domingo, 30 de agosto de 2009

VITUS






O cinema moderno vem se mostrando inflexível diante de certos temas. Hoje é improvável que se encontre um filme em que haja vilões, as situações esboçam qualquer tipo de violência, ou a idéia de “viver a vida” lembre de perto a peça que deu origem ao filme “Do Mundo Nada Se Leva”(You Can’t Take It With You) de Frank Capra (exibido no sábado passado na Sessão Cult da ACCPA no Cine Libero Luxardo, e aplaudido pela platéia presente).
Nesse tom descontraído evidencia-se, de certa forma, o filme “Vitus”, roteiro original de Peter Luisa e Fredi M. Murer com direção deste último. Trata-se de uma produção suíça que aborda as peripécias de um garoto de QI acima da média, hábil no teclado como um pianista profissional, desejoso de ler e conhecer as coisas (fica intrigado quando os pais dizem, por exemplo, o termo “paradoxo”, e não explicam de imediato o que quer dizer a palavra, obrigando-o, aos seis anos, a consultar um dicionário). É mais inclinado a apreciar a vida na ótica do avô (Bruno Ganz), que o trata como criança normal (e não como um superdotado a exemplo da mãe) e sonha com aventuras como pilotar um avião sem fazer curso de pilotagem. O menino Vitus, ao chegar aos 13 anos, cansa-se de ser tratado como prodígio e fantasia o resultado de um acidente que diminui a sua potencialidade intelectual. Mas não é uma fórmula para fechar a história, na verdade um conto de fadas sem bruxas ou lobos maus. Assim como domina o piano, o menino passa a dominar a informática e com isso entrar no jogo da Bolsa de Valores, conseguindo aplicar de tal forma as economias do avô a ponto de fazê-lo milionário e, por continuidade, melhorar a situação do pai, despedido de uma firma preste a ser vendida por baixa das ações, comprando-as e nomeando-o para a direção com meios de erguer os negócios.
A precocidade de Vitus segue também a afetividade, contando que ele se apaixona, aos seis anos, por sua babá e, quando chega à pré-adolescência, tentar namorá-la, inclusive dizendo a ela que “ele pode esperar pelo sexo”.
Mas o filme não entra em detalhes que tirem o sabor da fantasia. Tanto que os momentos em que as personagens se realizam são vistos de forma metafórica. O avô sente-se feliz quando consegue comprar um avião e sair voando, mesmo que logo sofra um acidente fatal. Vitus, por sua vez, também sai pilotando o monomotor herdado. A primeira seqüência do filme é a de um menino (que o público ainda não conhece) entrando num avião e dando partida no motor para surpresa de um funcionário do aeromodelo que corre atrás dele. Quando as imagens entre futuro e presente se fundem, vê-se que o pequeno piloto aterrissa defronte da casa de uma pianista famosa a quem a mãe o levara e nessa ocasião não chegara a presenciar o talento musical do garoto que, aborrecido por ser tratado como gênio, recusou-se a ir ao piano.
Não falta ao filme nem mesmo a apoteose do gênero. Sei que muitos espectadores renitentes por um cinema “erudito” (cabem as aspas) se decepcionaram com o enfoque de Murer. Mas o cineasta suíço jamais vacila: persegue a alegria que ainda possa existir nas platéias mundiais. E consegue comunicar a sua idéia.
Há muito mais no filme, mas o contagiante é ver uma luta pela felicidade, mesmo a custa de fantasia.
Cotação: Muito Bom (****)

sábado, 29 de agosto de 2009

DARWIN E KRAMER




Pedro Veriano manda a sua colaboração semanal para o blog hoje tratando de um dos filmes que “achou” no meio de sua volumosa videoteca. (LMA)

"Remexendo o meu baú, ou seja, tentando por em ordem uma velha desordem, com o auxilio do meu ator predileto Manoel Teodoro, encontrei entre mais de mil dvds algumas raridades que eu já havia esquecido que tinha (chegou a um ponto que eu ia comprar “Vinhas da Ira” e deparei com um original numa das muitas prateleiras).
“O Vento Será Tua Herança”(Inerite the Wind) é uma dessas jóias. O filme de Stanley Kramer ainda não apareceu no mercado brasileiro em disco digital. Não chegou nem mesmo em VHS. E caía bem agora quando se festejam os 200 anos de Charles Robert Darwin (o aniversário redondo foi em fevereiro mas o ano é dedicado ao autor da Teoria Evolucionista).
O roteiro veio de uma peça de Robert E.Lew. Em uma pequena cidade norte-americana, nos anos 1920, um professor é preso porque estava ensinando “A Origem das Espécies”, ou seja, o livro que Darwin lançou em 1859 e fez muita gente se engasgar com a maçã do Gênesis. Aproveitando a deixa, um jornalista (Gene Kelly sem dançar) contrata um famoso advogado para defender o rapaz. E os religiosos fanáticos contrapõem com um promotor também famoso, ex-candidato a governo de um Estado e candidato a candidato à presidência.
O debate em um tribunal é o filme. Podia ser uma coisa chata filmar em pequeno espaço só bate-boca de dois velhos. Mas o texto é ótimo, e Kramer juntou seqüências que ajudam na constituição das personagens, e o final é um mimo de síntese: Spencer Tracy, que faz o advogado Henry Drummond, coloca o livro de Darwin em cima da Bíblia. Quer dizer: em cima do muro. As palavras da Bíblia não devem ser desprezadas até por seu valor poético. Mas a ciência deixa de ser ciência se não for investigativa. E a evolução das espécies é uma teoria sedutora que encontra respaldo prático.
Penso em como este filme calaria bem se visto hoje em uma sala grande, num desses programas da ACCPA. A minha cópia foi gravada de um programa de televisão, especificamente do Telecine 5 (hoje Cult). Até nessa área “O Vento...”não levou mais.
Frederic March em um de seus últimos trabalhos no cinema é Matthew Harrison Brady, o tradicionalista que se apega aos textos sagrados para tudo e de forma linear. Há um momento que ele responde simplesmente: “-Está escrito assim e é assim”.
Há tempos dizia-se em tom de graça que o homem é um macaco aprimorado. No filme há uma fala nesse tom anedótico. Aqui no Brasil deu muita marchinha de carnaval. Uma delas: “A história da maçã/é pura fantasia, /maçã igual aquela/ o papai também comia”. Há pouco eu vi na Internet uma foto de um satélite de Urano. Um bonito close das montanhas de um mundo tão distante. O site deu margem a comentários e estes foram trágicos. Diziam que “aquilo era uma besteira, que há muita coisa importante por aqui enquanto se gasta milhões nessas aventuras espaciais”. Eu mandei a minha resposta batendo na macaquice: “_ A Terra não é dominada pelo chamado “homo sapiens”: há muito primata se manifestando”. Mais ou menos assim.
Stanley Kramer salientou-se por ser um cineasta de filmes sérios na industria de entretenimento. Foi produtor e avanços como “Cruel Desengano”(Member of Wedding) e “Os 5 Mil Dedos do dr T” e dirigiu entre muitos “A Hora Final”(On the Beach). Seus filmes chegam ao Brasil de forma homeopática. Mas valem muito. Oxalá as distribuidoras pensem neles. (Pedro Veriano)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

