quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

CAROL


Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara)

Extraído do livro semi-biográfico “The Price of Salt”, de Patrícia Highsmith (assinado, na época, sob o pseudônimo de Claire Morgan), “Carol” ( EUA, 2015) explora um enredo ambientado no período natalino de 1952, em NY, evidenciando a nascente relação amorosa entre Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara). A primeira é uma dona de casa padrão, da alta classe média norte-americana que vai a uma loja de departamentos a procura de um presente para a filha. Ela está no período de divórcio, teve um caso anterior com uma amiga e madrinha da filha. Therese é atendente da seção de brinquedos, namora um jovem colega da loja que lhe pede em casamento. Ela aspira ser fotógrafa, mas até o momento não valoriza as boas imagens que capta, não acreditando muito em si. Nos encontros, as duas passam do reconhecimento de si à percepção do sentimento que as aproxima. E vão além, no afeto físico que as coloca em evidência ao menos para o ex-marido de Carol que por isso pede a guarda da filha. Elas, também, avaliam a reação que tende a nascer no ambiente onde circulam, aumentando na proporção da proximidade e à medida que ambas reconhecem que embora haja fortes razões para se afastarem definindo perdas ainda resta o amor construído. 
Dirigido pelo diretor norte-americano Todd Haynes (Longe do Paraíso, Não Estou Lá, Mildred Pierce ) com roteiro (o segundo) de Phyllis Nagy, “Carol” favorece-se de toda a carga dramática da história, proporcionando examinar temas como o novo formato das opções amorosas e sexuais, os dilemas das decisões sobre essa descoberta e o conceito de liberdade, o preconceito e o valor do sentimento na hora das escolhas.
O exame da construção do roteiro oferece uma narrativa linear, focando no processo de aproximação das personagens e suas relações cada vez mais intensas. No subtexto de Therese há um estado de timidez, indecisão sobre o estar empregada enquanto comerciária e seu desejo de ser fotógrafa, julgando-se amadora nessa arte pelo tipo de imagens que capta, embora aspire novos caminhos. Sua indecisão também mora no pedido de casamento feito pelo namorado, mas nesse momento ela sente que está muito envolvida com Carol. Quanto a esta, no momento que encontra o olhar de Therese entre as mercadorias da loja, está no auge do processo de divórcio, cria a aproximação mais intensa com a amada, sendo seguida por um detetive que capta todos os encontros das duas, com um vídeo de um desses encontros sendo usado judicialmente pelo marido para exigir a guarda da filha.
Esses subdramas oferecem perfis bem delineados das duas personagens. No ambiente de Carol, por exemplo, sente-se o desconforto desta no formato das relações entre os familiares e as coisas que tem que fazer sem liberdade de ser ela própria. O jantar coletivo, as perguntas que recebe sobre os médicos que frequenta e a que família estes pertencem, os pratos que são servidos e que lhe são intoleráveis. Sabe que sua vida íntima é conhecida dos parentes do marido, mas ninguém levanta a questão. Na circulação de Therese na loja onde trabalha sente-se a baixa proximidade desta com o meio (vendas, fregueses etc) e, no contato com o namorado, antes mesmo de ter notado o interesse de Carol por ela, já se sentia desconfortável, embora ainda próxima dele. Com o novo emprego há uma outra faixa de conhecidos, e o diálogo entre o casal, ao pintar o apartamento reflete uma mulher que tem outros desejos e que ele não está mais incluído. A pergunta dele sobre Carol fica sem resposta. Apenas o olhar baixo da jovem contempla o significado.
Aliás, os diálogos são muito marcantes, entremeados de longos silêncios, de toques e de olhares. Também o enquadramento da câmera refletindo vários momentos diferenciais de classe, de anseios e de novos caminhos. Enfoque interessante são tomadas das personagens sob recortes de colunas, de paredes, atrás de janelas. O processo narrativo cria o meio de observação através da câmera quando interessa centrar numa delas.
A recriação de época é um dos pontos importantes considerados pelo diretor. Indumentária, cortes de cabelo, cor de batons refletem os anos cinquenta. Estilhaça, contudo, o tipo de opção amorosa padrão dando vez, mesmo de forma quase silenciada, ao enfoque sobre o desejo sexual entre duas mulheres. Quebram-se paradigmas. Sintomática a posição de Carol no processo movido pelo marido para exigir a guarda da filha, quando ela confessa publicamente seu amor por Therese e declina de ficar com a criança dizendo ser para o próprio bem desta.
O final do filme deixou algumas pessoas na incerteza sobre o bad ou happy end. Interessante a sequência, ao mostrar o encontro das duas mulheres, seguindo-se um desencontro e finalmente um reencontro. Como vai ficar a relação afetiva entre Carol e Therese?
“Carol” oferece maneiras de avaliar o que àquela época poderia se ver como forte revolução dos costumes, embora ainda hoje haja insistência nas culpas e discriminação àqueles/as que fogem do esquema instituído. A elegância da realização, com excelentes desempenhos de Blanchet e Mara dão o toque final para a maestria do diretor.


Um comentário:

  1. Oi, Luzia!
    Talvez vcs. já conheçam, mas eu recomendo um filme que assisti na sessão cult (SKY): "Um retrato de mulher", de Fritz Lang. Uma "pegadinha" bem bolada do grande mestre.Os atores estão ótimos e a atriz é muito bonita e elegante.
    Abraço,
    Ricardo Secco

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