sexta-feira, 6 de abril de 2012

SEXTA SANTA E CINEMA

 "Vida Paixão e Morte de N.S. Jesus Cristo", de Ferdinand Zecca.

Minha infância e juventude acompanharam os programas especiais de cinema nos dias da Semana Santa. Invariavelmente exibia-se “Vida, Paixão e Morte de N.S. Jesus Cristo”, produção francesa de 1902 dirigida por Ferdinand Zecca e Lucien Noguent. Cada exibidor tinha a sua cópia. Quem não tinha, negociava para tê-la como aconteceu aqui em Belém, quando foi trocado o documentário de Ramon de Baños sobre a revolta contra o intendente Antonio Lemos, de título “Os Sucessos de Agosto”, por um exemplar do filme de Zecca de propriedade de um dono de cinema em S.Luis (Ma).
Alem da “Vida de Cristo”, outros filmes ditos sacros compunham os programas especialmente das 4as, 5as e 6as feiras Santas. Era uma tradição que o povo prezava e chegava a reclamar pela imprensa quando se desviava do tema para outros considerados “impróprios” para a época. Há um artigo em um jornal dos anos 1930 em que se reclamava a inclusão de um filme de aventuras entre outros que se viam como “sacros”. Nos anos 50 também susceptibilidades foram feridas pela programação, junto ao “Vida de Cristo”, da aventura “Canção do Deserto”.

O exibidor local, em décadas remotas, chegava a formular festivais com filmes de temas históricos ou ligados a vida de santos. Ficou na memória dos espectadores um desses festivais acontecido no antigo cinema Nazaré (ex-Poeira). “O Manto Sagrado”(The Robe) era a atração maior. Por outro lado, o concorrente desse cinema, o Moderno (em Nazaré onde hoje funciona um Parque de Diversões) exibia em dias santos de anos diversos “Os Últimos Dias de Pompéia” de Ernst B.Schoedsack e Merian C.Cooper (os diretores de “King Kong”). Também era exibido um filme espanhol chamado “O Beijo de Judas”(El Bejo de Judas) de Rafael Gil e, mesmo o clássico “Fabíola”(1949), de Alessandro Blassetti com a atriz francesa Michelle Morgan. Os empresários donos das casas corriam ao alcance das distribuidoras para manter uma tradição. Mas a verdade é que o antigo “Vida de Cristo”de Zecca era um titulo incomparável. Por mais que um jornalista local tivesse escrito um longo artigo condenando esta exibição anual, afirmando que se tratava de um filme de tecnologia antiga, deturpando a imagem que se guarda de Nosso Senhor, o título era até mesmo acolhido como um “documentário” e há registros de que, em alguma sala de subúrbio ou do interior do Estado, pessoas se benziam nas cenas da crucificação.
As mudanças que se processaram nos programas dos cinemas, ao longo dos anos, acompanhou a globalização aplicada aos lançamentos. Hoje um filme que é estreado em Los Angeles é também estreado aqui. Há uma profusão de cópias atendendo ao combate à pirataria que se faz de diversas formas, ou através da internet ou copiando descaradamente exibições privadas. Nesse compasso, alijam-se culturas regionais e até mesmo a clássica produção de 1902 sai de cena. E este ano ele poderia ganhar espaço posto que se comemora o seu 110° aniversário. É um dos mais antigos longa-metragens que se conhece (perto de 60 minutos de projeção). De linguagem bem primitiva, não tem closes, os movimentos de câmera quase não existem (há um ligeiro numa cena em que Jesus e os apóstolos estão andando para diante da câmera e tenta-se acompanhar a trajetória quando sai do foco), e dos atores só se registrou o nome de Monsieur e Madame Moreau (respectivamente José e Maria). Ao que sei, houve apenas uma sessão especial para crianças autistas, no Olympia.

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