quinta-feira, 29 de outubro de 2015

PONTE DOS ESPIÕES


Tom Hanks e Mark Rylance em "Ponte dos Espiões", de Steve Spielberg

Mesmo que seja dito que a “guerra fria” entre norte-americanos e russos esteja hoje “fora do tempo”, o cinema é o mote de recuperação das imagens desse tempo. A partir de fatos que se sucederam, nesse período, e que ainda não receberam o devido tratamento que é o de criar a informação para um público diverso, fazendo-o entender que o conflito existiu e que não está somente nos livros de História nem só na mente dos cientistas políticos. É isso o que se vê em “Ponte dos Espiões” (Bridge of Spies, EUA, 2015), o novo filme de Steven Spielberg, que trata do processo de troca de um piloto norte-americano U-2 caído em domínio soviético e um suposto espião russo no tempo em que as armas eram mais estratégicas e as disputas indiretas, evidenciando o desempenho que teve nessa situação o advogado, oficial da Marinha norte-americana e negociador político, James Donovan.
O roteiro, assinado por Matt Charman associado aos irmãos Joel e Ethan Coen (estes dois últimos que o cinéfilo conhece e respeita) ambienta a ação, primeiramente, apresentando explicações, de forma sintética, sobre a tensão política entre os dois países. É didático, com o espectador entendendo melhor a distância ideológica entre eles. Segue-se a exposição dos personagens que definirão a trama. No caso, o espião supostamente soviético capturado nos EUA e o piloto norte americano preso na URSS. O interesse desses países em repatriar seus conterrâneos leva os norte-americanos a contratar um defensor para o soviético e negociador da troca entre os dois.
A primeira sequencia mostra em plano médio, o espião Rudolf Abel (Mark Rylance) pintando seu retrato com o olhar num espelho, seguindo seu caminho em ônibus e chegando em casa onde começa a tratar os elementos de sua área (espionagem). Isso quase em silencia, mas com os ruídos da rua. Daí em diante a tropa do FBI visita o suspeito, vasculha seus pertences e a prisão deste é realizada. Inicia-se o processo legal delineando-se, também, o perfil do defensor designado, Donovan (Tom Hanks), homem pacato, casado e pai de dois filhos.
Talvez o roteiro tenha se acomodado a um esquema em que os percalços políticos não se tenham dimensionado a contento, ou seja, mostrando mais detalhes da dificuldade do norte-americano em trabalhar na sua profissão (advocacia) em território que em tese desprezaria isso. Os tipos, na jornada em país comunista, surgem moldados na estereotipia comum que o cinema apresentou em tempo de guerra fria. Mas a produção não desejaria afastar um público amplo do relato que em linhas gerais se apoia em fatos verídicos. Hoje filmes como “Leviatã” mostram outra face da Rússia ou do que restou do regime que a governava. Por outro lado, Spielberg foi corajoso em bancar através da sua firma DreamWorks, associada a 20th Century Fox, um empreendimento tão caro. Acreditou no que fez. E mais uma vez mostrou como se dirige um filme destinado a um público numeroso (há textos que caracterizam o filme como blockbuster sem os rasgos digitais. Não acho). São 141 minutos que não cansam o espectador. Mesmo os que tenham nascido quando a “frieza” da animosidade entre EUA e URSS se tenha desmoronado sem que seja preciso mostrar a queda do muro de Berlim e as medidas de Gorbatchev que culminou com a dissolução da URSS em 1991.
O caso apresentado em “A Ponte dos Espiões” ganhou fama por dois motivos: primeiro foi o fato de esse advogado ter sido designado para defender um espião russo flagrado nos EUA. Sem interesse pelo caso, aceita a missão, embora se recusando a criar uma anti-defesa para seu cliente, apresentando argumentos que possibilitam inocentá-lo construindo um viés dos direitos humanos. Esse comportamento evidencia o entorno das imagens levando o espectador a avaliar as instâncias do direito norte-americano numa linha parcial e o povo desse país imbuído na cultura anticomunista execrando Donovan em qualquer lugar aonde este apareça (cf. uma sequência em que ele está num ônibus e todos os demais passageiros lendo o jornal com a reportagem do fato e a foto do advogado, vendo-se os rostos de execração a ele).
Outro detalhe é a presença do negociador em Berlim Oriental para tratar da troca do seu cliente, afinal condenado à prisão quando se pensava que seria à morte (como o casal Rosenberg, preso e morto anos antes) pelo militar que fazia voo de espionagem em território soviético sendo o seu aparelho derrubado e ele, desobedecendo a ordem de se suicidar caso fosse capturado, ser preso na Berlim do leste. Complicando a negociação, Donovan coloca mais uma personagem no trâmite burocrático: um jovem universitário preso como simpático dos inimigos do comunismo, mas fazendo doutoramento sobre o plano econômico soviético.
Impressiona ainda o cuidado da produção. A Berlim Oriental da época em que se construía o muro que a separaria do lado Ocidental foi trabalho de um set que a fotografia de Janusz Kaminski realça como se a ação fizesse parte de um documentário.
Um bom filme com a trama bem definida, entretanto, senti sequencias arrastadas em alguns momentos. A emblemática negociação final da troca entre os presos teve uma longa duração. Mas pelo que se observa do roteiro, tende a garantir os lucros dos norte-americanos em trazer para seu lado mais um preso e mostrar a política diferenciada mesmo nesse processo de troca.
Tom Hank mais uma vez protagoniza com elegância uma produção de Spielberg com quem trabalhou em “O Resgate do Soldado Ryan”(1998), “Prenda-me se for Capaz”(2002) e “O Terminal”(2004).

Um bom filme. Merece uma ida ao cinema. 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

DO CINEMA PARA CASA




Já em DVD o filme baseado no romance  John Green, dirigido por Jake Schreider , "Cidades de Papel"(2015), exibido recentemente nas salas comerciais.

