GRANDES OLHOS e os quadros de Margaret Keane
Tim Burton se valeu outra vez dos roteiristas Scott Alexander e Larry
Karaszewski, com quem havia trabalhado em “Ed Wood” para sua equipe de
realização deste “Grandes Olhos” (Big Eyes, EUA, 2014) biografia da pintora
Margaret Keane, artista que por anos ficou escondida na fama do marido Walter Keane,
um oportunista que se dizia estagiário em artes plásticas em Paris e dono de um
estilo de quadros que focalizavam ruas dos subúrbios da cidade-luz.
O contexto exposto no filme em relação ao tratamento mais intenso às
mulheres de décadas passadas em que a submisão e a exploração criavam a máscara
do modelo feminino na sociedade é definido no filme sem necessidade de
estereotipias, mas como resultado evidente de toda uma educação a essas
práticas consideradas “naturais”.
Margarat Keane havia se separado do primeiro marido com quem tivera uma
filha. Sem recursos, vendia seus quadros nas ruas de San Francisco nos anos
1960, caracterizando a sua arte na exposição de meninas com os olhos, randes construindo
imagens que só ela mesma sabia definir (e só vai ser conhecida sua inspiração
inicial no final do filme). Mas naquele momento evidenciava uma metáfora do
próprio estado de pessoa submissa, tentando olhar mais adiante uma situação e
com isso se emancipar. Quando ela conhece, numa das ruas onde expõe seus
quadros, o eloquente Walter pensa que ele pode ajuda-la no fato de o marido
estar reclamando a filha na justiça com a alegação de que ela, mãe sem um homem
em casa, não poderia manter a garota. Assim, a jovem artista aceita o casamento
logo proposto pelo desconhecido, ele já pensando em usurpar o talento da esposa
e com isso fazer o seu cabedal de artista.
A pintura de Margaret não tinha
reconhecimento pelos críticos. Mas tinha capacidade de atração popular e logo,
com a experiência de marketing do novo marido, passou a vender muito, chegando
até a comercializar o pôster que anunciava esse trabalho.
Assinando os quadros da esposa com anuência dela, Walter Keane foi se
tornando um nome conhecido na arte popular, ganhando entrevistas em jornais e
TV, chegando ao ápice da fama, só não enganando um redator do The New York
Times que criticava ferozmente o pouco valor artístico do produto. Isso ganha o
ponto mais alto quando Margaret elabora, a mandado de Walter, um painel com
crianças mendigas – Our Children - para fins de uma exposição mundial da UNICEF.
No dia da inauguração há um confronto do presumível autor com o crítico que não
o tolerava (papel pequeno do veterano Terence Stamp). É o momento da verdadeira
autora dos quadros quebrar o silêncio. E por isso é submetida a ameaças
diversas do marido, inclusive de morte. Sua fuga com a filha para outro país, o
Havai, e a recomposição de sua própria arte rearrumam seu modo de vida. Mas
anos mais tarde há o reencontro com o ex-marido sendo ela acionada pela corte
havaiana acusada de usurpadora da arte dele. O caso vai a júri e a solução dada
pelo juiz é capital (o leitor deve ver o filme para saber disso) para a
reavaliação de autorias.
Numa linguagem linear, mas dinâmica, tratando
de maneira cronológica, o
drama de Margareth, apresenta excelentes interpretações
de Christophe Waltz e Amy Adams, ela vencedora do Globo de Ouro embora ele também merecesse prêmios. O filme prende o interesse do
espectador, mas é cobrado um estudo psicológico dos tipos. Não dá para isso. É
um dos melhores do diretor de “Edward Mãos de Tesoura”, “Marte Ataca” e do
citado “Ed Wood”. Um título que marca a volta dele a um gênero que havia
desprezado (a cinebiografia).
O filme não só explora um fato real, mas coloca em discussão alguns
pontos possiveis de serem refletidos pelo crítico de arte, no caso, da pintura,
entre estes, do popular ao erudito, o valor da inspiração à imagem criada, o
momento da idéia do/a pintor/a refletindo o domínio da estética sob tensão
introspectiva. No caso do filme isso é notado pelo crítico de arte (Stamp) quando
ele observa a artificialidade dos rostos de crianças e a motivação para pintar
aqueles Grandes Olhos e enegrecidos que são mostrados no grande painel. O que
constroi a relação entre o criador e a sua arte?
Uma boa surpresa o lançamento do filme em Belém e em cópia legendada. De
elogiar o circuito Cinépolis pela atitude. E a julgar pela sessão em que estive
(quinta feira) a plateia gostou muito dando ênfase à medida de se exibir bom
cinema. Não percam.
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