segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O OSCAR VAI PARA .....



Leonardo di Caprio , melhor ator para a Academia de Artes e Ciências de Hollyood

Há mais de 40, ou seja, desde que a tecnologia visual conseguiu colocar nas TVs mundiais a premiação do Oscar, pela Academia de Ciências e Artes do Hollywood, assisto a esse evento. Antes, ou seja, há 55 anos (tempo de casada com o maior cinéfilo que conheço) eu me informava sobre esse evento por meio dos jornais e do material que as distribuidoras de filmes encaminhavam para os jornalistas. Assim, quero dizer, houve fases em que eu convivi com essa festa da indústria acreditando que essa premiação em tempo de cinema não expressava apenas o gosto dos técnicos norte americanos, mas a estética de quem votava nas várias categorias registradas para evidenciar melhores desempenhos cuja cultura própria era racista, homofóbica ou seja, ideológica.
Como na academia universitária que somente agora toma consciência das suas várias responsabilidades em termos da diversidade social e racial e de onde lideranças começam a se juntar aos movimentos de ativistas que marcham em nome da igualdade e, em seguida (foi um processo cf. movimento feminista), em nome da igualdade de oportunidades, a Academia de Hollywood também foi recebendo as pressões políticas para tornar mais evidente a forma de escolhas, os meios de criar/lançar filmes – mercadorias artísticas e culturais cujo polo central era o mais conhecido – no mundo. Diversificando todo o seu cabedal emblemático de discriminação cultural com base racial, de gênero, de pessoas com deficiência, de pessoas homossexuais, através da triagem temática que se insurgia contra realizadores e roteiristas que optavam por criar enredos onde esses assuntos estavam à mostra, a exemplo, alguns episódios mais conhecidos: o código Hays (considerando o que era moralmente aceitável), o macarthismo (prática de acusar alguém de subversão ou de traição), os espectadores foram conhecendo outras faces desse centro industrial de cinema que ainda hoje trabalha com a perspectiva imperialista. Ainda mantém essa indústria extremamente produtiva e usando meios de distribuição que obedeçam as normas do sistema capitalista.
Como disse acima, sou dessas épocas pretéritas e convivo com as fases desse evento. E ontem, 28/02, assisti a mais uma premiação.
Como o povo cinéfilo ou não das mais diversas partes do mundo, eu também tinha meus preferidos entre os filmes indicados e demais categorias cinematográficas que estavam no jogo. Mas aprendi, quando fiz minha “lição de casa” da pós-graduação nas barras da teoria marxista, no NAEA, com o Prof. Carlos Alberto Ferreira Lima (hein Lamarão, Arbage e os demais colegas), como se estruturava o sistema capitalista, teorias que demonstram as fases dos sistemas culturais, econômicos e políticos que se expressam na sociedade. E essa situação da arte, no caso específico do cinema, passou a ser um tema que me fascinou (escrevi até um artigo sobre cinema e as correntes ideológicas apresentado na disciplina Teoria Sociológica).
Esse aprendizado me deixou mais realista e cética e meio esquiva quando alguém me solicita uma previsão sobre quem vai ganhar a estatueta. Não gosto de expressar “fórmulas”. Não tenho publicado nada sobre os filmes que assisti ultimamente nem sobre quem é quem no Oscar, devido a vários fatores, mas estou atualizada sobre todo esse arsenal de produções que estão circulando alguns indicados este ano E há textos escritos. Outros afazeres têm me pressionado mais fortemente.
Mas eis-nos diante da festa norte-americana que deixou mais de 80 milhões de pessoas até as duas da manhã deste domingo na expectativa  de  seus preferidos.
Uma celebração muito interessante, diga-se, porque quebrou regras. De apresentação, de apresentador, de custos na ansiedade de quem estava preferindo um e não outro ganhador da estatueta.
Minhas preferências eram: Melhor filme: “O Regresso”; diretor Alejandro Iñarritu; ator: Leonardo di Caprio; atriz: Brie Larson; atriz coadjuvante: Rooney Mara (embora encantada com o desempenho de Kate Winslet (Steve Jobs); ator coadjuvante: Mark Rylance (mas eu daria para o garoto de “O quarto de Jack”, Jacob Tremblay); filme estrangeiro : “Cinco Graças” (França); animação: “Divertidamente”; roteiro original: “Divertidamente”; roteiro adaptado : “Carol”; montagem: Mad Max; efeitos visuais: “Mad Max” (embora, ao assistir a “Ex-Machina” achei que estava perdida nessa opção); documentário : “Amy”.
Bem há outras categorias que ao assistir aos filmes se tornaram meu preferidos.
Levei um choque (como muitos na plateia do evento) quando o envelope de melhores filmes indicou “Spotlight – Segredos Revelados”. Mas no segundo momento considerei de extrema importância a premiação de um filme cujo assunto está tão presente nestes tempos contemporâneos – a denúncia a uma imprensa que deixou de pesquisar um fato ao qual ela já conhecia há quase 20 anos, e o próprio fato em si: a pedofilia de membros nobres ou não da igreja católica. Foi demais. Me recompus do susto e estou agora na escrita deste texto, sem que este seja apenas um reprodutor do que a imprensa já postou sobre o evento em todas as tecnologias da informação.