          Alguns filmes chamaram a atenção nos cinemas e chegam agora em DVD.Deixei de assisti-los nas salas de exibição, mas foi possível vê-los agora.
“Terremoto: A Falha de San Andreas” (San Andreas, EUA, 2015) trata de um episódio fictício quando a conhecida Falha de San Andreas cede dando início a um terremoto em escala épica na Califórnia. Um piloto de helicóptero de resgate e salvamento (Dwayne Johnson) e sua ex-esposa (Carla Gugino) se juntam para uma jornada de Los Angeles a San Francisco na tentativa de salvarem sua única filha. Mas o caminho rumo ao norte do estado é traiçoeiro e está apenas começando. E quando eles pensam que o perigo já passou, percebem que coisas piores ainda estão por vir. Direção de Brad Peyton. Cenas de destruição numa ação intensa de catástrofe enchem a tela onde os clichês os mais diversos tendem a povoar o drama, Do cientista (Paul Giamatti) que tenta frear o acontecimento (embora não haja mais tempo) à jovem (Alexandra Daddario) que está preste a entrar na faculdade, passando pelas vítimas que de certa forma têm uma história dramática finaliza com a bandeira norte-americana tremulando ao lado do herói Ray (Dwayne) que trouxe o salvamento da filha morte e do seu próprio casamento, mostrando que a força de todos leva à vitória. Ray é representado pelo famoso The Rock que tem mostrado seu carisma em outros filmes de ação. Mas “Terremoto...” só mesmo em casa, embora a tela grande e a tecnologia da 3ª dimensão fossem melhor aproveitadas pelos que gostam de blockbuster.
“Selma: uma luta pela Igualdade (EUA, 2014) trata da cinebiografia de Martin Luther King Jr. (David Oyelowo), o pastor protestante e ativista político, que  estimula as marchas históricas de manifestantes pacifistas para garantir os direitos de voto dos afrodescendentes. Esta campanha que chegou ao auge na marcha de Selma, no interior de Alabama, a Montgomery, capital do estado, estimulou a opinião pública norte-americana a convencer o então presidente Lindon Johnson a implementar a Lei dos Direitos de Voto em 1965. Este ano se comemora o 50º aniversário deste momento importante pelos Direitos Civis nos EUA. Modelo clássico de filmagem pontuado pelos grandes planos utilizando-se de gruas para captar as cenas de multidões, indica datas e locais onde se dá o evento, segue um roteiro linear, explicativo e cronológico. Entre os méritos desta biografia destaca-se a abordagem desnudada de uma figura histórica e político-militante como Luther King em que a tática maior é essencialmente cerebral, lógica, mostrando o esposo, o pai, os adversários sempre tomados sem a emocionalidade que cerca esse gênero no cinema. O recorte sobre os preparativos do episódio mostra também as tensões no interior da própria militância quando os protestos de alguns pretendem usar a violência e o líder aponta para a necessidade de atender ao momento do diálogo com o presidente e o governador. O desempenho dos atores, principalmente David Oyelowo, demonstrativo de sua imersão no personagem, além dos demais, trouxe grandeza ao filme. Direção de Ava Duvernay.
“Cidades de Papel” (Paper Towns, EUA, 2014) Quentin Jacobsen (Nat Wolff) e sua vizinha e colega de escola Margo Roth Spiegelman (Cara Delevingne) vivem uma paixão platônica especialmente por parte dele. Um dia Margo desaparece e não ha pistas sobre o seu paradeiro. Historia do escritor de “A Culpa é das Estrelas”, John Green. Paixão platônica e re-arrumação de vida é demonstrado na convivência dos dois jovens. Um processo que desnuda o formato de sentir o amor e avaliar até que ponto é possível reconhecer se há realmente afinidade recíproca. Direção de Jake Schreier.
“Kaos” (Italia, 1988) foi o melhor filme do ano para os críticos locais (da então APCC) e agora chega ao DVD em cópia nova. Dirigido pelos irmãos Paolo e Vittorio Taviani aborda cinco contos de Luigi Pirandello. As histórias são ambientadas na Sicília do século XIX. A mãe passa a vida esperando notícias dos dois filhos que emigraram para a América enquanto despreza o que ficou. Garota descobre que seu marido enlouquece a cada lua cheia e busca a proteção de um amigo. Homem fica preso num jarro de azeite que deveria consertar. População de um vilarejo luta pelo direito de queimar seus mortos. O escritor Luigi Pirandello conversa com sua mãe a respeito de uma história que sempre quis escrever, mas para a qual nunca encontrou as palavras certas. Todos esses enredos são captados em uma linguagem acessível a qualquer plateia.
“De Volta Para o Futuro” (Back to the Future/EUA,1985) foi lançado para comemorar o fato ocorrido no segundo episódios dessa trilogia. Ao evocar o ano atual (2015), a produtora Universal Pictures relança os 3 filmes dirigidos por Robert Zemeckis em DVD, BLURAY e digital para cinema. Realmente é curioso saber como há 30 anos se pensava em como seria o mundo de hoje. Tudo muito divertido a começar com a ideia de que os carros passam a voar pelas estradas. E nas etapas, os personagens mexem com as suas vidas em família e chegam a uma temporada no velho oeste, enfrentando os bandidos de tantos filmes de um gênero. Uma boa diversão até nos “furos” como profecia.

“Diário de Um Padre” (Journal d’um Curé de Campagne, França, 1951), uma das obras-primas do diretor Robert Bresson. Nomeado para a paróquia de Ambricourt, uma pequena aldeia da França, um jovem padre não é bem recebido pelos moradores. Com uma personalidade frágil, saúde debilitada por problemas no estômago, o padre tem dificuldades em se impor aos paroquianos. Tentando lidar com a situação, busca então, conforto moral e espiritual com o pároco da cidadela vizinha. 
Outro DVD é "Selma" o filme que documenta uma parte da biografia de Martin Luther King Jr. vivido pelo ator David Oyelowo.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

