Judi Dench e a verdadeira Philomena Lee
Do autor e apresentador de rádio e televisão inglesa,
primeiramente da BBC, Martin Sixsmith, o livro-reportagem “The Lost Child of
Philomena Lee” foi escrito (1ª edição) em 2009. Sua trascriação para o cinema
seria um passo. Poucas histórias são tão interessantes, indo da denúncia ao
comovente realismo. E chegou por mãos certas: o diretor inglês Stephen Frears (de
“A Rainha” e “Herói por Acidente”) através de um roteiro escrito pelo ator que protagoniza
Sixsmith, Steve Coogan, sendo seu parceiro Jeff Pope.
O argumento focaliza uma
adolescente órfã de mãe que engravida do namorado e por isso o pai, seguindo o
comportamento tradicional da sociedade dos anos 50 (nem era o século XIX,
diga-se), encaminha-a para um convento onde irá ter o filho e sair da vista de
pessoas ligadas à família por ter dado um “mau passo”.
Philomena passou muitos anos com as freiras, em trabalhos
pesados na lavanderia do convento. Nos primeiros anos, o menino, Anthony, vivia
ao lado de outras crianças, no mesmo local onde suas mães estavam (nas mesmas
condições de reclusas pela gravidez fora do casamento), embora estas soubessem
que em algum momento os filhos seriam adotados por outros. Certo dia, Anthony e
a filha de uma das amigas de Philomena são levados por um casal norte-americano.
A investigação em torno do paradeiro do menino é a base do
livro e filme. Seria uma reportagem do cético repórter, mas ele acaba achando
melhor passa-la para um livro. Ateu convicto ele critica severamente a Igreja
Católica ainda mais por ser recebido de forma rude por uma freira do tempo em
que Philomena chegou ao convento, esta já muito idosa, em cadeira de rodas, e agressiva
no modo como responde às perguntas sobre a adoção de crianças.
O enfoque dado ao caso e, consequentemente, drama de
Philomena era uma das práticas assumidas pela sociedade do século XIX,
seguindo-se depois como norma social (vide “O Garoto” de Chaplin) em todos os
locais aonde a igreja católica impunha a dimensão institucional do sexo pelo
casamento porque segundo os preceitos dessa crença este estado civil era o
único meio consentido da reprodução humana. E, dessa forma, impunham-se várias maneiras
de as jovens que praticavam o sexo fora do casamento e engravidassem serem
punidas, com os filhos colocados nas célebres “rodas de expostos” das casas de
misericórdia e/ ou seus pais, para castigá-las, internassem-nas em conventos
administrados por irmãs de alguma ordem religiosa. Ai elas pariam os filhos,
ficando estes sob a guarda destas freiras que colocavam as crianças para
adoção, quando na verdade, elas faziam dessa ação um comércio. Pelo menos em
grande número desses conventos. E esse detalhe foi descoberto na investigação
do filho de Philomena.
O roteiro do filme insere sequencias do passado da
mulher/mãe de forma muito sutil, sem quebrar o ritmo da narrativa no tempo da
ação. E imagens de filmes caseiros mostram o verdadeiro Anthony, que passou a
se chamar Michael (Sean Mahon).
Seria muito difícil transmitir o drama de Philomena sem o
protagonismo de uma grande atriz. E Judi Dench cumpre a tarefa de mostrar o
sofrimento da mãe que busca o filho pelo tempo e espaço, agarrando-se a
detalhes que a possam levar a ele. Quando ela é assessorada por Sixsmith a
tarefa é saber de um imigrante irlandês (a família de Philomena e ela própria são
irlandeses) quem adotou a criança. Através de uma busca digital chega-se a um
diplomata que trabalhou nos governos Reagan e Bush, achando-se inclusive fotos
do rapaz com o presidente norte-americano.
A narrativa é um modelo de recriar um enredo. Não evidencia
momentos específicos apenas deixando closes de Judi Dench em lagrimas e da
freira que a acompanhou na época da adoção e que recebeu de forma rude o escritor
que deseja saber como seu deu o processo de adoção, no caso, para amenizar uma
preocupação da mãe, se o filho pensava nela.
Uma jornada da Irlanda pelo interior da Inglaterra e depois
pelos Estados Unidos vai abrindo espaço para se conhecer Michael, ou Anthony, e
de se chegar às repostas que satisfaria a mulher/mãe.
Um filme excelente, desses que exige aplausos no final da
sessão. Está candidato a 5 Oscar e domingo último ganhou o Bafta (premio
inglês) de roteiro adaptado. Econômico, preciso, instigante para as vertentes
reflexivas que se abrem sobre a história das mulheres sem que isso seja o eixo
central. Imperdível.
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