SE BEBER, NÃO CASE






Uma despedida de solteiro surrealista é o que oferece o diretor Todd Philips (roteirista de “Borat”) e os roteiristas Jon Lucas e Scott Moore (de “Minhas Adoráveis Ex- Namoradas”) com o titulo original de “The Hagover”(que pode ser traduzido por “ressaca”), aqui intitulado “Se Beber, Não Case”.
O filme trata da odisséia de quatro amigos que se reúnem para a despedida de solteiro de um deles. Especificamente é o dentista Stu (Ed Helms), temeroso da ira da noiva, Phil (Bradley Cooper), o galã do grupo, Alan (Zach Galigianatis), aparentando ser o apaziguador das turras em que se metem os comparsas e o noivo Doug (Justin Bartha).
A primeira imagem do filme é um close de Phil telefonando pelo celular para a noiva do amigo que se prepara para a cerimônia de casamento marcada, com toda a pompa, para daí a poucas horas. Ele diz que “não vai dar”, que “fizeram uma loucura” e que Doug, o noivo, simplesmente havia desaparecido. Ele fala do deserto de Monjave para onde haviam se dirigido depois de muitas trapalhadas no luxuoso hotel Ceasar Palace, de Las Vegas.
O flash-back passa a ser exibido marcando dois dias antes do fato em foco. Não se vê a farra dos amigos, a câmera deixando-os depois de uma reunião no pátio do ultimo andar do hotel, discutindo o que irão fazer. O que surge é a imagem do apartamento que eles ocupam depois da noitada. Há uma galinha circulando pelo ambiente, um tigre dentro do banheiro, os móveis quebrados, gavetas reviradas, e um bebê chorando em uma cesta disposta num canto. Todas essas figuras bizarras ganham explicações, exceto a galinha. O pretexto surrealista valoriza a comédia e dá um tom narrativo invulgar para um tipo de gênero que parecia seguir o déjà vu.
No desenrolar das trapalhadas, sabe-se, então, que durante a bebedeira Stu casou com uma “stripper” (a mãe do bebê que aparece no apartamento), e está com um dente quebrado. O tigre que se acha no banheiro impondo o medo aqueles que precisam usá-lo é de propriedade do famoso peso-pesado Mike Tyson, que aparece pela primeira vez no cinema como intérprete (ele tem até algumas falas do roteiro). A busca pelo desaparecido Doug varia de explicação, a cada peça desvendada da trama: ora teria sido seqüestrado por um chinês que acusa o bando de roubo de sua fortuna ganha no cassino, quando bêbados,ora teria sido alimento do tigre. Enfim, são muitas as peripécias em torno dos rapazes que objetivaram diversão e se meteram numa aventura jamais imaginada.
O filme não é o primeiro a focalizar despedidas de solteiro e no passado, há pelo menos dois títulos marcantes: o realizado em 1957 por Delbert Mann, The Bachelor Party, sobre um texto de Paddy Chayefsky, pródigo escritor de histórias para a televisão; e a de Neil Israel, em 1984, com Tom Hanks. Apesar de o primeiro ter a marca neo-realista interessante, tratando o assunto de forma cômica, mas sem exageros, e o segundo levando a festa a um carnaval pela descontração dos personagens e quebra de tabus, nada assume a feição deste exemplar de Todd Phillips que surpreendeu mês passado quando fez sua estréia mundial, rendendo nas bilheterias mais de US$ 200 milhões em pouco tempo de exibição e isto numa época de “blockbusters”.
Como diversão, um bom programa.
Cotação: *** (Bom)

UM SOPRO NO CORAÇÃO






Quando passou por Belém depois de uma viagem “secreta” pelo interior da Amazônia, o cineasta Louis Malle (1932-1995) recebeu Pedro Veriano e a mim no Hotel Gran Pará onde se hospedou. Fomos convidados do então diretor da Aliança Francesa no Pará, e grande impulsionador do Cine Clube APCC, Marcel LeBouhis. Na ocasião, o já famoso diretor de cinema (havia realizado clássicos como “Ascensor Para o Cadafalso”, “30 Anos Esta Noite”, um episódio de “Histórias Extraordinárias) conversou com Pedro e disse que seu filme predileto, até então, era “Le Souffle au Coeur”(O Sopro no Coração), na época inédito em Belém (e acabou sendo projetado com muitos cortes efetuados pela censura da época). Hoje, o filme está à disposição em excelente cópia restaurada num DVD simples, sem bônus. É uma peça rara que cinéfilo nenhum deve recusar.
O roteiro escrito pelo próprio Malle trata do adolescente Laurent (Benoit Ferreux então com 16 anos. Caçula da família é filho de um médico obstetra (Daniel Gélin) e de uma mulher jovem (Lea Massari), sendo reconhecido pelos irmãos e colegas como o “queridinho da mamãe”, com a sua vida monitorada desde a infância. O enfoque passa pela primeira relação sexual do personagem, interrompida pelos irmãos de forma a marcar profundamente o seu caráter, as férias em acampamento de escoteiros, a atração por uma colega e, finalmente, pela própria mãe, um processo edipiano que não chega a ganhar a realidade.
O filme se destaca de outros exemplares sobre o “rito de passagem”, mesmo de origem francesa como o clássico “Amor de Outono” (Le Blé em Herbe) de Claude Autant-Lara, ou o não menos clássico “Adultera” (Le Diable au Corps) também de Lara. E esse destaque se deve às excelentes interpretações e ao estilo de narrativa, econômico e ao mesmo tempo profundo, exigindo uma estrutura de tipos que raramente se concretiza em cinema.
Os cortes da censura brasileira dos anos 1970 hoje podem ser observados como hilários. O tratamento afetivo entre a mãe e o filho é tão delicado que se encaminha para a poesia. Talvez seja o filme mais sensível do diretor, que depois da sua estada na Amazônia iria morar nos EUA, casando-se com a atriz Candice Bergen e onde faleceu.
No cinema francês Malle só realizou mais dois grandes filmes: “Lacombe Lucien” em 1974 e “Adeus Meninos” (Au Revoir Les Enfants) em 1987.
Em DVD, assisti, também, esta semana, o inédito nos cinemas locais “Passageiros” (Passengers/EUA,2008) de Rodrigo Garcia. Apesar de contar no elenco com a emergente Anne Hathaway e com veteranos como Diane West, é mais uma história de fantasmas tendo como base em um desastre de avião e a investigação que se faz em torno disso a partir do trabalho de uma seguradora. Sabe-se, de inicio, que algumas pessoas sobreviveram ao desastre e os técnicos dos recursos humanos propõem uma terapia de grupo reunindo os passageiros que saíram ilesos do choque do aparelho com o solo. Um desses passageiros Eric Clark (Patrick Wilson) mostra-se mais interessado na pessoa dela, e a afinidade entre os dois ganha corpo no correr da narrativa “explicando-se” no final alguns detalhes dessa atração “á primeira vista”. Como de hábito no gênero, o final reserva surpresa. Mas desta vez é um absurdo tão grande que espanta. O filme foi tão ruim de público nos EUA que em muitos países passou direto para o DVD.
Quanto aos filmes do circuito extra: não esqueçam: hoje às 19 h no IAP o excelente "Morte num Beijo"(Kiss me Deadly) de Robn Robert Aldrich, exemplo clássico de "film noir".