NOVO SPIELBERG E EXTRAS INFANTIS - NO PROGRAMA



Tom Hanks em novo desempenho em filme de Steven Spielberg

  Muitos programas novos nos cinemas. Destaca-se o novo filme dirigido por Steven Spielberg, além de “Sicario” e as animações que estarão no Cine Libero Luxardo (francesas) e nacional (no Olympia em vesperais para crianças).
“Ponte de Espiões” (Bridge of Spies, EUA, 2015) reúne novamente Steven Spielberg (diretor) e Tom Hanks (ator). Com roteiro dos premiados irmãos Coen (Ethan e Joel) e mais Matt Cherman, trata do caso real de James Donovan, advogado de seguros no Brooklyn (NY) que é enviado pela CIA, em pleno tempo de “guerra fria” entre EUA e URSS para negociar o resgate de um piloto americano Rudolf Abel, um espião soviético que foi capturado pelos comunistas por um prisioneiro americano, capturado pelos inimigos. O filme estreou em 3° lugar nas bilheterias norte-americanas semana passada. Mas apresentou boas críticas. Programa imperdível.
“Sicário, Terra de Ninguém” (Sicario, EUA, 2015) focaliza uma agente federal que vai trabalhar na fronteira dos EUA com o México e se defronta com o mercado de drogas e a violência que o cerca. Direção de Dennis Vileneuve com Emily Blunt e Benicio del Toro. Foi mencionado no Festival de Cannes e premiado no Festival de Hollywood, em LA (melhor ator).
“Goosebumps, Monstros e Arrepios”(Goosebumps, EUA, 2015) é uma comédia de terror dirigida por Rob Letterman, baseado em um roteiro original de Darren Lemke, Trata do menino Zach, obrigado a trocar a cidade grande por uma interiorana, onde logo arranja amigos e em especial uma menina que mora na casa ao lado com o pai conhecido como escritor de historias de terror. Não demora e Zach descobre que as personagens do escritor são reais e ele as aprisiona nos textos que escreve. Uma vez liberadas, esta figuras vão ameaçar os adolescentes e estes começam uma batalha para colocar de volta as tais figuras nos livros de onde vieram. O filme estreou em 1° lugar nas bilheterias de origem. Os críticos acharam razoável. Copias em 3D dubladas e legendadas.
“S.O.S, Mulheres ao Mar 2”(Brasil, 2015) mostra que o cinema nacional aprendeu a mania das continuações de filmes rentáveis. Esta comédia de Cris D’Amato focaliza a jovem escritora Adriana que ao lado da irmã segue os passos do amado André, um estilista que viajou para o México em um navio onde está uma garota tentadora. Acontece que Adriana perde o embarque e resolve seguir de carro até onde está André. No caminho é assediada por bandidos e conta com um agente do FBI. Perseguindo sucesso comercial o filme ganha espaço nos cinemas de quase todas as capitais brasileiras.
“Atividade Paranormal: Dimensão Fantasma” (Paranormal Activity: The Ghost Dimension, EUA, 2015) tem como “novidade” os fantasmas vistos em 3D. O roteiro de quatro escritores coloca crianças que veem espíritos e estes não estão em busca de boas coisas. Direção de Gregory Plotkin. O filme estreia simultaneamente com os EUA.
“O Olho Nu” (Brasil, 2014) tem direção de Joel Pizzini e aborda a carreira do cantor Ney Matogrosso, desde a época em que surgiu como parte do grupo “Secos e Molhados”. Há cenas da infância do artista e muitas entrevistas sobre a sua carreira. Exibição no Cine Olympia em sessões de 18,30h, desde 4ª feira, Programa do Canal Brasil.
“O Menino e o Mundo” (Brasil, 2014) é uma animação brasileira de Alê Abreu. O autor usa traços coloridos ao invés de figuras humanas. Trata de uma criança moradora no meio rural com o pai distante e o contraste com a cidade grande onde o ambiente se reflete nos desenhos e cores. Programa selecionado para as crianças, exibindo-se no Olympia, neste sábado e domingo às 16h.

Animação de Terror Francesa - Animaldiçoados 2015 – Programa do Cine Libero Luxardo desta quinta feira até 1º de novembro com filmes de longa e curta metragens. Conferir títulos, dias e horários no site do cinema. 

LEVIATHAN



Kolya (Aleksey Serebryakov) é o agricultor que perde as terras para o Estado. Excelente desempenho. 

A frase célebre que sustentou um dos pilares da filosofia política de Thomas Hobbes – “O homem é o lobo do homem” - no período em que o poder na Inglaterra foi tomado por Oliver Cromwell deixando de ser monarquia para se tornar uma república governada por um militar, em 1651 – consta como leit motiv de “Leviathan” (Rússia, 2014), dirigido por Andrey Zvyagintsev, vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e candidato ao Oscar na mesma categoria, perdendo na ocasião, em fevereiro passado. As imagens de Hobbes sobre o comportamento humano em estado de natureza até encontrar-se com o homem artificial – Estado/Leviatã – condensam-se nas imagens simbólicas e nas peças do filme que também evidencia a releitura do livro de Jó, da Bíblia, inclusive tecendo diálogos sobre este. Lutando contra uma situação adversa – expropriação de sua casa e seus bens - Kolya (Aleksey Serebryakov) um pai de família que vive numa cidadezinha na região do Mar de Barents, litoral da Rússia, está em litigio na justiça contra a prefeitura para reaver suas terras e pede ao amigo de infância e advogado residente em Moscou, Dmitri (Vladimir Vdovichekov), que defenda sua causa. Mas as leis e outros dramas circulantes naquele momento tornam cada vez mais distantes a expectativa de justiça e a retomada dos bens que herdou de seus antepassados. Cada vez mais enredado pelas arbitrariedades onde a corrupção do Estado e da Igreja dispersa o reconhecimento de seus direitos, Kolya é sufocado por uma avalanche de suspeitas desde a responsabilidade pela morte da esposa à descrença dos amigos por sua inocência.
As primeiras imagens do filme mostram uma região litorânea com muitos detritos inclusive ossada de animais. Uma panorâmica ao som da música de Philip Glass dimensiona muito bem onde vive Kolya e sua família, sequenciando sua odisseia que não se dá apenas no nível formal do Estado, mas se acerca dele até na destruição de sua afetividade.
O filme seria impensado na Rússia do tempo da URSS. Denunciando a corrupção em áreas de governo, adentra pela amostragem de tipos sórdidos que se promovem a custa de pessoas simples, e ainda mostra o papel pouco louvável da igreja, com uma prédica no final, na hora do culto ortodoxo, que cita o livro de Jó, aponta a imagem do Leviatã que seria o mais terrível dos monstros marinhos.
O roteiro de Oleg Negin canaliza a historia de Kolya e mostra que seu inimigo está não só no prefeito com o respaldo legal que adultera seguindo interesse pessoal (há pelo menos duas sequências de depoimentos de juizado que revelam sempre o personagem como culpado dos atos em que é acusado e tenta se inocentar) como o próprio amigo, e em última analise, uma medida da própria esposa que não valoriza o perdão do adultério intentando refazer a vida em comum.
Há momentos em que a crítica politica ganha explicitude que revela a liberdade de pensamento observada na Rússia de hoje. É quando um grupo de amigos faz uma comemoração com uma demonstração de armas de fogo usando garrafas para ver quem as derruba com tiros. Nessa hora um personagem mostra, para exercício de pontaria, os retratos de dirigentes russos do tempo do regime comunista (e cita Gorbachov).
Usando muito planos médios e abertos o diretor sempre enfatiza o homem no cenário, com isso demonstrando o grau de cobiça dos inimigos dele. E dentre muitas cenas que sintetizam o drama há uma do filho de Kolya que se encaminha pela orla repleta de ossos de animais e o enfoque conjunto dimensiona o inocente no que seria a imagem do Leviatã. As carcaças de barcos e de animais estão ali submersos encontrando destroços humanos.
O diretor Andrey Zvyagintsev, realizou o seu terceiro filme, sendo os outros O Retorno (2003) e Elena (2011) usando a crítica política e por isso não tem sido bem aceito pelo formato de suas denúncias.

Há muito eu não assistia a um filme tão rico em sugestões e realização dessas sugestões. Quando o vi pela primeira vez foi na disputa do Oscar e lamentei ter perdido para o insosso polonês “Ida” (que venceu também “Relatos Selvagens” da Argentina). Em cartaz agora no Cine Estação é um brinde ao cinéfilo local. Não percam. 
As carcaças do leviatã e os destroços humanos 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

A TRAVESSIA




Joseph Gordon-Levitt interpreta Philippe Petit em "A Travessia".

