terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

CINEMA CASEIRO



 Marion Cotillard, interpretanto Ewa, em meio às mulheres que imigravam para os EUA e se tornavam prostitutas, na década de 20. 

Lançados e circulando nas lojas exclusivas do produto, cópias em DVD de filmes inéditos e, também, dos já exibidos nas salas de cinema. Fico pensando no tempo em que essas obras só chegavam por aqui através de celuloide, para a exibição doméstica na bitola de 16 mm. Ou seja, a produção dessas cópias tendia a ser para contemplar aquelas pessoas que tinham projetores nessa medida e que sabiam mexer nesses aparelhos vendo-se, dessa forma, um proceso seletivo na aquisição dessa mercadoria cultural. Em Belém havia algumas casas comerciais que alugavam esses filmes, acondicionados geralmente em latas ou caixas, cuja distribuição contemplava os cinemas do interior do Estado que utilizavam esses projetores domésticos. Os usuários desses filmes na capital se resumiam a pessoas que tinham esses projetores e, também as associações culturais e clubes. Hoje creio que houve um processo de democratização tanto do aluguel desses videos (todo mundo tem um aparelho de DVD) como do consumo gratuito (há os downloads free). E vamos ver o que há nessa tecnologia para alugar.
“Era Uma Vez em Nova York” é inédito nas salas de cinema. Esse título foi dado no Brasil a “The Imigrant” (A Imigrante, EUA, 2013). O roteiro de Ric Menelo e do diretor James Gray trata de Ewa (Marion Cotillard) uma jovem polonesa que imigra para os EUA nos anos 20 junto com a irmã, Magda (Maja Wanpuszic), esta considerada tuberculosa ao chegar ao porto norte-americano e logo levada para um hospital de isolamento. Começa o drama de Ewa que desencontra dos tios e é assediada por um aliciador de mulheres passando a morar numa pensão do meretrício e logo atendendo aos “clientes” do aparente benfeitor (Bruno/Joaquim Phoenix). A situação piora quando surge o magico primo dele, Orlando (Jeremy Renner). Este demonstra especial atenção a Ewa e propõe que ela fuja com ele. Mas há muitas controvérsias e um final dramático de acento shakespeariano.
James Gray é um cineasta de poucos filmes, mas de um estilo marcante. Nas mãos menos hábeis a história da imigrante daria um melodrama lacrimoso. Gray se esmara em cada fotograma. Há enquadramentos notáveis e uma iluminação que dosa a cor (especialmente o vermelho) sublinhando o que é narrado. Além desse preciosismo há uma correta noção de timing e excelentes desempenhos. O filme é desses que se vê com muita atenção, embora apresente quuase duas horas de duração. Um bom programa para qualquer público.
“A Fita Azul” (Eletric Children, EUA, 2013) ganhou prêmios nas mostras de filmes independentes (os chamados “indies”). Trata de uma garota da religião mormom que se diz grávida depois de ouvir uma fita de rock. Ela se baseia na Conceição de Maria e acha que vai ter um filho de Deus. Quem acredita nela é um rapaz ligado a musica que lhe demonstra afeto sem tocá-la, como se fosse um novo José. O roteiro original da diretora Roberta Thomas apoia-se numa concepção de ingenuidade juvenil e ganha força na interpretação de Julia Garner como Rachel, a principal personagem. Uma linguagem simples parece apoiar uma fantasia sem despertar uma realidade. Curioso, mas nem por isso suficiente para o tema.
“Violette” (Belgica, França, 2013) trata da escritora Violette Leduc, detendo-se no seu relacionamento com a filósofa Simone de Beauvoir. O filme tem roteiro do diretor Martin Provost e além de apresentar uma direção de arte excelente que reproduz a época dos acontecimentos conta com desempenhos primorosos de Emanuelle Devos (Violette) e Sandrine Kiberland (Simone). Veja sem falta.
“Até que Provem a Inocência” (Until Proven Inocence, EUA, 2009) reporta o caso real de um jovem empregado no cais do porto da Nova Zelândia que é incriminado por uma menina de 11 anos como o estuprador que a levou de casa, defronte de onde ele morava, numa noite escura. O rapaz é condenado, mas uma jornalista se interessa por seu caso, pois ele sempre negou o fato. Esta jornalista dedica-se inteiramente ao trabalho de pedir novo julgamento, tendo ao lado o advogado dele. Na verdade acontece mais de um novo julgamento e só depois de muito tempo o preso é considerado inocente.
Muito bem narrado este filme neozelandês realizado para a TV e conseguindo chegar também aos cinemas (menos aqui) é dinâmico e conta com atores capazes como Cohen Holloway e Jodie Rimmer. Direção de Peter Burger.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