Prometo a mim mesma, quando passar esta fase de pressões do meu trabalho acadêmico (aposentada? Não) a publicar minha opinião sobre os filmes do Oscar. 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

CAROL


Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara)

Extraído do livro semi-biográfico “The Price of Salt”, de Patrícia Highsmith (assinado, na época, sob o pseudônimo de Claire Morgan), “Carol” ( EUA, 2015) explora um enredo ambientado no período natalino de 1952, em NY, evidenciando a nascente relação amorosa entre Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara). A primeira é uma dona de casa padrão, da alta classe média norte-americana que vai a uma loja de departamentos a procura de um presente para a filha. Ela está no período de divórcio, teve um caso anterior com uma amiga e madrinha da filha. Therese é atendente da seção de brinquedos, namora um jovem colega da loja que lhe pede em casamento. Ela aspira ser fotógrafa, mas até o momento não valoriza as boas imagens que capta, não acreditando muito em si. Nos encontros, as duas passam do reconhecimento de si à percepção do sentimento que as aproxima. E vão além, no afeto físico que as coloca em evidência ao menos para o ex-marido de Carol que por isso pede a guarda da filha. Elas, também, avaliam a reação que tende a nascer no ambiente onde circulam, aumentando na proporção da proximidade e à medida que ambas reconhecem que embora haja fortes razões para se afastarem definindo perdas ainda resta o amor construído. 
Dirigido pelo diretor norte-americano Todd Haynes (Longe do Paraíso, Não Estou Lá, Mildred Pierce ) com roteiro (o segundo) de Phyllis Nagy, “Carol” favorece-se de toda a carga dramática da história, proporcionando examinar temas como o novo formato das opções amorosas e sexuais, os dilemas das decisões sobre essa descoberta e o conceito de liberdade, o preconceito e o valor do sentimento na hora das escolhas.
O exame da construção do roteiro oferece uma narrativa linear, focando no processo de aproximação das personagens e suas relações cada vez mais intensas. No subtexto de Therese há um estado de timidez, indecisão sobre o estar empregada enquanto comerciária e seu desejo de ser fotógrafa, julgando-se amadora nessa arte pelo tipo de imagens que capta, embora aspire novos caminhos. Sua indecisão também mora no pedido de casamento feito pelo namorado, mas nesse momento ela sente que está muito envolvida com Carol. Quanto a esta, no momento que encontra o olhar de Therese entre as mercadorias da loja, está no auge do processo de divórcio, cria a aproximação mais intensa com a amada, sendo seguida por um detetive que capta todos os encontros das duas, com um vídeo de um desses encontros sendo usado judicialmente pelo marido para exigir a guarda da filha.
Esses subdramas oferecem perfis bem delineados das duas personagens. No ambiente de Carol, por exemplo, sente-se o desconforto desta no formato das relações entre os familiares e as coisas que tem que fazer sem liberdade de ser ela própria. O jantar coletivo, as perguntas que recebe sobre os médicos que frequenta e a que família estes pertencem, os pratos que são servidos e que lhe são intoleráveis. Sabe que sua vida íntima é conhecida dos parentes do marido, mas ninguém levanta a questão. Na circulação de Therese na loja onde trabalha sente-se a baixa proximidade desta com o meio (vendas, fregueses etc) e, no contato com o namorado, antes mesmo de ter notado o interesse de Carol por ela, já se sentia desconfortável, embora ainda próxima dele. Com o novo emprego há uma outra faixa de conhecidos, e o diálogo entre o casal, ao pintar o apartamento reflete uma mulher que tem outros desejos e que ele não está mais incluído. A pergunta dele sobre Carol fica sem resposta. Apenas o olhar baixo da jovem contempla o significado.
Aliás, os diálogos são muito marcantes, entremeados de longos silêncios, de toques e de olhares. Também o enquadramento da câmera refletindo vários momentos diferenciais de classe, de anseios e de novos caminhos. Enfoque interessante são tomadas das personagens sob recortes de colunas, de paredes, atrás de janelas. O processo narrativo cria o meio de observação através da câmera quando interessa centrar numa delas.
A recriação de época é um dos pontos importantes considerados pelo diretor. Indumentária, cortes de cabelo, cor de batons refletem os anos cinquenta. Estilhaça, contudo, o tipo de opção amorosa padrão dando vez, mesmo de forma quase silenciada, ao enfoque sobre o desejo sexual entre duas mulheres. Quebram-se paradigmas. Sintomática a posição de Carol no processo movido pelo marido para exigir a guarda da filha, quando ela confessa publicamente seu amor por Therese e declina de ficar com a criança dizendo ser para o próprio bem desta.
O final do filme deixou algumas pessoas na incerteza sobre o bad ou happy end. Interessante a sequência, ao mostrar o encontro das duas mulheres, seguindo-se um desencontro e finalmente um reencontro. Como vai ficar a relação afetiva entre Carol e Therese?
“Carol” oferece maneiras de avaliar o que àquela época poderia se ver como forte revolução dos costumes, embora ainda hoje haja insistência nas culpas e discriminação àqueles/as que fogem do esquema instituído. A elegância da realização, com excelentes desempenhos de Blanchet e Mara dão o toque final para a maestria do diretor.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