Com roteiro do diretor Robert Zemeckis e de Christopher Browne com base no livro de Philippe Petit “To Reach the Clouds”, “A Travessia”(The Walk, EUA, 2015) procura dar um olhar mais detalhado sobre a personalidade do equilibrista francês Philippe Petit (interpretado por Joseph Gordon-Levitt) que se celebrizou atravessando as duas torres do World Trade Center(NY) em 1974, ganhando noticia internacional. Para isso o filme começa com cenas do personagem expondo, inicialmente, o que faria para concretizar sua ideia. Capta-o do alto e tratando da situação para o seu ouvinte, o publico do cinema. Seguem-se as tomadas mais próximas quando criança, brincando na sua cidade, Paris, sendo censurado pelo pai que deseja a ele um futuro acadêmico, e desde essa tenra idade se dedicando ao perigoso esporte do equilíbrio em corda bamba, tarefa potencialmente de circo e que ele, na juventude, já vai ser visto atuando, pedindo a proteção de um veterano do ramo, Papa Rudy (Ben Kingsley). Essa sequencia é em preto e branco. Com a maturidade do personagem o filme ganha cor, mas começa a acelerar as informações. Vê-se o seu relacionamento com uma cantora de rua, Annie (Charlotte Le Bon), seu conhecimento com o fotografo Jean-Louis (Clément Sibony), sua tarefa inicial para atravessar as torres da igreja de Notre Dame, e a realização de seu maior desejo que é passar por um cabo entre as duas torres do centro de Nova York, aquelas que seriam explodidas em 2001 num ato terrorista. Tudo isso é comentado pelo próprio Petit/Levitt do alto da Estatua da Liberdade em um tempo que se tem por atual (embora o ator não represente o tipo que hoje tem 66 anos).
O fato que deu fama ao equilibrista francês foi alvo de um documentário vencedor do BAFTA/ 2008 “O Equilibrista ”(Man on Wire), de James Marsh. O assunto parecia estar esgotado quando Zemeckis planejou não propriamente um replay, mas uma versão mais detalhada do ato praticado pelo audacioso Petit, dando ênfase a uma biografia. E é por aí que “A Travessia” não satisfaz. O filme é reticente quanto ao aspecto da vida do personagem, embora se reconheça, por exemplo, como se dá a proximidade com Annie, vista com poucas imagens e sem apelo a um relacionamento mais forte. Mas não creio que seja um fator de impacto, embora este contato sirva a Petit como incentivo às suas ideias. A presença do fotografo parisiense a quem o equilibrista elege rapidamente como “melhor amigo” tem não só a dimensão da confiança em mais uma pessoa como o interesse de ambos em documentar o evento. A trama mais audaciosa na colocação da corda entre as torres gêmeas em desafio com a polícia local (só depois se vê os policiais ameaçando Petit) embora seja um ponto a merecer de Zemeckis as evidências secretas da ação dos personagens não origina uma preparação mais impactante. Não há uma sequencia para evidenciar o pós-ato sobre as Torres Gêmeas, supondo-se que o interesse do diretor foi centrar a expectativa naqueles momentos de Petit na corda como uma aventura inaudita em se tratando de um mergulho no suspense. De qualquer forma, alguns espectadores gostariam de saber como se estabeleceu o equilibrista depois de sua maior aventura e o que está fazendo agora que aparece na Estatua da Liberdade ocasião que se perde no dizer de que se trata de um presente francês aos EUA, uma boa rima ao ato do equilibrista.
Há muita fala sem importância no contexto e o que parece é que Zemeckis e a equipe só queriam mesmo focalizar a travessia das torres gêmeas em 3D. Nesse ponto, o filme é eficiente. A profundidade de campo, o “plongée” em certa hora para dimensionar a altura dos prédios, isto impressiona. E a caminhada em oito momentos de Petit sob as cordas. Essa sequencia é a de maior empenho para garantir a tensão entre o que representou o feito do equilibrista francês e sua odisseia em preparar-se para a sua consecução.
Outro fator que me pareceu interessante foi o desempenho de Joseph Gordon-Levitt, procurou até mesmo o aspecto físico do biografado. O rapaz convence. E não faz mais porque não tem o que fazer no roteiro. Não sei até que ponto o verdadeiro Philippe Petit abençoou o filme. Consta que ele fez ressalvas ao primeiro. E agora?


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

CARNAVAL DEVOTO


Imagem do filme "Carnaval Devoto", de Regina Queiroz

Hoje é dia de lembrar o cinema no Círio. Costumo dividir o assunto em exibição e produção. No primeiro caso, lembro os programas especiais que as casas exibidoras trabalhavam na época dessa festa, seja com retrospectiva de grandes sucessos de bilheteria seja novidades e, em um certo ano, a realização de um festival do cinema brasileiro (1974). No âmbito da produção, muito se fez em curta metragem especificamente sobre o Círio. Nos longas só recordo a inserção de cenas da procissão, primeiramente, no filme inglês “O Fim do Rio” (The end of the River, 1947) de Derek Twist (com produção do famoso Michael Powell), em seguida, no primeiro trabalho de Jorge Bodanzky, com produção financiada pela TV alemã, “Iracema” (depois, com o adendo de “Uma Transa Amazônica”) e o que realizou o cineasta Libero Luxardo, especialmente em “Um Dia Qualquer” (1962) e “Brutos Inocentes”(1973). Hoje circula um documentário média metragem (55 minutos) e depois de lançado e exibido durante 3 dias no cinema Olympia deve ganhar mais tempo num cinema alternativo, possivelmente o Libero Luxardo, do Centur.
“Carnaval Devoto” (Brasil, 2015) dirigido por Regiana Queiroz foi realizado em locações na cidade de Vigia e Belém durante a festa do Círio de Nazaré, em outubro de 2012. A estrutura capta a obra de Dante Aliguieri, “A Divina Comédia”, mostrando o caminho percorrido passando pelo inferno, pela agonia do purgatório até o processo de redenção e alcance do céu, em uma analogia que remete às manifestações profanas, festivas, alimentares, culturais, religiosas que marcam essa festa paraense, registrada como o maior evento de devoção católica do mundo e patrimônio Imaterial da Humanidade.
A ideia foi relacionar a manifestação popular de gancho religioso com trechos de Dante, relatando a viagem do poeta pelos reinos do inferno, purgatório e finalmente o Paraiso. Com esse módulo se vê não só a exibição religiosa, mas as manifestações em paralelo, começando com a famosa “Festa da Chiquita” que é realizada a partir do Bar do Parque na Praça da Republica, no sábado em que se faz a trasladação da imagem da Virgem do Colégio Gentil Bittencourt à Catedral de Belém (conhecida como a Sé). Passa pelo carnaval, afiançando o titulo extraído de um texto do paraense Delcidio Jurandir, usado por Isidoro Alves em seu trabalho de mestrado para o Museu Nacional (RJ) e ainda por manifestações afro-brasileiras que foram vetadas pela igreja católica em certo tempo.
O filme cria o diálogo entre as imagens sempre tomadas com câmera na mão, a intertítulos em italiano com a tradução em rodapé de trechos da Divina Comédia. Com isso se realiza numa linguagem barroca o momento de uma manifestação de cunho religioso que se amplia no cenário de uma jornada em caminho de um céu onde Dante acha a sua Beatriz e ajudado por São Bernardo, intercede junto à Virgem Maria como um símbolo da fé.
A autora viu a procissão paraense como uma jornada a se comparar com o que o poeta italiano escreveu. E procede a forma de narrativa na evocação medieval do clássico literário. No filme está o Círio numa dimensão inédita em cinema, sem ser apenas um retrato de uma manifestação religiosa, mas um acontecimento amplo, abraçando um prisma cultural que os entrevistados focalizam com muita propriedade. Há, inclusive, a contrariedade de discursos onde se pronuncia uma evangélica sobre o culto á imagem.
No recorte entre o religioso e o profano, desmonta-se essa dicotomia hierárquica justamente pelo projeto da autora em dimensionar o que leva os participantes do Círio de Nazaré à convivência entre a fé que os emociona como pagadores de promessas e aquele que também é o que pode estar na “festa da Chiquita” ou no bar, no CAN, ou na convivência em múltiplos lugares. Encontrar o Círio é encontrar-se, também com todas as ambiguidades de uma vida humana. Achei fantástica essa forma de tratar o evento enquanto fato social que tem uma história, tem versões antropológicas, mas evidencia a prática popular que enfrenta as normas e segue em frente.
Creio que “Carnaval Devoto” está entre os mais felizes exemplos cinematográficos em torno do Círio de Nazaré. Cabe muito bem estar em cartaz hoje quando só mesmo as salas culturais exibem um tipo de cinema dedicado ao evento.