DVDs MAIS LOCADOS (FOXVIDEO)

A Montanha Enfeitiçada (2009)
X-Men Origins: Wolverine
Programa de Proteção para Princesas
Velozes e Furiosos 4
Eu Odeio o Dia dos Namorados
Jonas Brothers - O Show
Presságio
O Menino da Porteira
Massacre no Bairro Chinês
Os Delírios de Consumo de Becky Bloom

sábado, 22 de agosto de 2009

CÓCEGAS NA MEMÓRIA





Em sua "janela" dos sábados, Pedro Veriano dá o tom de sua escrita neste blog. É prazer a convivência com ele em todas as suas andanças pelo tema cinema.Ele é o "nosso mestre" (LMA)



O DVD de “Adua e Suas Companheiras”, de Antonio Pietrangeli (eu queria muito rever desse diretor “Fantasmas em Roma”) veio de uma matriz restaurada por uma entidade italiana dedicada à preservação de filmes. Gente que compreende o valor do cinema feito no dia de ontem, sabendo que ele interessa hoje e quando o nosso hoje se chamar ontem. Anos atrás o curador do acervo da Atlântida Cinematográfica disse-me, com muita precisão, que no Brasil poucos querem ser restauradores (“todo mundo que estuda cinema quer ser diretor”). Uma pena. Martin Scorsese, nos EUA, mantêm um laboratório só para salvar filmes condenados ao desgaste imposto pelo tempo. Ele salvou, por exemplo, o ótimo “Neste Mundo e No Outro”(A Matter of Life and Death) de Michael Powell & Emeric Pressburger, sátira impecável que muita gente de agora não sabe nem que diabos é.
Esta semana eu revi em DVD “O Pequeno Mundo de D. Camillo” e “O Retorno de D. Camillo”, filmes de Julien Duviver com base na obra de Giovanni Guareschi, filmes que fizeram sucesso de público aqui mesmo, em Belém, exibidos no velho Olympia. O comediante Fernandel é o padre de uma cidade do interior da Itália, em 1946, que vive às turras com o prefeito eleito, o comunista Peppone (Gino Cervi). Na época comunismo e capitalismo englobavam a idéia de ateísmo versus catolicismo (principalmente). Os tipos de Guareschi defendiam os pólos antagônicos com a idéia de que podiam conviver e até ajudar um ao outro. Claro que essa premissa não passava pela cabeça de um Joe McCarthy, aquele senador norte-americano que difundiu a imagem de que os comunistas comiam crianças (com talher) e a pessoa de fé estava fadada ao fuzilamento. Talvez por isso, e por se tratar de uma produção européia, “D. Camillo” pegou distribuição da United Artists e correu os estados norte-americanos com um sucesso desafiador. Isso e o fato de Fernandel ser bom intérprete. Claro que sempre era ele mesmo, a cara “de cavalo” não ajudava muito.Mas é só lembrar a sua atuação em títulos como “O Diabo e os Dez Mandamentos” do próprio Duvivier , “Contrabandista à Muque”(La Loi Cest La Loi) de Christian-Jacques ou “O Carneiro de 5 Patas”(Le Mouton a Cinq Pattes) de Henri Verneiul para constatar que o comediante empurrava os filmes para a excelência. Por outro lado, tinha Gino Cervi, ator multifacetário, o Peppone que ninguém pensou diferente.
Bem, o que me interessa mais de perto agora são as duas produções que a ACCPA está exibindo em projeção de disco digital: “Do Mundo Nada Se Leva”(You Can’t Take It With You) e “A Morte num Beijo”(Kiss me Deadly). O primeiro é desses títulos que a gente não esquece e que se sente bem em ver (besteira ser critico diante de um trabalho tão alegre como este que é de uma linha bem a gosto do ítalo-americano Frank Capra (1897-1991). Um detalhe: no filme, o vilão é Edward Arnold e no fim da projeção ele muda de posto. É o único da fauna capriana que vira-casaca. Nos lembrados “O Galante Mr Deeds”, “Adorável Vagabundo” e “A Felicidade Não Se Compra”, eles, vilões, persistem vilões. Arrependimento passa rasteiro pelo Claude Rains de “A Mulher Faz o Homem”, mas não mostra o senador corrupto saindo da raia. Nem levado para um Conselho de Ética. No caso de “Do Mundo Nada se Leva”, a idéia é de que o representante emérito do capitalismo pode acabar tocando gaita com o representante da classe operária pois o primeiro percebe que o melhor da vida é viver a vida. Não é aquele apertar de mãos ridículo do patrão e o representante dos empregados que o Ministro da Propaganda do III Reich, Goebbles, insistiu para encerrar “Metropolis” dando raiva ao diretor Fritz Lang. Na comédia de Capra, é como se a madrasta de Cinderella compreendesse que a enteada era bonitinha e as suas filhotas ordinárias. Perrault era mais realista. Ou não sabia dar a outra face como um cristão.
Um amigo meu que dirigiu a filial da Columbia Pictures no nordeste-norte brasileiros desde que estreou “Gilda”(aquele filme de Rita Hayworth cantando e encantando), o Antonio Silva, foi convidado pela matriz de Nova York a escolher um titulo do acervo da empresa para comemorar o aniversário redondo da produtora conhecida pela imagem de Miss Liberty (creio que os 70 anos). Silva escolheu “Do Mundo Nada se Leva”. Uma cópia zerinho passou no Cinema l alegrando o amigo Alexandrino Moreira (que tinha exibido o filme no cinema de sua terra natal, Itaúna (MG) quando jovem projecionista). Eu conheci a comédia tirada de uma peça teatral e ganhadora do Oscar de 1938 através de um a copia em 16 mm que chegou para um cinema do interior do estado e eu aluguei para passar no meu Cine Bandeirante. Espantei quando vi um filme da Columbia, caracterizada pelos faroestes e seriados, com 4 rolos (mais que o normal na bitola). Mas fiquei fã da coisa. Quando me correspondi com Capra, foi um dos títulos mencionados. Sim, “do mundo nada se leva”, mas as lembranças ficam com os outros.
“A Morte num Beijo” podia ser uma simples aventura de Mickey Spillane como de um Ellery Queen ou Philip Marlowe, detetives que a gente lia em “pocket-books”. Não é. É mais. Robert Aldirch na sua melhor fase mistura o noir com sci-fi e deixa como saldo o apocalipse.Quer dizer: o fim da civilização começa com o banditismo. Alguma dúvida? É só ler os jornais e vê televisão....(Pedro Veriano)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O MISTÉRIO DAS DUAS IRMÃS








