Minha
infância e juventude acompanharam os programas especiais de cinema nos dias da
Semana Santa. Invariavelmente exibia-se “Vida, Paixão e Morte de N.S. Jesus
Cristo”, produção francesa de 1902 dirigida por Ferdinand Zecca e Lucien
Noguent. Cada exibidor tinha a sua cópia. Quem não tinha, negociava para tê-la
como aconteceu aqui em Belém, quando foi trocado o documentário de Ramon de
Baños sobre a revolta contra o intendente Antonio Lemos, de título “Os Sucessos
de Agosto”, por um exemplar do filme de Zecca de propriedade de um dono de
cinema em S.Luis (Ma).
Alem da “Vida de Cristo”, outros
filmes ditos sacros compunham os programas especialmente das 4as, 5as e 6as feiras
Santas. Era uma tradição que o povo prezava e chegava a reclamar pela imprensa
quando se desviava do tema para outros considerados “impróprios” para a época.
Há um artigo em um jornal dos anos 1930 em que se reclamava a inclusão de um
filme de aventuras entre outros que se viam como “sacros”. Nos anos 50 também
susceptibilidades foram feridas pela programação, junto ao “Vida de Cristo”, da
aventura “Canção do Deserto”.
O exibidor local, em décadas
remotas, chegava a formular festivais com filmes de temas históricos ou ligados
a vida de santos. Ficou na memória dos espectadores um desses festivais
acontecido no antigo cinema Nazaré (ex-Poeira). “O Manto Sagrado”(The Robe) era
a atração maior. Por outro lado, o concorrente desse cinema, o Moderno (em
Nazaré onde hoje funciona um Parque de Diversões) exibia em dias santos de anos
diversos “Os Últimos Dias de Pompéia” de Ernst B.Schoedsack e Merian C.Cooper
(os diretores de “King Kong”). Também era exibido um filme espanhol chamado “O
Beijo de Judas”(El Bejo de Judas) de Rafael Gil e, mesmo o clássico
“Fabíola”(1949), de Alessandro Blassetti com a atriz francesa Michelle Morgan.
Os empresários donos das casas corriam ao alcance das distribuidoras para
manter uma tradição. Mas a verdade é que o antigo “Vida de Cristo”de Zecca era
um titulo incomparável. Por mais que um jornalista local tivesse escrito um
longo artigo condenando esta exibição anual, afirmando que se tratava de um
filme de tecnologia antiga, deturpando a imagem que se guarda de Nosso Senhor,
o título era até mesmo acolhido como um “documentário” e há registros de que,
em alguma sala de subúrbio ou do interior do Estado, pessoas se benziam nas
cenas da crucificação.
As mudanças que se processaram
nos programas dos cinemas, ao longo dos anos, acompanhou a globalização aplicada
aos lançamentos. Hoje um filme que é estreado em Los Angeles é também estreado
aqui. Há uma profusão de cópias atendendo ao combate à pirataria que se faz de
diversas formas, ou através da internet ou copiando descaradamente exibições
privadas. Nesse compasso, alijam-se culturas regionais e até mesmo a clássica
produção de 1902 sai de cena. E este ano ele poderia ganhar espaço posto que se
comemora o seu 110° aniversário. É um dos mais antigos longa-metragens que se
conhece (perto de 60 minutos de projeção). De linguagem bem primitiva, não tem
closes, os movimentos de câmera quase não existem (há um ligeiro numa cena em
que Jesus e os apóstolos estão andando para diante da câmera e tenta-se
acompanhar a trajetória quando sai do foco), e dos atores só se registrou o
nome de Monsieur e Madame Moreau (respectivamente José e Maria). Ao que sei,
houve apenas uma sessão especial para crianças autistas, no Olympia.
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