INTERESSANTES PROGRAMAS EM DVD

atriz Vanessa Hudgen num belo desempenho: "Em Busca de um Lar"

O mercado em DVD continua a propiciar ao cinéfilo olugar onde se processa a oferta e a procura dos filmes que não são exibidos nas salas do circuito comercial e/ ou também aquelas cópias que se constituem em demandas de temas interessantes. Propicia também o lançamento de velhos exemplares que por suposto não serão apresentados nesses cinemas e aqueles não distribuídos para essas salas comerciais, embora sejam filmes de safra novíssima. Neste espaço apresento alguns dos lançamentos dessa produção digital.
“Em Busca de um Lar” (Gimme Sheller, EUA, 2013) é um melodrama que se impõe pelo tema e pelo desempenho da atriz Vanessa Hudgen. Ela protagoniza Apple, uma garota que aos oito anos abandonou a casa da mãe (Rosario Dawson) viciada em drogas, circulando em lares adotivos. Guarda consigo uma carta do pai biológico cuja informação ela sabe ser o executivo Tom Fitzpatrick (Brendan Fraser). Embora bem tratada pela família deste e sendo reconhecida, a mocinha sente um novo impacto de exclusão quando anuncia que está grávida de um rapaz de rua. Cria-se então um apelo salvacionista para que ela recorra ao aborto. Não aceita e foge novamente. Mas encontra uma casa que acolhe essas jovens e é onde recebe a proteção e o afeto que jamais recebera e embora tenha oportunidade de retornar à casa do pai biológico, prefere compartilhar com aquele grupo de jovens o auxilio humano que ali recebeu.
 O filme usa estereótipos de classe social e de juventude rebelde, mas consegue certa empatia pelo desempenho do elenco e a boa direção de arte. Esses fatores ajudam o diretor e roteirista Ron Krauss, com 15 prêmios no currículo, mas este filme que ora saiu em DVD no Brasil não foi bem recebido pela critica de seu país, embora não seja desmerecedor de credito. Há um apelo antiaborto, com a inclusão de um padre católico como o guia de Appel para uma casa de ajuda a meninas grávidas, embora no argumento esta figura seja incluída muito depois da decisão da garota de manter a gravidez.
Outro filme interessante é “Belle” (Inglaterra, 2013) sendo detentor de 8 prêmios em festivais menos conhecidos e está entre os bons filmes de época. O roteiro baseia-se na historia real de Dido Belle (Gugu Mbatha-Raw) filha de um militar da Real Armada, passando a viver na Inglaterra vitoriana com seus tios, ele presidente do Tribunal de Justiça do Reino Unido (Tom Wilkinson). A garota é negra, filha de uma africana que morre logo após o nascimento da menina. Levada pelo pai ao palacete do tio ela se torna amiga da prima Elizabeth (Sarah Gordon), as duas crescendo juntas numa rotina pouco comum devido à questão da cor que a mantém numa posição social contrastante com os familiares. O assédio dos cavalheiros define-se pelo lugar social e pelas posses, mas nesse caso, Dido é a opção dos pobretões devido à fortuna deixada pelo pai o que significaria um gordo dote. A jovem, no entanto, prefere ser ativista no embate pela libertação dos escravos, missão que lhe faz seguir o filho do pastor local, John Davinier (Sam Reid).
Com direção de Amma Asante (mais conhecida em TV) e roteiro de Misan Sagay é um excelente filme histórico posto que de inspiração em fatos verdadeiros com a licença dramática apenas para melhor dimensionar aos olhos de hoje as principais personagens.
O veterano Tom Wilkinson protagoniza o Lord Mansfield, que abriga Dido e que muito pode ajudar na luta pelo abolicionismo.
O filme combina todo o aparato de superprodução, mesmo assim não chegou aos cinemas comerciais de Belém.
Em bluray circula “Os Últimos Passos de um Homem” (Dad Man Walking, EUA, 1995) filme de Tom Robbins com Susan Sarandon protagonizando uma freira que se dedica a ajudar um condenado por duplo crime, estupro seguido de morte. Este é interpretado por Sean Penn. O objetivo da freira é livrar o prisioneiro do corredor da morte, uma vez que este afirma ser inocente. O filme é muito bem conduzido e os dois principais intérpretes foram candidatos ao Oscar vencendo Susan. O roteiro do diretor com base no livro de Helen Prejean (freira ativista contra a pena de morte) é objetivo e procura sair das armadilhas melodramáticas. Vale a pena ver ou rever


O JOGO DA IMITAÇÃO



Benedict Cumberbatch, Keira Knightley e demais parceiros do filme. 