A propósito do novo filme de terror de Sam Raimi, vale a pena mencionar “O Mistério das Duas Irmãs”(The Uninvited/EUA, 2009) dos irmãos Charles e Thomas Guard, lançado no sudeste em maio e, ao que parece, destinado por aqui só em DVD.
No filme de Raimi, “Arrasta-me Para o Inferno”, uma bancária nega financiamento a uma mulher idosa e ganha, com isso, uma praga que não termina com a projeção. No trabalho dos irmãos Guard, o filme faz recortes entre a figura da jovem Anna (Emily Browning), vendo um incêndio e, subseqüentemente, saindo de uma clinica psiquiátrica acompanhada do pai (David Strathaim), rumo à chácara que a família tem à beira de um lago. Ali ela encontra a irmã mais velha, Alex (Arielle Kebbel), que tanto admira. O evento que a levou a clínica foi justo um acidente com a mãe no anexo da casa da família que pega fogo e esta morre carbonizada. Anna se desesperara por não podido ajudar. Meses depois do retorno da clínica, o pai revela um romance com a enfermeira da ex-esposa, Rachel (Elizabeth Banks). O relacionamento da futura madrasta com Anna é, desde cedo, tempestuoso. E, gradativamente, esta vai descobrindo o papel dessa mulher no incêndio. E não é só isso: o enfrentamento entre enteadas & madrasta apronta novas descobertas elucidativas da odisséia sofrida por elas com o incêndio, a morte da mãe e a situação vivenciada por Anna na clínica psiquiátrica. Um final-surpresa revela os mistérios do enredo.
Fantasmas e pesadelos coexistem na história escrita por Craig Rosemberg, Doug Miro e Carlo Bernard extraída de um filme coreano de Ji-woon Kim com o titulo de “O Mistério das Duas Irmãs”/ Janghwa Hongryeon, lançado em 2003 e 12 vezes premiado em festivais internacionais.
A trama lembra o romance de Henry James “A Volta do Parafuso”, que deu suporte à produção anglo americana “Os Inocentes”/The Innocents, de Jack Clayton). O clima de angustia é conseguido na medida em que os fatos surgem retorcendo situações clichês como a madrasta malvada, os espíritos que aparecem como se estivessem vivos, os longos corredores de uma casa, o contraste do lugar paradisíaco com os acontecimentos macabros, enfim, tudo o que se encontra nos filmes de terror de diversas fontes produtoras.
Como nas outras versões norte-americanas de originais asiáticos (“O Chamado”, “Água Negra” etc.) a preocupação com a bilheteria é pressentida na exposição de estereótipos diversos. A vantagem em “Uninvited” é o desempenho dos intérpretes, todos bem colocados e capazes de inspirar a angústia pretendida pela trama. O mesmo ocorrido em “Arrasta-me Para o Inferno”, este com a vantagem de traduzir certo humor em meio à narrativa, um detalhe que caracteriza os trabalhos de Sam Raimi no gênero (como no muito bom “Uma Noite Alucinante”).
Apesar de ter recebido criticas satisfatórias dos norte-americanos, fato incomum para um filme do tipo “meter medo”, “Uninvited” fracassou na estréia nacional deixando de ganhar, até hoje, os cinemas do norte. Caso chegue às telonas antes de pousar na prateleira especifica das locadoras, o suposto é por ser um providencial “tapa buraco”, medida tomada quando um filme pretensioso em termos de renda falha em meio ao caminho da exibição e um acordo do distribuidor com o exibidor coloca um titulo para suprir as datas programadas.
Para os fãs de um gênero prolífico e que no passado deixou um rastro de clássicos (a fase expressionista), vale a pena ver os dois títulos. Não atingem o nível dos bons filmes, mas conseguem ficar acima da média.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O CINEMA DE JACQUES DEMY





O Cine Libero Luxardo exibirá, durante duas semanas, a partir de hoje, quarta feira, dentro das comemorações do ano da França no Brasil, alguns filmes dirigidos por Jacques Demy (1931-1990), cineasta que se inscreveu no grupo da “nouvelle vague” (a onda de renovação estética proposta por François Truffaut, Jean Luc Godard, Claude Chabrol, Jacques Rivette e outros).
O estilo deste cineasta tinha suas peculiaridades. Seus filmes eram considerados “leves”, ora musicais, ora fantasias (como “Pele de Asno”), ora melodramas. Foi casado com a colega de profissão Agnes Varda, outra figura da “nouvelle vague”.
Os filmes de Demy que serão exibidos, na base de um titulo por dia são:“Lola”(1961), “A Baía dos Anjos”(La Baie des Anges/1962), “Os Guarda-Chuvas do Amor”(Les Parapluis de Cherbourg/1964) e “Duas Garotas Românticas”(Les Demoiselles de Rochefort/1967). O programa também inclui “Jacquot de Nantes” de Agnes Varda.
Ilustrativos, do cinema de Demy, os exemplos mais evidentes são: “Lola”, que ele dedicou a Max Ophlus um dos mestres do cinema romântico (autor de “Madame De..” e “La Ronde/Conflitos de Amor”), “Os Guarda-Chuvas do Amor” (premio maior do Festival de Cannes) e “2 Garotas Românticas”.
Em “Lola” há uma promessa de fidelidade a ser cumprida. A personagem-título espera o amado Michel, pai de seu filho, que foi para a América. Com a demora, ela é assediada por dois pretendentes: Roland e Frank. Contudo, preza a fidelidade e resiste aguardando o amado. Anouk Aimée, uma das requisitadas de Ophuls, encabeça o elenco.
“Os Guarda-Chuvas do Amor” também trata da fidelidade amorosa. Geneviéve é filha da proprietária de uma loja de guarda-chuvas. Aos 17 anos ela vê seu amado, um mecânico três anos mais velho. Quando ele parte para a guerra na Argélia ela é forçada a resistir aos galanteios de outros rapazes, como de um comerciante de diamantes por exemplo.
O filme segue a linha das antigas operetas. É todo cantado, e surpreende ouvir Catherine Deneuve em sua própria voz. Apesar de dissipar pelo gênero qualquer vestígio de realismo o filme fez sucesso comercial e chegou a ser exibido durante um período significativo em S. Paulo. Aqui em Belém foi lançado pelo Cinema I, por uma semana e fez sessão do Cine Clube da então APCC no Grêmio Português e Cine Guajará.
“Duas Garotas Românticas” não foi lançado em Belém. Apresentava certas curiosidades, como a chance de ver o desempenho conjunto das irmãs Catherine Deneuve e Françoise Dorleac. Gene Kelly também participava do elenco e desenvolveu a coreografia de alguns números musicais. O argumento focaliza duas gêmeas de 25 anos voltadas para a música, uma dando aulas de dança outra de solfejo. Elas sonham em ir a Paris mostrar as suas qualidades e isso ganha corpo quando surge um marinheiro que procura a mulher ideal.
O filme tinha o estilo das produções de Arthur Freed da Metro. Sobre ele disse Demy: “Queria fazer um filme que despertasse um sentimento de felicidade que, depois da projeção, o espectador saísse da sala menos triste do que quando tinha entrado”.
O programa do “Líbero..” inclui: “Jacquot de Nantes”(inédito em Belém). Trata-se de uma cinebiografia de Demy realizado por Agnes Varda. Ela aborda a trajetória do cineasta desde criança, quando já demonstrava seu amor pelas artes cênicas e começava a filmar com uma pequena câmera. Jacquot era como a família chamava Jacques. Há, no roteiro, alusões que justificam opções do cineasta como o tipo do mecânico de “Os Guarda Chuvas do Amor”, referência ao pai de Demy que tinha uma oficina. Um filme sincero, feito com o afeto de quem viveu 30 anos com o cinebiografado.
As exibições serão gratuitas.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