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

DRAMA HÚNGARO EM DVD

László e André Gyémánt , os gêmeos, e Piroska Molnár, a avó, em desempenhos surpreendentes: "O Diário da Esperança" (2013). 


Uma cinematografia constante nas cópias de DVDs é a europeia, em especial a alemã. Cópias de filmes que tem circulado entre os adeptos dessa mídia digital demonstram que os vários gêneros conhecidos em outras escolas são produzidos por lá, mantendo, entretanto, um foco diferente na narrativa. Há outras cinematografias. Merecem atenção.
“O Diário da Esperança” (A nagy füzet, Hungria, 2013) foi vencedor de vários prêmios em festivais internacionais. O roteiro de Tom Abrams com base no romance de Agota Kristof focaliza duas crianças, gêmeas de 12 anos que a mãe entrega à avó, numa fazenda no interior da Hungria, como forma de evitar que elas sofram os horrores do conflito. Mãe e pai dos meninos são envolvidos pela guerra e não buscam os filhos em pouco tempo. Eles são obrigados a suportar o mando da avó despótica, uma mulher obesa, magoada com a morte do marido, também magoada com a filha que jamais a procurou. Mortificando-se para enfrentar dores e o sofrimento físico e psicológico, os meninos suportam situações dramáticas e só não morrem por intervenção de um oficial alemão que passa pelas imediações e os ajuda por admirar a força que têm.
O filme é cruel como os pequenos personagens mostram as estratégias que aplicam em si próprios para se tornarem fortes às intempéries como a ausência da mãe que não vem buscá-los, os castigos que padecem pelo despotismo da avó, com  os trabalhos pesados obrigados a praticar para não morrer de fome. Eles sobrevivem pela capacidade de sentir a dor que aprendem a suportar. Com direção de János Szasz, é um exemplo do melhor cinema húngaro e não chegou aos cinemas locais. Merece ser descoberto em DVD. Não só a narrativa é exemplar no modo como atravessa um período em que a guerra termina no front, mas se faz sentir nas imediações (e desse modo o filme dimensiona o que se entende por guerra) como um modelo de interpretação dos meninos László e André Gyémánt e de Piroska Molnár, um tipo impressionante como a avó e que a população chama de bruxa.
Merece a atenção do cinéfilo.
“Charity Meu Amor”(Sweet Charity, EUA, 1969) é o primeiro filme para cinema dirigido pelo coreografo Bob Fosse (1927-1987), pouco tempo antes de ele dirigir “Cabaret” seu filme mais conhecido (e a meu ver o melhor). Baseado no clássico “Noites de Cabiria” de Fellini, com roteiro de Peter Stone extraído da peça de Neil Simon, apresenta Shirley McLaine no que talvez ainda seja o seu melhor momento em cinema. Ela interpreta Charity, a dançarina de cabaré, ligada à prostituição, que depois de um romance frustrado que quase a leva á morte (o filme abre com o namorado atirando Charity no mar), pensa que se casará com um jovem rico e tímido. A linha do argumento é toda do filme de Fellini e aqui se acrescentam os números musicais. O filme foi candidato a três Oscar e Shirley ao Globo de Ouro. Cópia excelente em widescreen.
“A Ultima Aventura de Robin Hood” (The Last of Robin Hood, EUA, 2013) tem roteiro dos diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland baseado na biografia de Errol Flynn (1909-1959) ator famoso nos anos 40/50 que marcou seu desempenho como o interprete de clássicos populares como “Capitão Blood” (1935) e “As Aventuras de Robin Hood” (1938). A trama apresenta aspectos dos últimos anos da vida do astro, que manteve relacionamento com a ninfeta Beverly Aadlam (1948-2010) gerando matéria para os jornais da época e um livro da mãe da jovem, Florence (Susan Sarandon). A ex-atriz infantil Dakota Fanning (de “Grande Menina, Pequena Mulher”) responde pelo difícil papel de Bervely. Mas o que surpreende é o desempenho do ator Kevin Kline, investido num Errol Flynn aceitável até pelo aspecto físico, garantindo a admiração dos que o conheceram de tantos sucessos de bilheteria. Um título, sobretudo, curioso e lançado no Brasil diretamente em DVD.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