Alan Mathison Turing, matemático, lógico, criptoanalista e cientista britânico é considerado um dos precursores da invenção dos computadores. Durante a 2ª Guerra Mundial foi convocado a desvendar o segredo da senha Enigma do nazismo, responsável por missões bélicas fatais a navios aliados. Muitos foram céticos diante das investidas minuciosas e demoradas de Turing, mas ele conseguiu decodificar o Enigma e isto foi considerado como um fator importante no avanço inglês contra os alemães. É o que diz a História e acrescenta o fato de um processo contra esse inventor quando foi revelada a sua homossexualidade (opção proibida pelas leis inglesas por décadas).
O filme “Jogo da Imitação” (Imitation Game, UK, EUA,2014) biografa o personagem de forma tradicional, seguindo a linha narrativa de muitas cinebiografias como as de Zola, Pasteur, Marie Curie, Gaham Bell etc. Isto vale dizer que o filme é intrinsecamente popular, ganhando a simpatia da indústria e certamente uma das causas de estar concorrendo a 5 Oscar, inclusive os de melhor filme, diretor, ator e roteiro,
Um fator salta bem forte no sucesso de “Jogo...”: o desempenho de Benedict Cumberbatch. O ator já é veterano, com 50 filmes no currículo (incluindo-se séries de TV), mas sempre em papeis secundários. Agora ele se dedica ao protagonismo do técnico que se propõe a desvendar um grande mistério que pode decidir a guerra (embora se saiba que, historicamente, o fato não é bem assim e houve mudanças na senha alemã depois de decifrado o Enigma pelos ingleses), e repassa muito bem o preconceito que se apresentou à sua pessoa quando revelada a sua homossexualidade, chegando a ser indiciado e quase preso pela policia inglesa (só não foi por optar pelo “tratamento hormonal”, usado como um meio de mudar a preferencia sexual do ser humano, uma aberração que chegou a ser pensada em outros países e épocas inclusive aqui no Brasil há poucos meses). Alan Turing suicidou-se, embora o fato ainda esteja sendo contestado.
O desempenho do ator é um dos fatores que dinamizam o filme. E o roteiro de Graham Moore com base no livro de Andrew Hodges deixa campo para a narrativa artesanalmente correta do norueguês Morten Tyldun. Quem nunca ouviu falar do personagem, nem o coloca entre os inventores do computador, ganha a informação romântica de um homem inteligente e persistente no seu trabalho que chega a pedir em casamento uma assistente do projeto em que atua, mesmo sabendo de sua inclinação homoafetiva (e a narrativa deixa espaços de flashback revelando isso), como motivação para que ela permaneça na sua equipe de trabalho.
O filme delineia os tipos de forma que se pode chamar de tradicional em cinebiografias. O comandante Denniston com desempenho do veterano ator Charles Dance é visto como um homem intolerante que expõe a todo o momento sua antipatia por Alan, o contratado para desvendar o segredo da senha Enigma  e afinal ganhando a confiança do ministro Winston Churchill a quem se dirige quando as porta para seus inventos permanecem fechadas. Keira Knightley, veterana de 52 titulos incluindo-se o romance baseado em Jane Austen (“Orgulho e Preconceito”) acomoda-se na figura da jovem Joan Clarke, mulher inteligente que busca um marido no companheiro de trabalho chegando a aceitar a sua preferencia sexual.
Embora se possa pensar que não há traços mais profundos na construção das figuras históricas que se delineiam no filme, percebe-se, uma sequencia inicial em que Alan sofre bulling na escola masculina onde estuda, sendo trancado em uma espécie de urna sob o chão e deixado pelos colegas. Apenas um deles que se tornará seu amigo pelo qual se apaixona tira-o daquela situação. Christopher será o amigo querido por quem Alan se alia, embora este tenha falecido em um período de férias e não retornando à escola. Esta sequencia se propõe a retratar o humor acido do inventor e suas crises histéricas contra os membros de sua equipe. Mas a linearidade da narrativa favorece a linha que o cinema industrial aprecia desde a época dos “tycoons” ou donos de grandes estúdios produtores. Mesmo assim é bom salientar que o filme está acima da média que se exibe nos cinemas comerciais. Não o vejo como favorito de Oscar, mas nesse ponto, surpresas fazem parte do jogo.