ARRASTA-ME PARA O INFERNO






Sam Raimi é um apaixonado por filme de terror. Desde que começou a fazer cinema, ainda criança, com câmera Super 8, optava pelo gênero como forma de dar um maior interesse em suas brincadeiras. Hoje, famoso (e rico) por ter dirigido sucessos comerciais como os três “Homem Aranha” (prepara o quarto episódio das aventuras do herói dos gibis), dá-se ao luxo de voltar à sua diversão predileta. É isto que para ele representa “Arrasta-me Para o Inferno” (Drag Me to Hell/EUA,2009) atual cartaz dos cinemas nacionais.
Entre as várias opiniões sobre o filme, a de um crítico norte-americano considera a história de Sam e de seu irmão Ivan Raimi uma critica a crise econômica atual que teve inicio com problemas das hipotecas vencidas (ou não pagas devidamente) em diversas cidades norte-americanas. Se não houve essa intenção, na verdade, inspirou a história do filme que trata de Christine Brown (Alison Lohman), funcionária de um banco que um dia recebe a visita de uma mulher idosa e doente (Lorna Raver) pedindo financiamento para prorrogar o prazo de quitação da hipoteca da casa onde mora. Nesse momento Christine ambiciona o cargo de vice-diretora do seu departamento, e teme um colega e concorrente que tudo faz para conquistar a simpatia do diretor Leonard Dalton (Chelcie Ross). A suposição da jovem de que a demonstração de força moral, bloqueando o pedido da idosa é uma forma de mostrar equilíbrio bastante para ganhar o posto desejado. E de fato recebe parabéns do chefe na hora em que despacha a cliente. Mas a reação desta é terrível: depois de implorar de joelhos pelo financiamento e vendo que nada consegue, a personagem que sintetiza os caracteres do tipo “bruxa”, amaldiçoa a bancária e dá inicio à uma perseguição que tem por base levar a alma da moça para o inferno.
A primeira parte do filme, apresentando tipos e tratando de problemas comuns no mundo capitalista, é apenas o gancho para o terror pretendido pelos irmãos Raimi. Coincidentemente, ao voltar para a casa com o namorado, preocupada com a maldição da mulher, Christine resolve consultar-se com um “médium” em uma loja próxima e este relata, impressionado, o poder da maldição que deram a ela. Daí o que se vê são as mais caprichadas caras feias, os acordes bruscos na trilha sonora, os desastres gigantescos, enfim, tudo o que tem direito um “filme de terror” tradicional.
Raimi, antes de ser o responsável pelo “O Homem Aranha” realizou dois filmes do seu gênero preferido que cativaram as platéias: “A Morte do Demônio”(Evil Dead) e “Uma Noite Alucinante”(Evil Dead II). Nestes, além dos detalhes costumeiros como as máscaras horripilantes e cadáveres que se movem, o diretor acrescentou duas atrações diferentes: um movimento de câmera frenético, com “travellings”cortando bosques em fantástica velocidade (emprego de zoom e outros detalhes técnicos) e o humor. Na verdade, os dois filmes eram comédias, mesmo “macabras”.
Principalmente “Uma Noite Alucinante”, onde o espectador que possa estar sentindo medo esconde-se bem com as gargalhadas que propiciam os intérpretes, comandados pelo amigo do diretor Bruce Campbell. É justamente esta licença cômica que falta em “Arrasta-me Para o Inferno”. É possível rir da mulher ao tirar a dentadura ou jogando as coisas mais nauseantes na boca de sua vitima. É aquele tipo de humor bizarro, buscando o riso nas raízes do pavor, ou do asco. Mas até pela colocação dessas cenas o filme não deixa que se ouçam risadas da platéia. O terror parece mais forte. E o final, absolutamente imprevisível, reforça o outro lado da história, ou seja, aquele que condena as instituições financeiras desumanas, as que pugnam pelo dinheiro e desprezam o poder aquisitivo de seus clientes. Noutras palavras: Christine, uma excelente criação da jovem atriz Alison Lohman, é uma vilã. Mesmo que a ação mostre a sua boa vontade, a sua meiguice, o seu relacionamento romântico com o pretendente psicólogo.
A narrativa dinâmica segue os antigos exemplares de Raimi. E por isso o interesse é garantido. Daí para uma análise é outro caminho. Que arrasta o espectador para outro inferno. Sam Raimi é o da foto ao lado.

Cotação : (** ) Razoável

domingo, 16 de agosto de 2009

SISSI, A IMPERATRIZ



Comemorando o seu 10º aniversário, a Versátil, distribuidora de DVD especializada em clássicos de diversas épocas e nacionalidades, lançou, nas locadoras e lojas, um luxuoso pacote com os filmes da série “Sissi”, produção alemã de grande sucesso nos anos 50 que narra, de forma novelesca, a vida de Elisabeth, a imperatriz austríaca, casada com o imperador Franz Joseph.
Os filmes dirigidos pelo cineasta germânico Ernst Marischka, revelaram a atriz Romy Schneider , nascida na Áustria como a personagem que interpreta e que logo se tornaria uma estrela de fama internacional, atuando nas cinematografias alemã, francesa, inglesa e norte-americana.
Quem viveu a época de lançamento de “Sissi” (1953),”Sissi a Imperatriz’ (1955) e “Sissi e Seu Destino”(1960) lembra das filas que os filmes formavam nos cinemas , no caso paraense, no Cine Nazaré (1000 lugares) onde se contabilizavam muitas sessões lotadas.
Um halo de conto de fadas cercava a imagem da garota interiorana (Romy adolescente) que acabaria por conquistar o seu príncipe (não necessariamente encantado), passando a morar em um palácio, mas procurando dar o seu jeito nas coisas reais que descobria.
Os filmes são característicos de um tempo. A indústria cinematográfica alemã refazia-se do impacto sofrido com a guerra (a 2ª Mundial) e a idéia era proporcionar ao público abalado pelos acontecimentos programas que fossem especialmente divertidos, como os musicais “As Pernas de Dolores” e “Noites no Papagaio Verde”, ficando lembranças bélicas como a exceção que confirma a regra, tipo “Os Diabos Verdes de Monte Cassino” ou “A Ponte”.
Cineastas que procuravam um cinema mais denso, a lembrar os áureos tempos do expressionismo, eram bem poucos. Lembro só de Helmut Kautner, ou de alguma produção de Kurt Hoffman.
O cinema de Ernst Marischka encaixava-se bem no que os italianos faziam antes da guerra, os chamados “telefones brancos” (romances ingênuos que o governo Mussolini fazia questão de fomentar para que o público não “pensasse em problemas de ordem política”).
Além dos três filmes, o pacote “Sissi” traz a ainda “Jovens Anos de Uma Rainha”, uma espécie de quarta etapa da aventura imperial de Romy Schneider, embora já demonstrando a exaustão do gênero. E o melhor: traz muitos bônus, sendo o mais significativo o documentário sobre a atriz, narrado por várias pessoas que a conheceram no meio artístico como Helmut Griem, Jean Claude Brialy, Karlheinz Böhm e Claude Sautet (diretor francês com quem fez “As Coisas da Vida”).
Romy Schneider era filha da atriz veterana Magda Schneider. Como os pais se separaram cedo, ela viveu a adolescência com a mãe, que a levou para o teatro e depois para o cinema. Magda interpretaria a mãe da própria Elisabeth (Sissi), na série filmada nos locais doa acontecimentos. Depois de ser a imperatriz juvenil, surgiu a chance de conhecer o galã francês Alain Delon e com isso uma paixão. Eles trabalhariam como enamorados no filme “Cristina” e contrariando a mãe e amigos, a estrela passou a viver um tempo com o namorado em Paris. Mas o romance não teve o final feliz dos filmes. Mesmo assim, Romy ainda atuou em ”A Piscina”. com Delon. Ela se casaria por mais de uma vez, tivera filhos, e o mais velho e único homem morreria adolescente ao cair sobre as grades da casa do avô em Paris. Esse fato marcou o inicio de uma fase amarga na vida da atriz, justamente quando ela fazia questão de papeis difíceis como em “O Processo” de Orson Welles, ”Ludwig” de Visconti e “Coisas da Vida” de Sautet.
Romy Schneider morreu cedo, com o marido encontrando-a desfalecida, julgando tratar de mistura de remédios, ou, como diziam na época, de suicídio.
A série “Sissi” não é só, portanto, uma homenagem da Versatil a um episódio do cinema mundial, mas a uma intérprete que vendeu formosura e talento, deixando a marca de transição na cinematografia alemã entre a fase do imediato pós-guerra e o cinema novo que viria com Herzog, Fassbinder, e outros cineastas inovadores.

