quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

GRANDES OLHOS

GRANDES OLHOS  e os quadros de Margaret Keane

Tim Burton se valeu outra vez dos roteiristas Scott Alexander e Larry Karaszewski, com quem havia trabalhado em “Ed Wood” para sua equipe de realização deste “Grandes Olhos” (Big Eyes, EUA, 2014) biografia da pintora Margaret Keane, artista que por anos ficou escondida na fama do marido Walter Keane, um oportunista que se dizia estagiário em artes plásticas em Paris e dono de um estilo de quadros que focalizavam ruas dos subúrbios da cidade-luz.
O contexto exposto no filme em relação ao tratamento mais intenso às mulheres de décadas passadas em que a submisão e a exploração criavam a máscara do modelo feminino na sociedade é definido no filme sem necessidade de estereotipias, mas como resultado evidente de toda uma educação a essas práticas consideradas “naturais”.
Margarat Keane havia se separado do primeiro marido com quem tivera uma filha. Sem recursos, vendia seus quadros nas ruas de San Francisco nos anos 1960, caracterizando a sua arte na exposição de meninas com os olhos, randes construindo imagens que só ela mesma sabia definir (e só vai ser conhecida sua inspiração inicial no final do filme). Mas naquele momento evidenciava uma metáfora do próprio estado de pessoa submissa, tentando olhar mais adiante uma situação e com isso se emancipar. Quando ela conhece, numa das ruas onde expõe seus quadros, o eloquente Walter pensa que ele pode ajuda-la no fato de o marido estar reclamando a filha na justiça com a alegação de que ela, mãe sem um homem em casa, não poderia manter a garota. Assim, a jovem artista aceita o casamento logo proposto pelo desconhecido, ele já pensando em usurpar o talento da esposa e com isso fazer o seu cabedal de artista.
 A pintura de Margaret não tinha reconhecimento pelos críticos. Mas tinha capacidade de atração popular e logo, com a experiência de marketing do novo marido, passou a vender muito, chegando até a comercializar o pôster que anunciava esse trabalho.
Assinando os quadros da esposa com anuência dela, Walter Keane foi se tornando um nome conhecido na arte popular, ganhando entrevistas em jornais e TV, chegando ao ápice da fama, só não enganando um redator do The New York Times que criticava ferozmente o pouco valor artístico do produto. Isso ganha o ponto mais alto quando Margaret elabora, a mandado de Walter, um painel com crianças mendigas – Our Children - para fins de uma exposição mundial da UNICEF. No dia da inauguração há um confronto do presumível autor com o crítico que não o tolerava (papel pequeno do veterano Terence Stamp). É o momento da verdadeira autora dos quadros quebrar o silêncio. E por isso é submetida a ameaças diversas do marido, inclusive de morte. Sua fuga com a filha para outro país, o Havai, e a recomposição de sua própria arte rearrumam seu modo de vida. Mas anos mais tarde há o reencontro com o ex-marido sendo ela acionada pela corte havaiana acusada de usurpadora da arte dele. O caso vai a júri e a solução dada pelo juiz é capital (o leitor deve ver o filme para saber disso) para a reavaliação de autorias.
 Numa linguagem linear, mas dinâmica, tratando de maneira cronológica, o drama de Margareth, apresenta excelentes interpretações de Christophe Waltz e Amy Adams, ela vencedora do Globo de Ouro embora ele também merecesse prêmios. O filme prende o interesse do espectador, mas é cobrado um estudo psicológico dos tipos. Não dá para isso. É um dos melhores do diretor de “Edward Mãos de Tesoura”, “Marte Ataca” e do citado “Ed Wood”. Um título que marca a volta dele a um gênero que havia desprezado (a cinebiografia).
O filme não só explora um fato real, mas coloca em discussão alguns pontos possiveis de serem refletidos pelo crítico de arte, no caso, da pintura, entre estes, do popular ao erudito, o valor da inspiração à imagem criada, o momento da idéia do/a pintor/a refletindo o domínio da estética sob tensão introspectiva. No caso do filme isso é notado pelo crítico de arte (Stamp) quando ele observa a artificialidade dos rostos de crianças e a motivação para pintar aqueles Grandes Olhos e enegrecidos que são mostrados no grande painel. O que constroi a relação entre o criador e a sua arte?

Uma boa surpresa o lançamento do filme em Belém e em cópia legendada. De elogiar o circuito Cinépolis pela atitude. E a julgar pela sessão em que estive (quinta feira) a plateia gostou muito dando ênfase à medida de se exibir bom cinema. Não percam.

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