A TEORIA DE TUDO

Felicity Jones e Eddie Redmayne 

A biografia é um tema que obedece ao clamor do cinema transformando-se num gênero. Em “Olhos Grandes” Tim Burton penetra na odisseia da pintora Margaret Keane e aponta para a maneira de ela submeter-se à imposição do marido isolando-se para criar seus quadros, mas deixando que ele vivesse a popularidade da arte dela. “O Jogo da Imitação” é baseado na vida de Alan Mathison Turing, matemático, lógico, criptoanalista e cientista britânico, considerado um dos precursores da invenção dos computadores, filme realizado pelo diretor noruegues Morten Tyldun. “Invencível” é a biografia de Louis Zamperini (1917-2014), atleta olímpico, campeão de corrida livre com direção de Angelina Jolie. Embora cada um desses exemplares tenha recebido um tratamento linear em sua narrativa foram tratados, por certos críticos, de forma diferenciada, inclusive alguns destes trabahos sendo execrados por receberem esse tipo de tratamento.
Ao lado desses filmes citados, alguns ainda em exibição entre nós, está “A Teoria de Tudo” (Theory of Everething, UK, EUA, 2014), outro exemplar cinebiográfico, focalizando o cosmólogo (ele criou esse nome para a sua profissão de estudante do cosmo) e astrofísico Stephen Hawking (Eddie Redmayne
) sendo acompanhado desde sua juventude em Cambridge. Suas pesquisas científicas, que fazem parte do livro “Uma Breve História do Tempo”, editado no Brasil, não são, contudo, a base do roteiro de Anthony McCarten. Privilegia-se o seu relacionamento com Jane Wide (Felicity Jones), jovem que ele conhece numa festa de amigos. O romance enaltece a figura de Jane ao aceita-lo como namorado e, depois, marido que aos poucos entra num processo de paralisia quando declarado portador de Esclerose Lateral Amiotrofica (ELA), simplificando a separação que viria quando Stephen já não podia mover a musculatura.
Vencedor do Oscar pelo documentário “O Equilibrista” (2008), o diretor James Marsh ainda se ressentia de criar um filme de ficção ambicioso, desconhecendo-se por aqui seu papel em “The King” (2006) e “Agente C – Dupla Identidade” (2012). Mostra-se seguro na dinâmica narrativa da odisséia de Hawking e certamente deve muito da credibilidade da reconstuição da historia ao ator principal, Eddie Redmayne, que apresenta rara semelhança fisica com o biografado.
“A Teoria de Tudo” sacrifica um pouco o trabalho cientifico de Stephen Hawking pela proposta romântica que certamente dá ao filme um tom mais emotivo. Mesmo assim não assinala a separaçao de Jane Wide como uma “ingratidão” ou uma carencia afetiva. Tudo é visto de uma forma linear como se os fatos fizessem parte de uma historia pousada entre a realidade e a lenda. Afinal, Hawking é considerado hoje um dos nomes proeminentes da fisica & astronomia. Suas teorias sobre a origem do universo e do tempo, aludindo à fisica quântica, estão na ordem do dia mesmo quando contestadas por outros pesquisadores. O titulo do livro da propria Jane (Wide) Hawking diz bem da abrangencia do estudo do ex-marido. Desconhecendo esse livro fica-se com o que escreveu o roteirista do filme. E o diretor não demonstra vontade de ir dentro do trabalho do biografado ou de mergulhar mais fundo em sua personalidade. O interessante de “A Teoria de Tudo” é caminhar pela fórmula de um gênero muito abordado pela indústria cinematografica ao longo dos anos sem se conformar com os clichés e sem exagerar no acabamento ficcional para tornar o tema mais acessivel ao grande público. Para valorizar o trabalho de James Marsh (e ele não está entre os candidatos a Oscar) basta uma ligeira comparação com biografias consideradas clássicas como a de Marie Curie, de Alexander Graham Bell, de Louis Pasteur ou de Thomas Edison. Há muito mais consistência e uma preocupação em mostrar um Hawking como esteve e está garantindo o realismo de um drama pessoal de grande dimensão.

O filme concorre aos Oscar de melhor filme, ator, atriz (Felicity Jones), roteiro de música (de Johan Johannsson). Pode não ganhar em nenhuma das categorias a começar por não ser o favorito das principais. Contudo, a aposta no ator, certamente o ponto alto do filme, tem uma forte concorrencia em Michael Keaton (Birdman), Steve Carrel (Foxcatcher) e Benedict Cumberbach (O Jogo da Imitação). 