DVDs MAIS LOCADOS (FOXVIDEO)

X-Men Origins: Wolverine
Velozes e Furiosos 4
Jonas Brothers - O Show
O Menino da Porteira
Presságio
Anjos da Noite - A Rebelião
Che
Massacre no Bairro Chinês
Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
Valsa com Bashir

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

CINEMA AMADOR E CINEMA DOMÉSTICO


Há alguns anos organizei um festival de filmes amadores. Era o tempo do Cine Clube APCC, com a efervescência do que se chamava “cinema de arte”. Esse período foi gratificante e hoje está sendo alvo de estudos de pesquisadores até de fora do Estado.
Avalio que neste momento é preciso recuperar, entre nós, essa categoria de cinema, mas é necessário, inicialmente, caracterizar o que se designa “cinema amador”. É possível distinguir a subdivisão: cinema doméstico e cinema amador de gênero (documentário ou ficção). Na mostra passada, esta subdivisão não foi mencionada. Na época, o que se gravava era em película 16 mm e Super 8 mm. O “tape”, ou melhor, a fita VHS, engatinhava. Agora há muitas pessoas que possuem câmera digital e filmam o que lhes interessa e a qualquer hora. O cinema, finalmente, ganhou a vez da caneta preconizada por Jean Cocteau no tempo em que realizou “Orfeu” (Orphée/1950). Por isso há necessidade de se selecionar o material nessas categorias. Não quer dizer demérito de qualquer uma. O cinema amador, como dizia Buñuel, é o “mais puro”, o cinema sem o “pecado” da feição industrial & comercial, realizado para registrar momentos de vidas ou para suscitar a admiração de um grupo. Trata-se de produções criativas que o cinéfilo elabora a partir ou não de um roteiro. É comprometido com um tema. Quem o faz pensa numa pequena história, na aferição de um fato, na descrição de um ambiente, num depoimento importante. Mas é possível ousar também o sentido experimental da “caneta”.
No caso do cinema doméstico, o mais comum é o registro de festas. Pode ser um aniversário, um casamento, um batizado, uma formatura, uma reunião familiar. O tom é de um álbum fotográfico onde se impõe o movimento, captam-se os momentos mais importantes do evento e como há empresas que se propõem nesse novo ramo de comércio a tecnologia adota os elementos da linguagem do cinema sem o sentido de significados que explorem algo além do registro puramente informativo do evento

Com base nessas dimensões, será elaborado um regulamento e uma ficha de inscrição, com data prevista para o lançamento do programa, ou seja, período de inscrição, seleção e divulgação dos resultados. A idéia é criar comissões não só entre os membros da ACCPA, mas da sociedade civil, visando uma seleção equilibrada do material enviado. Os vídeos (DVD) selecionados devem fazer parte de um programa que será exibido em um dos espaços hoje utilizados com sucesso pela associação de críticos.
Quem tiver o seu vídeo em qualquer das duas categorias pode começar a rever o seu “baú” e ficar na expectativa do regulamento para poder inscrever-se. Esse material estará, nos próximos dias, nos seguintes blogs: ACCPA, blog da Luzia e blog do Veriano.
Foi dada a largada. Quem quiser ver o seu filminho em tela grande, ao lado de uma platéia, que o registre. Não se promete prêmios. A exibição já é um prêmio. E não há “reprovação”. Se houver um numero muito grande de participantes o programa será divido em blocos ou temas. O que se quer é estimular a produção local a partir de sua origem. Alguns cineastas amadores do passado entraram para o rol dos profissionais. E em 1976, quando aconteceu a última mostra, produções de outros estados da Amazônia surpreenderam surgindo até um longa-metragem.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

CLÁSSICOS NO DVD






Há filmes que não resistem ao tempo. O normal é o envelhecimento físico (da cópia) ao complexo forma – conteúdo da realização. Mas há exceções. E uma delas é “A Cadela” (La Chienne/França, 1931) de Jean Renoir. Com roteiro de André Girard e do próprio Renoir baseado no livro de Georges de la Fouchardière. O filme trata de um modesto caixa de uma empresa, Maurice (Michel Simon) atormentado pela intolerância da esposa, Adele (Magdeleine Bérubet), distrai-se pintando quadros e com isso irrita a companheira que várias vezes ameaça “jogar tudo fora”.
Ao encontrar Lucienne (Janie Marèse), ou Lulu, como é chamada no “bas-fond”, Maurice se apaixona e não só passa a visitá-la como desloca seus objetos de lazer (os quadros) para o apartamento dela. A forte aproximação entre os dois não aclara a ingenuidade do amante de estar sendo usado financeiramente pela garota para proteger seu amado, o gigolô Dede (George Flamant). Com as altas despesas ultrapassando o seu salário, Maurice dá conta que pode retirar quantias do caixa sob sua responsabilidade.
Com o casamento desfeito pela descoberta de que o primeiro marido de sua esposa, ainda vivia embora tido como morto na guerra, sua mudança definitiva para o quarto de Lulu vai revelando o outro lado da vida da mulher, flagrando-a em intimidades com o cafetão. Discussões seguidas levam o velho Maurice, humilhado pela amada, a cometer um assassinato, sendo Dede incriminado e condenado por ter passagens na polícia. Maurice fica impune e depois de gastar a herança que recebeu com a morte da esposa, passa a mendigar. Sua culpa, entretanto, será reconhecida.
A força do filme se dá pelo desempenho primoroso do elenco, especialmente Michel Simon (aqui lembrando outro sucesso de sua filmografia: “Trágica Inocência”,1947, de Henri Decoin). É um drama denso que aponta as grandes tragédias que envolviam as questões de classe e de gênero de um tempo em que as seduções amorosas de “homens honrados” tendiam a justificar a dupla face do casamento. E as regras sociais faziam por onde “explicar” as “escapadas” masculinas e culpar as esposas, como expressas nas imagens de Adele pintadas no filme. Sem dúvida esta situação tem sido denunciada, mas os crimes contra as mulheres ainda hoje são um dado alarmante.

“Sangue na Lua”(Blood in the Moon) de Robert Wise é de 1948. Os historiadores de cinema inscrevem-no como “western noir”. Procede a assertiva com a brilhante fotografia de Nicholas Musuraca, técnico que auxiliou no clima de filmes noir como “Só A Mulher Peca”(Clash by Night) e “A Gardênia Azul”(Blue Gardênia), ambos dirigidos por Fritz Lang. Com tipos marcados pelo gênero, Robert Mitchum protagoniza um vaqueiro que perdeu seu gado e tenta emprego numa região onde dois grupos estão em luta pelos pastos, um deles notoriamente um malfeitor (Robert Preston). O tipo vivido por Mitchum tende ao lado dos bons, com a namorada (Bárbara Bel Geddes) sendo filha do fazendeiro honesto. Com todos os clichês, o filme consegue sair da mediocridade pela beleza plástica e pela direção de Wise, um cineasta versátil que não se considerava à vontade no gênero western. Produção da antiga RKO.

Outro filme da lavra dos anos quarenta é “A Sombra da Forca” (Time Without Pity/Inglaterra,1946) de Joseph Losey. O excelente ator Michael Redgrave (pai de Vanessa Redgrave) protagoniza um advogado alcoólatra residente no Canadá que se desloca a Londres para defender o filho condenado pelo assassinato de uma jovem. Sabe-se que o rapaz é inocente, mas o tribunal que o julgou pediu a pena de morte na forca. O pai, com quem o jovem não tem bom contacto, sabe da inocência do filho, mas tem pouco tempo para obter uma prova segura que o liberte. Ao descobrir o verdadeiro assassino só vê um meio de conseguir adiar a sentença e revelar o verdadeiro culpado: deixar-se assassinar da mesma maneira em que seu deu o outro crime.
Estereótipos prejudicam um maior aprofundamento da trama, mas o filme se mostra bem acima da média.

