sábado, 22 de agosto de 2009

CÓCEGAS NA MEMÓRIA





Em sua "janela" dos sábados, Pedro Veriano dá o tom de sua escrita neste blog. É prazer a convivência com ele em todas as suas andanças pelo tema cinema.Ele é o "nosso mestre" (LMA)



O DVD de “Adua e Suas Companheiras”, de Antonio Pietrangeli (eu queria muito rever desse diretor “Fantasmas em Roma”) veio de uma matriz restaurada por uma entidade italiana dedicada à preservação de filmes. Gente que compreende o valor do cinema feito no dia de ontem, sabendo que ele interessa hoje e quando o nosso hoje se chamar ontem. Anos atrás o curador do acervo da Atlântida Cinematográfica disse-me, com muita precisão, que no Brasil poucos querem ser restauradores (“todo mundo que estuda cinema quer ser diretor”). Uma pena. Martin Scorsese, nos EUA, mantêm um laboratório só para salvar filmes condenados ao desgaste imposto pelo tempo. Ele salvou, por exemplo, o ótimo “Neste Mundo e No Outro”(A Matter of Life and Death) de Michael Powell & Emeric Pressburger, sátira impecável que muita gente de agora não sabe nem que diabos é.
Esta semana eu revi em DVD “O Pequeno Mundo de D. Camillo” e “O Retorno de D. Camillo”, filmes de Julien Duviver com base na obra de Giovanni Guareschi, filmes que fizeram sucesso de público aqui mesmo, em Belém, exibidos no velho Olympia. O comediante Fernandel é o padre de uma cidade do interior da Itália, em 1946, que vive às turras com o prefeito eleito, o comunista Peppone (Gino Cervi). Na época comunismo e capitalismo englobavam a idéia de ateísmo versus catolicismo (principalmente). Os tipos de Guareschi defendiam os pólos antagônicos com a idéia de que podiam conviver e até ajudar um ao outro. Claro que essa premissa não passava pela cabeça de um Joe McCarthy, aquele senador norte-americano que difundiu a imagem de que os comunistas comiam crianças (com talher) e a pessoa de fé estava fadada ao fuzilamento. Talvez por isso, e por se tratar de uma produção européia, “D. Camillo” pegou distribuição da United Artists e correu os estados norte-americanos com um sucesso desafiador. Isso e o fato de Fernandel ser bom intérprete. Claro que sempre era ele mesmo, a cara “de cavalo” não ajudava muito.Mas é só lembrar a sua atuação em títulos como “O Diabo e os Dez Mandamentos” do próprio Duvivier , “Contrabandista à Muque”(La Loi Cest La Loi) de Christian-Jacques ou “O Carneiro de 5 Patas”(Le Mouton a Cinq Pattes) de Henri Verneiul para constatar que o comediante empurrava os filmes para a excelência. Por outro lado, tinha Gino Cervi, ator multifacetário, o Peppone que ninguém pensou diferente.
Bem, o que me interessa mais de perto agora são as duas produções que a ACCPA está exibindo em projeção de disco digital: “Do Mundo Nada Se Leva”(You Can’t Take It With You) e “A Morte num Beijo”(Kiss me Deadly). O primeiro é desses títulos que a gente não esquece e que se sente bem em ver (besteira ser critico diante de um trabalho tão alegre como este que é de uma linha bem a gosto do ítalo-americano Frank Capra (1897-1991). Um detalhe: no filme, o vilão é Edward Arnold e no fim da projeção ele muda de posto. É o único da fauna capriana que vira-casaca. Nos lembrados “O Galante Mr Deeds”, “Adorável Vagabundo” e “A Felicidade Não Se Compra”, eles, vilões, persistem vilões. Arrependimento passa rasteiro pelo Claude Rains de “A Mulher Faz o Homem”, mas não mostra o senador corrupto saindo da raia. Nem levado para um Conselho de Ética. No caso de “Do Mundo Nada se Leva”, a idéia é de que o representante emérito do capitalismo pode acabar tocando gaita com o representante da classe operária pois o primeiro percebe que o melhor da vida é viver a vida. Não é aquele apertar de mãos ridículo do patrão e o representante dos empregados que o Ministro da Propaganda do III Reich, Goebbles, insistiu para encerrar “Metropolis” dando raiva ao diretor Fritz Lang. Na comédia de Capra, é como se a madrasta de Cinderella compreendesse que a enteada era bonitinha e as suas filhotas ordinárias. Perrault era mais realista. Ou não sabia dar a outra face como um cristão.
Um amigo meu que dirigiu a filial da Columbia Pictures no nordeste-norte brasileiros desde que estreou “Gilda”(aquele filme de Rita Hayworth cantando e encantando), o Antonio Silva, foi convidado pela matriz de Nova York a escolher um titulo do acervo da empresa para comemorar o aniversário redondo da produtora conhecida pela imagem de Miss Liberty (creio que os 70 anos). Silva escolheu “Do Mundo Nada se Leva”. Uma cópia zerinho passou no Cinema l alegrando o amigo Alexandrino Moreira (que tinha exibido o filme no cinema de sua terra natal, Itaúna (MG) quando jovem projecionista). Eu conheci a comédia tirada de uma peça teatral e ganhadora do Oscar de 1938 através de um a copia em 16 mm que chegou para um cinema do interior do estado e eu aluguei para passar no meu Cine Bandeirante. Espantei quando vi um filme da Columbia, caracterizada pelos faroestes e seriados, com 4 rolos (mais que o normal na bitola). Mas fiquei fã da coisa. Quando me correspondi com Capra, foi um dos títulos mencionados. Sim, “do mundo nada se leva”, mas as lembranças ficam com os outros.
“A Morte num Beijo” podia ser uma simples aventura de Mickey Spillane como de um Ellery Queen ou Philip Marlowe, detetives que a gente lia em “pocket-books”. Não é. É mais. Robert Aldirch na sua melhor fase mistura o noir com sci-fi e deixa como saldo o apocalipse.Quer dizer: o fim da civilização começa com o banditismo. Alguma dúvida? É só ler os jornais e vê televisão....(Pedro Veriano)

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