GRANDES OLHOS

GRANDES OLHOS  e os quadros de Margaret Keane

Tim Burton se valeu outra vez dos roteiristas Scott Alexander e Larry Karaszewski, com quem havia trabalhado em “Ed Wood” para sua equipe de realização deste “Grandes Olhos” (Big Eyes, EUA, 2014) biografia da pintora Margaret Keane, artista que por anos ficou escondida na fama do marido Walter Keane, um oportunista que se dizia estagiário em artes plásticas em Paris e dono de um estilo de quadros que focalizavam ruas dos subúrbios da cidade-luz.
O contexto exposto no filme em relação ao tratamento mais intenso às mulheres de décadas passadas em que a submisão e a exploração criavam a máscara do modelo feminino na sociedade é definido no filme sem necessidade de estereotipias, mas como resultado evidente de toda uma educação a essas práticas consideradas “naturais”.
Margarat Keane havia se separado do primeiro marido com quem tivera uma filha. Sem recursos, vendia seus quadros nas ruas de San Francisco nos anos 1960, caracterizando a sua arte na exposição de meninas com os olhos, randes construindo imagens que só ela mesma sabia definir (e só vai ser conhecida sua inspiração inicial no final do filme). Mas naquele momento evidenciava uma metáfora do próprio estado de pessoa submissa, tentando olhar mais adiante uma situação e com isso se emancipar. Quando ela conhece, numa das ruas onde expõe seus quadros, o eloquente Walter pensa que ele pode ajuda-la no fato de o marido estar reclamando a filha na justiça com a alegação de que ela, mãe sem um homem em casa, não poderia manter a garota. Assim, a jovem artista aceita o casamento logo proposto pelo desconhecido, ele já pensando em usurpar o talento da esposa e com isso fazer o seu cabedal de artista.
 A pintura de Margaret não tinha reconhecimento pelos críticos. Mas tinha capacidade de atração popular e logo, com a experiência de marketing do novo marido, passou a vender muito, chegando até a comercializar o pôster que anunciava esse trabalho.
Assinando os quadros da esposa com anuência dela, Walter Keane foi se tornando um nome conhecido na arte popular, ganhando entrevistas em jornais e TV, chegando ao ápice da fama, só não enganando um redator do The New York Times que criticava ferozmente o pouco valor artístico do produto. Isso ganha o ponto mais alto quando Margaret elabora, a mandado de Walter, um painel com crianças mendigas – Our Children - para fins de uma exposição mundial da UNICEF. No dia da inauguração há um confronto do presumível autor com o crítico que não o tolerava (papel pequeno do veterano Terence Stamp). É o momento da verdadeira autora dos quadros quebrar o silêncio. E por isso é submetida a ameaças diversas do marido, inclusive de morte. Sua fuga com a filha para outro país, o Havai, e a recomposição de sua própria arte rearrumam seu modo de vida. Mas anos mais tarde há o reencontro com o ex-marido sendo ela acionada pela corte havaiana acusada de usurpadora da arte dele. O caso vai a júri e a solução dada pelo juiz é capital (o leitor deve ver o filme para saber disso) para a reavaliação de autorias.
 Numa linguagem linear, mas dinâmica, tratando de maneira cronológica, o drama de Margareth, apresenta excelentes interpretações de Christophe Waltz e Amy Adams, ela vencedora do Globo de Ouro embora ele também merecesse prêmios. O filme prende o interesse do espectador, mas é cobrado um estudo psicológico dos tipos. Não dá para isso. É um dos melhores do diretor de “Edward Mãos de Tesoura”, “Marte Ataca” e do citado “Ed Wood”. Um título que marca a volta dele a um gênero que havia desprezado (a cinebiografia).
O filme não só explora um fato real, mas coloca em discussão alguns pontos possiveis de serem refletidos pelo crítico de arte, no caso, da pintura, entre estes, do popular ao erudito, o valor da inspiração à imagem criada, o momento da idéia do/a pintor/a refletindo o domínio da estética sob tensão introspectiva. No caso do filme isso é notado pelo crítico de arte (Stamp) quando ele observa a artificialidade dos rostos de crianças e a motivação para pintar aqueles Grandes Olhos e enegrecidos que são mostrados no grande painel. O que constroi a relação entre o criador e a sua arte?

Uma boa surpresa o lançamento do filme em Belém e em cópia legendada. De elogiar o circuito Cinépolis pela atitude. E a julgar pela sessão em que estive (quinta feira) a plateia gostou muito dando ênfase à medida de se exibir bom cinema. Não percam.