UM AUTOR DE CINEMA: OZU



“Fim de Verão” (1961) de Yasujirô Ozu

Yasujirô Ozu (1903-1963) cineasta japonês era filho de um comerciante de adubo, sendo educado num colégio interno na cidade de Matsusaka, mostrando ser um aluno regular. Iniciou carreira no período do cinema mudo. Como diretor, realizou cinquenta e três filmes e em seus primeiros cinco anos uma série de comédias curtas, antes de aplicar-se a temas mais reflexivos na década de 1930. Em sua biografia evidenciam-se os assuntos de sua preferencia: casamento e família, especialmente as relações entre as gerações.
O cine-clube Alexandrino Moreira (Casa das Artes, ex-IAP) exibirá nesta segunda feira, 05/10, um dos últimos filmes de Ozu, “Fim de Verão” (Kohayagawa-ke no aki, 1961). O enredo segue o curso dos últimos dias de outono da família Kohayagawa. O patriarca Banpei, mantém um modesto negócio familiar, uma fabrica de saquê, assediada pelas grandes corporações. Ele sempre visita sua família alternativa, mas no momento em que é focalizado está interessado em arranjar casamento para a filha e a nora viúva. Este assunto reflete uma das preocupações do cinema de Ozu: a organização familiar planejada pelos pais, mesmo que eles não possam ser vistos como modelos de marido.
Muito se fala em “estilo” de cineasta, apegando-se ao pleno domínio que eles possam ter de suas obras. Na verdade, a qualificação chegou com as primeiras criticas, reforçando a ideia de que o diretor de um filme é o autor desse filme. Mesmo no cinema francamente industrial, realizado para gerar lucro.
A verdade é que poucos cineastas podem ser chamados de autores. Há todo um processo de produção que limita a atividade de quem ordena a transformação do roteiro escrito em imagens a serem projetadas. O japonês Yoshiro Ozu é um raro exemplo de autor. Seu cinema ganhava características desde a posição da câmera, sempre baixa e estática, no dizer dele “de acordo com a visão do japonês médio” (uma pessoa de baixa estatura).
“Fim de Verão” é um feliz exemplo deste cinema autoral. No tratamento que dá ao patriarca (Ganjiro Nakamura) que tenta casar sua segunda filha, Noriko (Yoko Tsukasa), e sua nora, Akiko (Setsuko Hara), revive um antigo relacionamento. Em paralelo vê-se personagens tratando de negócios e tentando participar do enlevo romântico com as figuras femininas. Vê-se a circulação dos membros da família apegada a uma cultura de longa tradição e do próprio chefe diante de uma realidade em constante transformação, tendo como única certeza a chegada da morte.
Ozu, a partir da forma, constrói as relações familiares às vezes tensas não só com a posição da câmera, mas a predileção pelos espaços vazios. Quando, por exemplo, um grupo conversa numa dependência da casa, o que se vê é um corredor por onde alguém passa ou vai passar ou se perde de vista quando sai do foco. A câmera não se desloca para focalizar quem está definindo o assunto. Parada, capta quem entra ou quem sai. O deslocamento lento em meio às paredes das residências traduz-se em formatos de grades de bambu como se as pessoas se mantivessem presas entre si. Quando deixa a casa é para seguir o velho pai aonde este estiver, mesmo necessitando de um “olheiro” para perscrutar sua vida secreta.
Em relação às mulheres, estas usam seus quimonos e só se vê uma jovem, representando a nova geração, com saia rodada como se usava na década de 60, em cenário ocidental. Não por acaso, a moça que se veste como uma garota de outro país está namorando um jovem norte-americano.
O roteiro, do próprio Ozu junto a Kôgo Noda, demonstra que apesar de o país estar em reconstrução depois do conflito 1941-1945 a sociedade de algumas cidades japonesas permanece cultuando costumes antigos, entretanto, chega-a se um fato raro: uma das mulheres preferir mudar de cidade seguindo um professor que a sensibiliza afastando-se da imposição de um casamento intraclasses.
É o penúltimo filme desse diretor “bem japonês” e seu colega Kiju Yoshida, no livro O Anticinema de Yasujiro Ozu, chamou de "ironia da morte" a trama que Ozu desenvolveu com uma fantástica simplicidade. 


O SOL NASCE PARA TODOS

“O Sol Sempre se Põe na Rua 3” (Japão, 2012) direção de Takashi Yamazaki.


Com o apoio do Japan Fundation (SP), Consulado do Japão em Belém e comemorativo dos 120 anos de amizade Japão-Brasil, o Cine Olympia estará exibindo um filme dessa nacionalidade fazendo jus ao processo de relacionamento dos dois países nesses anos de aproximação e, através do cinema, contribuindo para a disseminação da cultura nipônica a partir dessa arte.
Esta semana, iniciando-se nesta quinta feira, será exibido “O Sol Sempre se Põe na Rua 3”(Always hôme no yûhi '64, Japão, 2012), com direção de Takashi Yamazaki. Nessa narrativa explora um painel em que se observam lugar, personagens e situações na Tóquio de 1964, por ocasião dos Jogos Olímpicos naquela cidade e país, alertando como o núcleo urbano se desenvolvia aceleradamente depois da 2ª Guerra Mundial. Várias personagens são focalizadas na construção do painel. Há o romancista Ryunosuke, casado com Hiromi e vivendo com o filho adotivo Junnosuke, que está agora no ensino médio e o pai exige que ele chegue à universidade. Há o mecânico Norifumi Suzuki com a sua oficina pretendendo desenvolver no âmbito nacional. Ele mora com a esposa Tomoe, o filho Ippei e funcionária Mutsuko. Esta é muito tímida e só nas manhãs bem cedo cuida de sua beleza, tirando o macacão que usa o dia todo consertando carros. Muito bonita,  Matsuko encontra o médico Tomokazu por quem se apaixona e é correspondida. Mas o rapaz tem fama de mulherengo e Suzuki quer afastar sua pupila de conquistas. Os moradores da Terceira Rua vivem em suas formas habituais otimistas, mas carregam dramas pessoais que vão ficando expostos no decorrer da narrativa, com a câmera sempre focalizando a rua onde moram (construída no estúdio) e alertando para a amizade que une os habitantes.
Os tipos e situações mais focalizados são os do escritor e seu filho adotivo, constrangido (ou invejoso) quando o garoto, que pensava estar sempre estudando para se submeter ao vestibular, escreve um conto que faz sucesso na revista onde trabalha o pai adotivo. Quando este homem sabe que o seu recente trabalho literário foi subtraído, ganhando um desconhecido, fica muito triste. Nessa época a esposa do escritor, grávida, pari uma menina. A situação de constrangimento do pai se acentua ao conhecer o interesse da editora pelos contos do filho e a posição deste em se manter no que gosta, preferindo esse modo de vida ao que já fora imposta pelo pai.
Quanto a outra situação é a do mecânico que não quer aceitar o romance de sua funcionária e exibe fúria quando sabe que ela foi passar uma noite com o médico. Alertado por outro médico sabe que o rapaz é um bom caráter, que trabalha de graça para os mais necessitados e, principalmente, quando revela sua pretensão de casar com a namorada. Com isso, há forçosamente uma mudança.
Os dois casos levam ao momento simbólico em que todos podem apreciar o mesmo por do sol. No caso, este espetáculo natural é mais interessante do que a transmissão dos jogos olímpicos pela TV. Aliás, logo nas primeiras sequencias o roteiro define as personagens quando na casa de uma chega um aparelho de TV em preto e branco e na de outro um colorido. Não é só o fator financeiro que vale a amostragem, mas, principalmente, o caráter dos donos das casas, os diferentes temperamentos que modulam os lares, todos orientados pelos homens “donos do espaço”.
A mudança do país ganha dimensão, também, nos comportamentos dos habitantes. Muito se comenta da mulher que trabalha na oficina mecânica e quando ela vai casar com anuência dos responsáveis por sua conduta (os pais biológicos moram no interior) o “modus vivendi” é relatado no fato de ela, mesmo casada, continuar trabalhando.

