sexta-feira, 23 de outubro de 2015

LEVIATHAN



Kolya (Aleksey Serebryakov) é o agricultor que perde as terras para o Estado. Excelente desempenho. 

A frase célebre que sustentou um dos pilares da filosofia política de Thomas Hobbes – “O homem é o lobo do homem” - no período em que o poder na Inglaterra foi tomado por Oliver Cromwell deixando de ser monarquia para se tornar uma república governada por um militar, em 1651 – consta como leit motiv de “Leviathan” (Rússia, 2014), dirigido por Andrey Zvyagintsev, vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e candidato ao Oscar na mesma categoria, perdendo na ocasião, em fevereiro passado. As imagens de Hobbes sobre o comportamento humano em estado de natureza até encontrar-se com o homem artificial – Estado/Leviatã – condensam-se nas imagens simbólicas e nas peças do filme que também evidencia a releitura do livro de Jó, da Bíblia, inclusive tecendo diálogos sobre este. Lutando contra uma situação adversa – expropriação de sua casa e seus bens - Kolya (Aleksey Serebryakov) um pai de família que vive numa cidadezinha na região do Mar de Barents, litoral da Rússia, está em litigio na justiça contra a prefeitura para reaver suas terras e pede ao amigo de infância e advogado residente em Moscou, Dmitri (Vladimir Vdovichekov), que defenda sua causa. Mas as leis e outros dramas circulantes naquele momento tornam cada vez mais distantes a expectativa de justiça e a retomada dos bens que herdou de seus antepassados. Cada vez mais enredado pelas arbitrariedades onde a corrupção do Estado e da Igreja dispersa o reconhecimento de seus direitos, Kolya é sufocado por uma avalanche de suspeitas desde a responsabilidade pela morte da esposa à descrença dos amigos por sua inocência.
As primeiras imagens do filme mostram uma região litorânea com muitos detritos inclusive ossada de animais. Uma panorâmica ao som da música de Philip Glass dimensiona muito bem onde vive Kolya e sua família, sequenciando sua odisseia que não se dá apenas no nível formal do Estado, mas se acerca dele até na destruição de sua afetividade.
O filme seria impensado na Rússia do tempo da URSS. Denunciando a corrupção em áreas de governo, adentra pela amostragem de tipos sórdidos que se promovem a custa de pessoas simples, e ainda mostra o papel pouco louvável da igreja, com uma prédica no final, na hora do culto ortodoxo, que cita o livro de Jó, aponta a imagem do Leviatã que seria o mais terrível dos monstros marinhos.
O roteiro de Oleg Negin canaliza a historia de Kolya e mostra que seu inimigo está não só no prefeito com o respaldo legal que adultera seguindo interesse pessoal (há pelo menos duas sequências de depoimentos de juizado que revelam sempre o personagem como culpado dos atos em que é acusado e tenta se inocentar) como o próprio amigo, e em última analise, uma medida da própria esposa que não valoriza o perdão do adultério intentando refazer a vida em comum.
Há momentos em que a crítica politica ganha explicitude que revela a liberdade de pensamento observada na Rússia de hoje. É quando um grupo de amigos faz uma comemoração com uma demonstração de armas de fogo usando garrafas para ver quem as derruba com tiros. Nessa hora um personagem mostra, para exercício de pontaria, os retratos de dirigentes russos do tempo do regime comunista (e cita Gorbachov).
Usando muito planos médios e abertos o diretor sempre enfatiza o homem no cenário, com isso demonstrando o grau de cobiça dos inimigos dele. E dentre muitas cenas que sintetizam o drama há uma do filho de Kolya que se encaminha pela orla repleta de ossos de animais e o enfoque conjunto dimensiona o inocente no que seria a imagem do Leviatã. As carcaças de barcos e de animais estão ali submersos encontrando destroços humanos.
O diretor Andrey Zvyagintsev, realizou o seu terceiro filme, sendo os outros O Retorno (2003) e Elena (2011) usando a crítica política e por isso não tem sido bem aceito pelo formato de suas denúncias.

Há muito eu não assistia a um filme tão rico em sugestões e realização dessas sugestões. Quando o vi pela primeira vez foi na disputa do Oscar e lamentei ter perdido para o insosso polonês “Ida” (que venceu também “Relatos Selvagens” da Argentina). Em cartaz agora no Cine Estação é um brinde ao cinéfilo local. Não percam. 
As carcaças do leviatã e os destroços humanos 

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