REGISTROS

No dia 09/08, Pedro Veriano aniversariou. No Pará, os que tratam da cultura reconhecem o valor desse crítico que tem dado sua vida pela causa do cinema, seja no âmbito de exibição, realização, divulgação e de formação de platéias. Desde que eu me entendo convivendo ao seu lado, há mais de 50 anos, o estudo sobre a teoria do filme, a estética, a história e as dimensões da narrativa em mudança nas várias escolas mundiais, sempre foram seu mais intensivo modo de conviver com as “letras e artes”. O cinema paraense tem nele seu historiador. Digo sempre que ele é “um militante cinematográfico”, pois jamais se aposentou da escritura crítica e se sente feliz quando vê uma sala de exibição cheia de público. Quando o filme é de arte, ou algum que está na sua expectativa de espectador ou é de sua predileção, a alegria é ainda maior. É um amante apaixonado dessa arte. Deste espaço, agora sem sua “janela” aos sábados, canto p’ra ele uma versão a là Frank Capra do “parabéns a você”.
Outro aniversariante da lavra artístico-cultural-cinematográfica belenense foi Vicente Franz Cecim (o nosso Godard). No dia 7, o amigo venceu mais uma etapa de um tempo que, embora marcado pelos cabelos embranquecidos, consolida a juventude cheia de sabedoria do autor de uma “Viagem a Andara” que está sempre em movimento.
Uma declaração de amor para os dois aniversariantes de agosto.

DVDS MAIS ALUGADOS (FOXVIDEO)

Jonas Brothers - O Show
Che
Presságio
Prison Break - 4ª Temporada
Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
Frost/Nixon
Sexta-Feira 13 (2009)
Gran Torino
Evocando Espíritos
Por Amor


sábado, 8 de agosto de 2009

O MÉDICO E O MONSTRO




Pedro Veriano no seu espaço semanal
faz um “exame de consciência” e se revela na opção pelo cinema acadêmico.
Mas a sinceridade é digna.
Pior é dizer uma coisa e ser outra.
Ele não gosta do cinema de Godard.
Não faz mal. Outros/as (como eu) gostam.
E muito.(LMA).

Sinto-me muitas vezes como a personagem descrita por Robert Louis Stevenson: tenho o meu lado médico, que leva o sobrenome Direito Álvares, e o meu lado monstro, o do jornalista Pedro Veriano. Vivi do primeiro lado e até hoje, se ganho aposentadoria, deriva dele. Mas sou conhecido pelo monstro. Por isso um blog antigo, que estou matando devagar, é quase inacessível: www.verianoalvares.zip.net O outro (blog) criado agora para o bem dos poucos e felicidade geral dos menos (gosto de parafrasear meu xará imperador), chama-se www.pedroveriano.blospot.com. Mais monstro. E trato disso agora porque no meu primeiro blog escrevi um texto que chamei assim: “Nouvelle Vague, et alors...” Nele expliquei porque não me balança o estilo de cinema de monsieur Jean Luc Godard. Sigo nesse compasso o critico que na minha juventude era um ícone: Antônio Moniz Viana, também medico, mas sem expor delineadamente as suas duas faces, ele dizia: “O cinema de Godard é focalizar duas pessoas falando em cabeceiras de uma mesa e focalizando apenas o meio da mesa”. Precursor inadvertido daquelas cópias em vídeo do tipo “fullscreen” (tela cheia) que cortam as laterais do plano. Eu gosto muito do “Gigi” de Vincente Minnelli, mas no DVD que a Warner lançou no Brasil (especificamente no Brasil onde se gosta disso e de dublagem, ou seja, deturpações de cinema) surge Maurice Chevalier cantando com Hermione Gingold, cada um de um lado de uma mesa de bar, e a tomada fixa da projeção anamórfica (cinemascope) vira um nervoso movimento de um lado para o outro prejudicando a elegância da seqüência.
Godard é como dizia Francisco Paulo Mendes: um cineasta muito inteligente e culto, mas que (ainda) não fez um grande filme”. O comum nas suas obras é o derrame de erudição. Fala-se demais do que se as personagens estão lendo. As imagens via de regra rendem-se às palavras e se ouve mais do que se vê. Lembro Hamlet ao responder sobre o que estava lendo: “palavras, palavras, palavras”. Nos filmes de Godard cita-se autores velhos e novos, e não há métrica para expor idéias que, de tão confusas na exposição, ficam subtraídas pelo enfado – ou pela intransigente curiosidade de saber o que ele quis ou quer dizer.
Num dos últimos filmes de Godard que eu vi, “Helas Pour Moi” (penso que o titulo servia bem ao espectador), um casal está numa praça à margem de um rio e a câmera não se move mesmo que o casal caminhe se afastando do foco. No fundo do quadro há um barco passando. Quando se focaliza outras pessoas, o barco, que havia passado, volta a passar. Tudo bem que se trata de um assunto a seguir. Mas isto é adivinhação de quem vê. Não há motivo para o barco, para a demora do plano, para a própria luz ambiente. Se há, cada um interprete de seu modo, e eu posso ver como a teimosia das figuras focalizadas, embora não as conheça – ou venha a conhecer no decorrer da projeção – para encaixar essa teimosia nos caracteres.
Você pode divagar através do cinema. Os surrealistas obviamente não pedem explicações.
Mas Godard não é surrealista. É um manipulador do realismo com a teimosia de ser inventor. Quis reinventar o cinema. Como a própria “nouvelle vague” propôs jogar na vala comum os cadáveres de Marcel Carné, Jean Dellanoy, e outros cineastas
que agüentaram o cinema francês quando o nazismo andou faiscando por baixo da Torre Eiffel. O curioso é que o “filme do século” para os intelectuais parisieneses
foi “O Boulevard do Crime” (Les Enfants du Paradis) de Carné. Nessa escolha os novos sobraram. E Truffaut fez ótimos filmes,
idem Chabrol idem Rivettre, idem Malle, idem Resnais, e só não engulo Eric Rohmer que me parece desleixado na textura de suas abordagens quase sempre literárias (mesmo assim longe do esquematismo de Godard).
OK sou “vielle”. Mas o meu lado monstro é assim mesmo,
metódico por influência, quem sabe, do meu lado médico. Vale dizer que sou um
Hyde a la Jerry Lewis, o que não me envergonha.
Ah sim: o primeiro filme de Godard passa hoje no Centur às 16,30. O debate vai ser aquele derrame de loas. Não devo estar presente. Nunca fui masoquista. (Pedro Veriano).

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

QUEM GOSTA DE GODARD?





Jean Luc Godard, cineasta francês de 78 anos (fará 79 em dezembro) e 92 filmes entre os já realizados e em edição, marca o cinema com um estilo, ou uma proposta que difere de todos os outros colegas seja de qualquer escola. Tudo bem que possa existir seguidores e até mesmo quem antes dele já fazia cinema “diferente”. Mas a marca de Godard superou, até porque encontrou mais distribuição e tem um processo de circulação que se torna muito mais abrangente.




