Armando Valdes Freire é Chala, o pequeno-grande garoto com responsabilidades de adulto
A primeira sequencia do filme de Ernesto Serrano Daranas
repercute uma visão simbólica do que será dado a conhecer sobre a situação
diária de muitas crianças que transitam nas escolas entre a violência, a
pobreza e, desta, a ausência de valores: uma pomba que espera levantar voo sendo
dificultada a fazê-lo nesse ato.
“Numa
Escola em Havana” (Conducta, 2014, Cuba, 100min.) expõe a dura realidade de
crianças, especialmente na idade de Armando Valdes Freire, 11 anos, que atuou
brilhantemente no filme ao lado de outros meninos e meninas e que personaliza Chala,
filho de mãe (Yuliet
Cruz) viciada em drogas e ajudando nas
despesas de casa vendendo pombos e criando cães de briga para uma prática
clandestina de enfrentamento em rinhas.
Rebelde
com causa o menino é simpático à velha mestra Carmela (Alina Rodriguez) sua
professora, tendo atitudes de convivência mais humana. À beira de aposentadoria
e vitima de um enfarte, ela é quem luta para manter o menino na escola, pois a
direção prefere manda-lo para um colégio de conduta, ou seja, o equivalente, no
Brasil a um reformatório. Dentre os amigos de Chala está a garota Yeni (Amaly
Junco) também com sérios problemas familiares. O filme não pretende avaliar a
educação em específico, com o eixo determinante do enfoque considerando dois
tipos de tratamento pela escola, a formal e a dinâmica processual quando está
em jogo a relevância dos comportamentos levando em conta a vivência total do
aluno e não atitudes esporádicas.
É de
reconhecimento mundial a qualidade do ensino em Cuba, sendo considerado pela
ONU como o único país latino-americano a cumprir a meta do Programa Educação
Para Todos (EPT). Compara-se, ainda, ao sistema educacional de países como a
Finlândia e a França onde a profissão de educador é tratada com grande atenção.
O filme valoriza-se por dar atenção aos problemas sociais e emblemas
burocráticos que as crianças cubanas enfrentam, observando-se, também, entre as
brasileiras.
O enfoque
do diretor e roteirista Ernesto Daranas é primoroso não só na abordagem de um
fato social dramático como na construção cinematográfica, numa fotografia
expressiva de Alejandro Perez (com 10 títulos no currículo) que usa
primordialmente a luz ambiente (filmagem durante o dia), fato que procede a uma
profundidade de campo a realçar os espaços filmados (nada de construção em set)
contrapondo o comportamento de um vasto elenco, especialmente a atuação dos
pequenos alunos de Carmela, meninos e meninas com uma expressividade a sugerir
a impressão de um documentário.
O filme
não quer ser um quadro politico e não sugeriu censura do governo Fidel Castro. A
preocupação intrínseca é sobre a origem dos problemas sociais acarretando
evidencias de marginalização e violência se algumas atitudes formais vierem a
se constituir em exclusão como é o caso de Chala que embora expresse
agressividade revidando agressões que ele e seus colegas sofrem dos outros é o
responsável pela sua família reduzida à mãe que precisa de atenção e de quem
coloque o alimento dentro de casa. Mas esse aspecto só é contornado por Carmela
que conhece os meandros da potencialidade escolar e de afetos do garoto e
investe nisso para acalmar a burocracia da escola seguidora das frias leis que
determinam o formato dos comportamentos. Carmela também conhece o drama de Yeni
cujo problema familiar é mais grave porque deveria ser matriculada em uma outra
escola haja vista que não pertence ao distrito da que frequenta, mas onde o seu
pai arranjou emprego. A velha professora enfrenta o Estado representado pela
“especialista municipal” Raquel (Silvia Áquila) que está segura de suas
atitudes e convicta de que a solução para os dois casos é formal e não de
avaliação social. Dai porque ao repreender a atitude da velha mestra Carmela
diz-lhe que ela já está há muito tempo em sala de aula e precisa se aposentar, com
a educadora retrucando: “E
quem governa esse país, também acha que está há tempo demais?”.
Há
momentos em que Daranas sintetiza o drama de seu pequeno personagem. O momento
em que ele vê retirarem o seu cão de estimação morto na arena de luta entre
cães. O roteiro exige muito do pequeno interprete. Há planos próximos dele
contendo as lagrimas ao falar com a professora. Como também na ajuda à colega
que ama, e ao amigo cujo pai foi preso por questões políticas. Esta aproximação
da câmera se dá, também, sobre Carmela/Alina Rodriguez, exigindo da atriz
expressões indicativas de sofrimento físico e moral.
O bairro
pobre de Havana é percorrido também por essa câmera sem que se abuse da
filmagem manual. A moda de usar câmeras leves e exigir com isso a ideia de que
se grava a realidade é contida por uma direção que soube o que quis e fez.
Nós, de
Belém, praticamente desconhecemos o cinema cubano. E somente no circuito
alternativo ele tem vez. E olhem que nesse país há uma escola de cinema das
mais importantes da América Latina e por que não dizer, também, do plano
mundial. Filme imperdível.
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