CINEMA E OLHAR(ES)

Jean-Luc Godard  e a criação das mudanças. No cinema. 

A ação de olhar tem formas próprias de construir as representações sobre o objeto focado. E nessa perspectiva criam-se hábitos visuais sempre buscando a ideia e o “algo novo” que podem surgir na criação do objeto.
O olhar para as imagens do cinema reflete essa forma de observar mais detidamente a narrativa. Mesmo quando o público é bombardeado de dados recorrentes. Como se observa na explosão dos filmes do “cinemão” norte americano que tende a “fazer a cabeça” de todo mundo. A expectativa coletiva é a de uma só dimensão narrativa para qualquer filme que seja visto e quando esta dimensão foge da sintonia que garantiu o hábito deste olhar a variação da composição dos elementos não é aceita. Assim, a tendência é dizer que se gosta ou não gosta do filme dependendo da nossa experiência vivida.
A leitura dos filmes de Jean-Luc Godard não é considerada “digerível” como é dito usualmente para expressar o contraponto com a forma narrativa dos filmes em geral. À medida que as suas experiências são focadas na linguagem traduzindo as ideias em planos visuais ele vai aplicando seu modo próprio de verificar o fenômeno. Em “O Acossado” (À Bout de Soufle, 1959) que foi o primeiro longa-metragem dirigido por ele, protagonizado por Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg, com participação de Claude Chabrol (crítico e diretor de cinema), o episódio tratado é em sua aparência um thriller, um filme de gangsteres, dito pelo próprio Godard num depoimento em uma mesa redonda, em 1968. E acrescenta: “Quando eu o vi pela primeira vez, compreendi que havia feito uma coisa totalmente diferente. Eu pensava que filmava o filho de Scarface ou o retorno de Scarface e compreendi que havia feito Alice no País das Maravilhas, mais ou menos”.
Na leitura visual desse filme, diz Roman Gubern (Godard Polémico, Barcelona, 1974): “Godard introduziu no cinema e em nossa sensibilidade novas propostas e estruturas plásticas que estavam muito mais próximas à linguagem da reportagem, da publicidade, dos comics ou da televisão diretamente. Mas como principais, destacam-se todas as situações de quebra de paradigma e enfrentamento de tabus, como os cortes abruptos sem continuidade, os saltos de eixo que também confundem o acompanhamento espacial da cena, e o olhar que a personagem dirige à câmera na última cena, coisa que não se via no cinema em geral”.
Exemplificando com a suposta linguagem radical do cinema de Godard, me inspiro para avaliar os olhares habituais que se tem para classificar certos filmes que circulam e que se tornam os nossos programas. Em sua maioria não temos o que dizer de modos criativos aplicados nos filmes comerciais. Estes levam em conta a sedução de espectadores procurando manter os que já são usuais e atrair outros tipos que se empolguem com a trama, com os personagens, com a maneira linear de estabelecer a montagem das peças, haja vista que a dialética formada pela desconexão destas às vezes repercute como ininteligível.
E dessa forma estes programas vão criando maneiras de aceitar ou não outras formas de narrativa. Alguns se tornam os propulsores do cine-indústria mais propensos à produtividade cada vez maior de cópias para conseguir a comercialização mundial. Expande-se o mercado e o formato das mentes e da cultura cinematográfica vista em uma composição uniforme. Premiações, arrecadação de lucro, formação de hábitos são valores residentes na maneira de imposição subliminar haja vista que nem sempre se sabe aonde começou o gosto pessoal por certo tipo de filme.
Aspectos importantes no olhar sobre os filmes que se assiste vejo, principalmente, privilegiar o modo como os padrões paradigmáticos são quebrados, os tabus são enfrentados, as maneiras singulares de montagem com cortes descontínuos traduzindo símbolos, mescla de tempos, de cenas, de sequência, desmontagem de heróis ou produção de anti-heróis, conjunto de formas que desmontam o sistema instituído e tendem a flexão da mudança. É difícil a aceitação deste “dever de casa”? Sem dúvida. O importante é começar.