Nós todos fomos acostumados a ver filme com a métrica norte-americana. Somos de uma geração “criada” por Hollywood, verdade que se espelha na oferta de material que os EUA enviam à maior parte do planeta. Mesmo os mais contestadores são obrigados a confessar que, em criança, “torciam pelo mocinho” dos faroestes, sentiam certo medo das máscaras dos monstros da Universal Pictures ou cantarolavam as canções em inglês ouvindo as músicas editadas nas luxuosas produções da MGM.
Godard surgiu no bojo do movimento “nouvelle vague” (fim dos anos 50) depois de alguns anos escrevendo sobre cinema na revista “Cahiers du Cinema”. Como crítico ele já demonstrava a sua rebeldia. Foi pioneiro em prestigiar cineastas norte-americanos que os colegas mais velhos não davam atenção (como Samuel Fuller ou Joseph H. Lewis). E juntamente com François Truffaut encabeçou a ojeriza pelo velho cinema francês, especialmente o dirigido por Jean Dellanoy, muito prestigiado até a nova turma, ou “vague” (onda) passar da teoria a pratica.
A rebeldia de Godard começou na dedicatória de seu longa-metragem de estréia: “Acossado” (À Bout de Souffle). Homenageava a Monogram, empresa americana produtora de westerns baratos, policiais de uma hora de projeção e quase sempre sem atores conhecidos.
O cinema, segundo Godard, vivia na pré-história. Porque se limitava a contar enredos. Um filme teria de ter principio, meio e fim bem delineados. Mais ou menos o que diziam os atores da fase muda: um herói, uma heroína, um vilão, uma vitória dos primeiros e o beijo final.
Em “Uma Mulher é uma Mulher” (Une Femme Est Une Femm/1961) ele deixava os principais interpretes por muitos minutos discutindo o que liam na cama. Quem estava acostumado com a idéia de que o cinema francês era pródigo em vender erotismo achava estranha a cena de um casal ir para o leito para....ler.
Em filmes como “Week End”, o terror citadino chegava à estrada para onde um casal seguia em veraneio. Os acontecimentos se precipitavam de tal forma que a situação de um “thriller” era totalmente subvertida para uma observação cínica do aspecto social.
Não há um só filme de Godard que se possa dizer “acadêmico”. Quando Carlo Ponti, mega-produtor italiano, contratou-o para dirigir “Le Mépris” (Desprezo, 1963) com a vedete do momento, Brigitte Bardot, o resultado espantou o "negociante". No final, um desastre que eliminaria os principais tipos nem é visto. Godard não se dobrou nunca.
Há, contudo, certo tipo de pessoas, com significativa cultura cinematográfica que não reconhece a objetividade estética do mestre Godard contra o cinema tradicional. É preciso entender, daí porque não é possível desconhecer, que na rebeldia há cinema. A busca pela leitura desconectada de um centrismo mistificador é o que dá o tom da versatilidade do cinema godardiano.
Neste sábado, o público terá o privilégio de ver o primeiro filme de Jean-Luc Godard, “Acossado”, na Sessão Cult da ACCPA no Cine Libero Luxardo (às 16h30 com entrada franca).

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

FRANCESES NA TELA





Três filmes franceses tiram da semana a monotonia das continuações. Explico: os cinemas comerciais prosseguem com os lançamentos do verão americano, títulos que lotaram as salas nas férias e em seguida esperam a visita dos veranistas que passaram o período longe da cidade. Os filmes franceses são: “O Último dos Loucos” (Olympia), “Uma Velha Amante” (Libero Luxardo) e, só em DVD no Pará (foi exibido no sudeste e recorde de público na França) “ Tempos Que Mudam”.
“O Último dos Loucos”(Le Dernier des Fous/2007, 96 min.) é dirigido por Laurent Archard e trata de uma família anômala, vista pelo mais novo membro, um menino de 11 anos que tudo observa de um espaço reservado. Mãe catatônica, pai dependente do avô, avó vivendo de devaneios, o irmão mais velho alcoólatra, o mundo em uma fazenda é um pesadelo que enlouquece. O conforto que recebe vem de um gato, Mistigri, e de uma amiga marroquina, Malika. O filme foi apresentado em Locarno e ganhou o Prêmio Jean Vigo, um dos mais prestigiados da França.
“Uma Velha Amante” (La Vielle Maitresse/2007, França, 114 min.) é da diretora de “Romance” (1999), Catherine Breillat. Neste novo filme ela focaliza um triangulo amoroso na aristocracia do século XVIII. Escrita por Barbey d’Aurevilly, centra a história em Ryno, noivo de uma cobiçada donzela, Hermangarde, mas o seu relacionamento no passado com uma espanhola libertina (interpretada por Ásia Argento),vem a tona e o jovem confessa a verdade à Marquesa de Flers, tutora da noiva. A narrativa em “flashback” acompanha a demonstração de sexualidade do personagem e de sua companheira. Os críticos viram no papel feminino um estereotipo da espanhola insaciável, mas houve quem achasse este filme o melhor da diretora.
Rafael Mesquita, da revista eletrônica Contracampo (www.contracampo.com.br) diz: “Para os que esperam ver muito sexo explícito em Uma Velha Amante – como de costume nos filmes de Catherine Breillat – aviso logo que irão se decepcionar. Ainda que haja corpos nus e cenas de sexo, seguramente não é isso que caracteriza o filme, e nem tampouco é objeto de desejo do espectador durante boa parte da projeção. Mas se à primeira vista o filme parece pudico (em se tratando da diretora), um olhar atento logo nos faz ver que se trata de uma história ácida, contada com muita categoria e imponência. Por trás da imagem forte e distante está contida toda a perversão que Breillat não explicita. (...)”.
“Tempos que Mudam”(Les Temps qui Changent/2004, França, 98 min.) é assinado por André Techiné e tem no elenco as duas maiores estrelas do cinema europeu: Catherine Deneuve e Gerard Depardieu que já contracenaram em muitos filmes, a exemplo de uma dupla conhecida dos velhos cinéfilos: Marcello Mastroianni e Sophia Loren, dirigidos por Vittorio De Sica. O enfoque de Techiné é sobre o personagem de Depardieu, um engenheiro que vai a Tanger observar uma obra, mas, na verdade, quer rever a amada da juventude (Deneuve) que desencontrou há mais de 30 anos. Já casada, tem um filho, enquanto o ex-namorado prossegue solteiro aguardando a chance de tê-la ao seu lado pelo resto de seus dias. Fria, no contato atual, não demonstra o drama que vive ao revelar ao marido médico, a orientação sexual do filho, com isso agravando o desgaste que o casamento já vinha sofrendo. O ex-amado, por sua vez, sofre um acidente com o desabamento de um terreno na construção que inspeciona e por pouco não perde a vida. O filme não quer atender à uma solução romântica. Usa uma narrativa fragmentada, para desconstruir o emocional, com o elenco contornando alguns óbices e apresentando um desempenho que eleva a produção bem acima da média.
Se hoje chama a atenção a produção francesa mantida no circuito extra ou nas videolocadoras, não foi sempre assim entre nós. A exibição comercial em Belém, na década de 1960 (pelo menos a que acompanhei como residente nesta cidade) era prolífica em filmes europeus, principalmente italianos e franceses. Estes eventos também circulavam nas cidades do interior onde havia pequenos cinemas mantidos por distribuidoras locais. Com isso, havia uma diversificação de escolas cinematográficas que davam ao público acúmulos culturais variados, favorecendo um itinerário artístico extremamente rico. Essa facilidade vinha de empresas como a França Filmes, por exemplo, sediadas no Brasil e mantendo uma programação sistemática com as “praças” do Norte, cujos cinemas, no nosso caso, o Cine Olímpia, o Moderno, o Independência, o Cine Art primavam pelos lançamentos dessa companhia. Hoje nossas casas exibidoras mantêm o domínio de uma produção norte-americana ficando no sul e sudeste os grande festivais do cinema europeu.
O matiz cinematográfico está voltando agora através da programação feita pelo cinema extra que teve sempre o papel de enfrentar o status quo, ou seja o domínio estabelecido. Assim, os filmes em cartaz de um mesmo ano vindo de Paris, os franceses estão na "praça" considerando a programação da ACCPA com vistas nos 50 anos do movimento “nouvelle vague”. Começou no domingo, com a exibição de “Quem Matou Leda?” de Claude Chabrol, na Sessão Cinemateca do Olympia. Prossegue sábado próximo (08), na Sessão Cult (16h30) do Libero Luxardo com “Acossado” de Jean Luc Godard e encerra na 2ª. feira, dia 10, no IAP, com “Os Incompreendidos” de François Truffaut.
É o ano da França no Brasil mas esses cartazes foram agendados fora de programação oficial do evento.