quinta-feira, 27 de março de 2014

NINFOMANIACA 2

Charlotte Gainsbourg em Ninfomaníaca - Parte 2

Na primeira parte do depoimento de Joe (Charlotte Gainsbourg, “Ninfomaníaca 1”) ao intelectual Selligman (Stellan Skargärd) que a encontra ferida num beco próximo a sua casa, ela expõe o seu tropismo pela atividade sexual desde adolescente, começando quando, ainda criança, deitada na relva, próxima a um bosque, seu pai diz-lhe que tem afinidade espiritual por uma arvore, e vê um vulto que a convida a levitar. Nesta segunda parte - “Ninfomaníaca 2” (Nimphomaniac 2, Dinamarca, 2013) segue o depoimento a Selligman e se inicia com um replay da sequência, explicando ao seu ouvinte que há algo emblemático naquela aparição aos 12 anos, deitada na relva. Pensa ter visto duas figuras femininas ao lado de uma luz intensissima e sente prazer. Seria a Virgem Maria? Na parede da casa de Selligman está um ícone da igreja oriental com a imagem da santa (um quadro tradicional muito visto no ocidente). Ele explica que há uma divergência fundamental entre as igrejas orientais e ocidentais. Na primeira, estaria a busca da felicidade, na segunda o encontro com a tristeza – ou a dor (culpa, castigo, mal). No caso de Joe, ela estaria deixando a primeira igreja e entrando na segunda ao narrar a ausência de orgasmo. O filme ganha esse aspecto religioso inusitado. 
Joe procura o meio médico quando se une a Jerôme e ao filho gestado, ao perder a faculdade de sentir orgasmo. Alimenta o retorno ao desejo e busca quem consiga fazê-la sentir prazer no sexo. E outra vez o filme volta à questão do amor e dor, no “tratamento” a que a jovem se submete com um terapeuta que usa artificios ardilosos chicoteando-a com um objeto mais contundente do que um açoite comum. Nesse ponto, Selligman acha que é mais um fator místico (40 chicotadas é de uso romano no primeiro século da era cristã). E quando Joe perde tudo (familia e trabalho), sentindo necessidade de se empregar para subsistir, o “emprego” é suborno sexual às pessoas. Para isso conhece Pe, uma jovem de passado polêmico, com um defeito na orelha como uma espécie de marca da sua gênese patológica. Trata a moça como filha/amante, mas chega o momento em que isso não dará bom resultado, ou, como diz Selligman, não a afasta do caminho do mal.
O filme é dividido em episódios e nisso cabe a ironia que dilui o trágico e corta um possível liame melodramático. O último episódio chama-se “A arma” e na concepção religiosa que sempre acoberta a ação há o momento em que o uso de um revolver, pela mulher que durante a vida turbulenta aprendeu de tudo, falha na hora precisa. Mas não falhará uma segunda vez se alertado antes pelo ouvinte & conselheiro.
 “Ninfomaniaca” passa por cima do conceito freudiano do excesso sexual. O que seria um caso clínico, não só ganha o aspecto alegórico aliado à religiosidade como a um constante desencontro entre o desejo e a razão, com um elemento tentando compreender o outro e a busca pela felicidade passando por tormentosos caminhos moldados pelo comportamento social.
Na parte 1 e 2 de “Ninfomaníaca” é clara a discussão a que remete o diretor em torno da sexualidade e do amor, considerando que uma não tem nada com o outro. Se se observa o momento precursor dado a perceber sobre essa evidência vê-se que a narração de Joe sobre a aparição que a faz levitar aos doze anos, com esse ato levando-a ao orgasmo, ela está só e se sente entregue às luzes, iniciando a estimular sua sexualidade e gostando do que sente. Com Jerôme e o filho Marcel, na estrutura familiar tradicional, perde o que sentia e deixa de gostar de si. Prefere buscar na dor o retorno à sensação de desejo pelo prazer de sentir-se.

Desta vez Triers distanciou-se profundamente do seu estilo “Dogma”, aquela linguagem que se propunha a desprezar todas as conquistas formais do cinema e tentar uma filmagem realista ao extremo, com câmera na mão, luz natural, atores sem maquilagem e edição extremamente simples, quase sempre apegando as sequências na ordem direta da gravação (tal como se fazia no cinema amador). Tanto a primeira como a segunda parte de “Ninfomaniaca” usa a linguagem linear e se esmera nas interpretações. Isso não diz que o filme se realize de todo, mas fica mais fácil de ser observado e, sequer, interpretado. Filme muito bom. 

2 comentários:

  1. Alex Barata da Silva27 de março de 2014 às 06:52

    Gostei das duas partes do filme, a segunda mostra como nossos desejos podem nos levara cometer atos insanos

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  2. "Conceito freudiano do excesso sexual". ???

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