas de serem os melhores amantes e conhecerem os detalhes que lhes faz falta para a sobrevivência afetiva. A suposição que fica é de que toda essa carga de desejo se dá porque são as vítimas, sentindo-se autodefinidos em seus gostos, suas escolhas, visto que hoje, as mulheres não aceitam ouvir histórias grosseiras e “morrinhas”vindas da mesa ao lado da sua no bar. Enquanto elas se reunem alegrementee eles só têm esse único assunto para prosear.

Com as “receitas” que recebem através das declarações de Seu Jorge, o barman que está sempre contando suas conquistas femininas ao ser perguntado, desconectam-se de suas mazelas e criam maneiras de enfrentar seus problemas pessoais. No final, demonstram que as lições aprendidas tornam-os mais gentis, com uma solução que não é uma angústia à complexidade das mulheres que eles tanto debatem, mas porque sempre reforçaram os estereótipos da mulher-objeto na sua formação.

“E ai, Comeu” representa uma maneira de reproduzir e reafirmar a cultura do machismo, revelando-se uma peça fundamentalista usada como reforço aos comportamentos de modelos masculinos e femininos que o imaginário social ainda tem latente e que aflora com ferramentas mais sedutoras como a comédia. Na sessão em que assisti ao filme, presenciei garotas de 15 anos considerarem “normal” aqueles diálogos masculinos sobre mulheres, contrapondo-se à minha opinião porque estão acostumadas aos “programas de televisão”. Alguém vai me chamar de “chata feminista”, porque não compactuo com o deboche ao relacionamento afetivo a um preço tão vulgar.

Cinema? Não tem. Trata-se de uma peça de teatro filmada. Com os atores e atrizes se saindo bem de seus papéis e com dinheiro no bolso, pois, pela ficha técnica, a maioria está na produção do filme.


3 comentários:

  1. Oi, Luzia!
    Lamentável este caminho que de vez em quando "assombr" o cinema brasileiro. Enquanto isso, os argentinos continuam dando "show de bola".., tanto que até o jogador deles é quem agora dá as cartas em termos da América do Sul no mundo.
    Saudações
    R.Secco

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    1. É isso mesmo, Ricardo Secco, você que tem o cinema brasileiro no coração. Mas esses altos e baixos fazem parte do mercado dai porque outros filmes brasileiros fogem ao esquema como foi em "Xingu" de Cao Hamburger.Só que o costume entorta a boca do nosso público e ele prefere o primeiro ao segundo. Os Argentinos têm estado na nossa frente, pelo menos têm levado muitos prêmios, incluive o OSCAR. Mas vamos lá, sempre há um novo dia. Beijão.

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  2. Alex Barata da Silva14 de julho de 2012 às 15:20

    Luzia vi Ai comeu? e achei uma tentativa de se fazer uma comédia romantica, ao estilo das americanas com uma pitada de digamos molho brasileiro com tiradas as vezes até pesadas sim , mas que retrata de certa forma as conversas nos bares da vida.

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