Uma narrativa muito simples, com bons desempenhos, torna o filme muito popular (e isso fez sucesso em sua origem). Não é obra-prima, mas um programa muito interessante e, sem duvida alguma, com embasamento histórico-sociocultural. O autoritarismo patriarcal, a presença feminina em profissões ditas masculinas e a rebeldia filial evidenciam as novas vivências dos orientais marcadas pelo tempo dos jogos. 

sábado, 3 de outubro de 2015

NÁUFRAGO DO ESPAÇO & CÍRIO

Matt Damon em "Perdido em Marte", de Ridley Scott

Os cinemas comerciais em novos lançamentos no dia de mudança na programação (às quintas feiras) exibem um filme muito curioso: “Perdido em Marte” (The  Martian, EUA, 2015) do diretor Ridley Scott (de “Blade Runner”, “Alien” e “Gladiador” etc.). O roteiro de David Goddard trata do astronauta Mark Watney (Matt Damon), tripulante de uma expedição humana pioneira, ao planeta Marte. Ele é considerado morto pelos colegas quando sofre um acidente na superfície marciana. Temendo uma tempestade que se avizinha, esses colegas dão partida de volta à Terra. Mas o desmaiado Watney se recupera e fica ciente e tem que arcar com todos os recursos disponíveis para suportar fisicamente uma estada em Marte até que o pessoal da Terra mande lhe buscar.
O roteiro pode não ser considerado uma novidade. Em 1964 o diretor Byron Haskin (da primeira versão de “A Guerra dos Mundos”, 1953) realizou um filme intitulado “Robinson Crusoé em Marte” com roteiro de Ib Melchior e John C. Higgins, inspirado no clássico livro de Daniel Defoe. Nesse filme, também um astronauta ficava acidentalmente no Planeta Vermelho e era obrigado a se manter, inclusive, usando oxigênio extraído da combustão de algumas pedras. Certamente que o filme era uma fantasia trocando a ilha do personagem de Defoe por um planeta. Mas havia um empenho cientifico incomum na época. Hoje, Ridley Scott promete amparo na ciência e diz como é possível planejar uma viagem ao mundo mais acessível a nós (pelo menos é o planeta rochoso mais perto da Terra). Assunto oportuno quando se constata a presença de água na superfície marciana.
O protagonista é o ator Matt Damon que passa a maior parte do tempo sozinho adiante das câmeras e por isso veem o filme como um “Naufrago” (o trabalho de Robert Zemeckis) no espaço. O filme atual está em cartaz em todas as salas de shopping em cópias com som original e legendas e a alternativa dublada.
Outro lançamento que já estava em pré-estreia é “Vai que Cola”(Brasil, 2015), mais uma comédia nacional com atores conhecidos da TV. No argumento, Valdomiro Lacerda (Paulo Gustavo) era sócio de uma firma onde atuou em falcatruas sendo despedido. Fugindo da policia passa a morar na pensão de Dona Jo (Catarina Abdalla) no subúrbio do Rio de Janeiro, onde vive sonhando com uma chance de voltar a ter uma casa luxuosa como tinha antes. Quando um ex-sócio o procura com um plano para ganhar a sedutora cobertura em frente ao mar ele acha que finalmente seu sonho se realizará. Mas a turma da pensão se faz presente e esse pessoal leva os moradores de um bairro modesto a uma confusão no mundo da elite carioca. Direção de Cesar Rodrigues com Cacau Protásio, Catarina Abdalla, Marcus Majella, Fernando Caruso, Emiliano D’Avila e Oscar Magrini.
“Um Estranho no Ninho” (One Flew over the Cuckoo’s Nest, EUA,1975) concedeu o primeiro Oscar a Jack Nicholson. Dirigido por Milos Forman (de “Amadeus”) trata de de um prisioneiro que aspira escapar da lei que lhe exige muito trabalho pesado, se investe de trejeitos de loucura integrando-se à clientela de um manicômio, passando a liderar os internos com a sua capacidade de persuasão sobre as regras impostas pouco concessivas aos direitos dos pacientes. Seu único obstáculo na luta pelo domínio ambiente é uma enfermeira (Louise Fletcher) que tem suas estratégias de manipulação a muito tempo, desses pacientes que não conhecem seus direitos. Além da premiação a melhor ator para Nicholson o filme ganhou Oscars de produção, direção, roteiro, e atriz coadjuvante. Será exibido na Sessão CULT, de sábado, 3/10, ás 16 h no Cine Libero Luxardo. Promoção da ACCPA.
“Carnaval Devoto”, documentário de longa metragem de Regiana Queiroz, está estreando logo mais as 17 h, no Cine Olympia, com apresentações também nos dias 02, 03 e 04/10. Pelas informações, o filme foi feito em locações na cidade de Vigia e Belém durante a festa do Círio de Nazaré, em outubro de 2012. A estrutura capta a “obra de Dante Aliguieri, “A Divina Comédia”, mostrando o caminho percorrido por uma personagem de ficção que vai ao inferno, passa pela agonia do purgatório até receber a graça da redenção e alcançar o céu, em uma analogia que remete às manifestações profanas, festivas e alimentares, culturais, religiosas que marcam essa festa paraense, registrada como o maior evento de devoção católica do mundo e patrimônio Imaterial da Humanidade.”
No hall do cinema será exibida a mostra de fotografias de cena de Raphael Nunes e Tássia Barros. 


EVERESTE - ONDE A MORTE É A VIDA


"Evereste" : lutando pela aventura e pela vida 

A pergunta que não quer calar quando assistimos a “Evereste”(EUA, UK, Islândia, 2015) : o que se leva uma pessoa ao interesse de arriscar a vida na escalada de uma montanha onde sabe existir um clima inóspito capaz de matar pela falta de oxigênio e o extremo frio (além das difíceis transposições entre rochas íngremes e pedaços de gelo eterno)? Percebe-se que a sede do perigo faz o jogo. Tanto que em 1966 existiam empresas que comercializavam escaladas, pagando-se para subir montanhas mesmo com inexperiência em alpinismo e saúde nem sempre boa.
O filme do finlandês Baltasar Kormakúr, ora em cartaz internacional, reporta justamente a tarefa dos que se candidataram a escalar a montanha mais alta do planeta no ano citado (1966). Sabe-se que o instrutor da equipe, Rob Hall, interpretado por Jason Clarke, não sobreviveu ao desastre que foi a missão, embora quase todos os membros tenham alcançado o objetivo (o drama foi a descida). Mas outro intrépido montanhês (Josh Brolin) perdeu as mãos e o nariz (congelados). Ao menos dois personagens ganham relevância no fato de se abordar sua vida privada. O primeiro, chefe da missão deixa a esposa grávida e com ela mantém contato por telefone até o último momento da situação desesperada. Mostra a grande afeição familiar que inclusive ajuda-o a superar os terríveis obstáculos a transpor. Beck Weathers(Brolin) passa pela memória os momentos de grande afeição com a esposa e os dois filhos e dessa força retorna sua energia e a sobrevivência desesperada. Os companheiros de jornada surgem em poucos planos. O roteiro de William Nicholson e Simon Beaufoy desfaz o que poderia dar mais interesse à trama desde que ao espectador fosse revelado mais de cada um alpinista ou qualquer recurso que individualizasse tipos de quem só se sabe quando morrem na região gelada. Mas esse despojamento tem o efeito de desmontar o dramalhão que dai possa resultar.
“Evereste” realiza-se criando a dimensão geográfica do ambiente da ação. Há um livro de Jon Krakauer escrito em 1997, que tratou o assunto, ao que dizem, com muita propriedade. Até porque o autor conheceu alguns personagens. O mesmo livro gerou um documentário filmado em média metragem e outro em curta. Para o cinema, a produção de Hollywood (o filme é da Universal) pretendeu estimular o visual. Para ser visto no processo IMAX (tela gigantesca) e em 3D, registrando a grandeza e o consequente perigo que é atingir o cume da montanha que se tem como o ponto mais alto da Terra.
De fato, o filme é um espetáculo visual. E desvia-se dos chamados “filmes-catástrofes” por não perseguir um “happy end” nem colocar em ação um inimigo poderoso além dos elementos de natureza. O que mais se parece ao que escreveu a dupla Nicholson & Beuafoy é o que publicou James Ramsey Ullman e que deu margem ao filme “Neve e Sangue” (The White Tower) de 1950 dirigido por Ted Tetzlaff (1903-1995) sobre a escalada do Monte Branco nos Alpes Suíços. Mas neste exemplo o perigo iminente ameaçando tipos simpáticos moldados na historia é privilégio da trama.
O que evidencia mesmo este “Evereste” é o visual, com o esplendor do ambiente alternado por imagens digitais. A edição usou planos do Nepal, onde fica a montanha, com algumas tomadas nas primeiras bases da escalada, e ajustou essas tomadas com CGI, ou seja, fotografias do Everest ou mesmo planos-conjunto de outros filmes.

É o tipo do programa para ser visto em 3D. Pena é que em muitas salas locais a iluminação precária (lâmpadas com poucos lumens) desfaça um pouco este prazer. Mesmo assim, é um exemplo de cinema-espetáculo, com o bastante para se perguntar pelo desejo de tantos em enfrentar perigos de morte. Mas é preciso dizer: o público sai do cinema angustiado pelas situações mostradas. 

FALSA LOUCURA




Jack Nicholson é "Um estranho no Ninho" (1975) de Milos Forman.
 
Baseado num livro de Ken Kesey sobre um condenado que se faz passar por louco para evitar os trabalhos pesados, “Um Estranho no Ninho” (One Flew on the Cukoo’s Nest, EUA, 1975) foi aproveitado, primeiramente, numa peça de teatro. Kirk Douglas, entusiasta do texto, produziu e atuou nos palcos, mas, para sua surpresa, foi um grande fracasso comercial, com a peça ganhando pouco tempo em cartaz. Esse desgosto levou Kirk a incentivar o filho Michael Douglas a entrar no projeto de levar o assunto ao cinema e este se associou a Saul Zaentz (1921-2014), produtor internacional que inclusive foi o produtor de “Brincando nos Campos do Senhor” (1991) que Hector Babenco realizou na Amazônia. Eles procuraram um ator para o papel principal e acharam o novato Jack Nicholson, logo preferido pelo diretor Milos Forman (de “Amadeus”, 1984) a ponto de este conter a produção por sete meses para que Nicholson finalizasse outro filme em que estava atuando.
O texto centra sobre a figura do prisioneiro excentrico Rundle Patrick McMurphy que, para não ficar na prisão, inventa uma suposta doença mental e vai parar num hospital onde outras pessoas estão em tratamento, a maioria diagnosticada de esquizofrenia.
A representação de loucura de Rudle só encontra oposição na enfermeira-chefe do local, Mildred Ratched (Louise Fletcher) porque o novo interno se rebela contra as normas impostas pela enfermeira estimulando os demais pacientes. O verdadeiro duelo entre os dois exibe a diferença da sanidade mental com o que se tem por loucura (uma forma comum de uma pessoa ser diagnosticada como doente mental). Mas há um preço para a rebeldia.
Saul Zaentz e Michael Douglas visitaram quatro hospitais diferentes até que encontraram um onde pudessem filmar. E a equipe passou meses nesse hospital saindo apenas para as poucas tomadas em exterior (feitas no final dos trabalhos por exigência de Forman).
Premiado varias vezes inclusive com cinco principais Oscar (também Globo de Ouro, David de Donatello etc), o filme está inscrito entre os clássicos básicos de Hollywood. Mas o coadjuvante Brad Dourif que interpreta Billy Bibbit (embora tenha ganhado o Bafta inglês, na categoria), ficou apenas na indicação das premiações do Oscar incorporando um paciente que havia tentado se suicidar por varias vezes. Esse ator hoje tem 65 anos e ainda ativo, tendo estado em filmes como “Padre” (2011), “O Senhor dos Anéis” (2002, 2003) e muitas séries de TV (há cerca de quatro trabalhos dele a estrear).
O cinema mostrou por muitos anos a figura do doente mental. Um clássico, “O Gabinete do Dr. Caligari” (1919) de Robert Wiene, considerado o primeiro título famoso do movimento expressionista, tratava justamente de uma conversa entre loucos num hospício. É fácil entender que um bom ator persegue um papel de louco por dar-lhe margem a nuances de interpretação. Jack Nicholson foi muito feliz em ter encontrado esta chance. E seu melhor papel depois deste “estranho no ninho” foi do maníaco em “Melhor é Impossível” (As Good as it best, 1997) de James L.Brooks. Não à toa o seu segundo Oscar.
Nicholson não filma desde 2010 (“Como Você Sabe”, How do you know) também de James L. Brooks. Há noticias de que o ator está enfermo e ainda por isso a exibição agora de “Um Estranho no Ninho”, na Sessão Cult do Cine Libero Luxardo, é em sua homenagem.

Note-se que o trabalho de Milos Forman não é apenas o rendimento de um elenco. Há toda uma criação do ambiente hospitalar específico, de como se comportam os internos, e como são tratados (ou eram, nos anos 60-70). Pergunta-se: mudou alguma coisa nesse cenário muitas vezes impositivo de diagnósticos devido a um determinado comportamento de sujeitos considerados fora da norma social? Um filme de agrado geral. E que tem um forte conteúdo crítico para debate. As regras sociais impostas estão aí. Veja-se o “Estatuto da Família”.