terça-feira, 22 de outubro de 2013

ENTARDECER


“À Tarde”, de Angela Schanelec. Exibição no Olympia.

Com base na peça “The Seagull” (A Gaivota) de Anton Chekhov, Angela Schanelec realizou “À Tarde” (Nachmittag, Alemanha, 2007). Em sua filmografia a cineasta apresenta 11 filmes como atriz e 9 como diretora. Nenhum título conhecido por aqui. Este que também pode ser traduzido como “Entardecer” (há outras traduções para esse termo) tende a surpreender os nossos cinéfilos devido ao alto estilo narrativo. Um exemplo de extrema paciência no seguimento dos tipos e de situações vivenciadas, querendo explorar/observar o que cada um sente e faz – na realidade sente e procura simbolizar com um tipo de argumentação intimista.
A peça de Anton Chekhov ( 1860-1904) foi escrita em 1895 e concebida por ele como uma comédia. Entretanto, tem sido tratada como drama ou tragédia. Para o escritor seria: "uma comédia, três papéis de mulher, seis para homens, quatro atos, uma paisagem (vista para um lago), muitas conversas sobre a literatura, um pouco de ação, um toque de amor".
O enfoque principal dado por Angela Schanelec é sobre Konstantin (Jirka Zett), jovem escritor que está na casa da mãe, atriz, à beira de um lago, com a namorada e irmãos sendo uma adolescente que também se focaliza com extremo cuidado.
Sempre foi difícil fazer cinema de emoções. Traduzir o que sente uma personagem chega a ser deficiente até mesmo na literatura onde o leitor refaz mentalmente o texto. No cinema pede-se que se veja este sentimento. E como se pode fazer isso? Antonioni tentou na sua série introspectiva iniciada com “A Aventura”. Mas o que se viu foi Monica Vitti andando com a câmera atrás dela. Ou Jenanne Moreau dialogando com Marcello Mastroianni sobre seu relacionamento ao visitar um amigo enfermo em “A Noite”. O interior humano ficou mais no corpo que desaparece em “Blow Up” – como a jovem que some no mar em “A Aventura”. É muito difícil traduzir em imagens o que se passa no íntimo de pessoas focalizadas. E a narrativa bem pessoal de Angela Schanelec usa o silencio e a demora e economia à exaustão, dos planos. Quase não há câmera manual, recurso comum atualmente. Imagens fixas demoram-se nos corpos de tipos que sofrem e vivem. E na primeira sequencia do filme ela anuncia a opção, quando se vê um palco e uma atriz ensaiando uma peça. Ela será o eixo do drama de sua família e a câmera vai acompanhá-la na vida reticente do marido, filhos e agregados.
O titulo “entardecer” cabe bem na proposta de focalizar preferencialmente uma tarde na vida de seres heterogêneos. Quase no final é que se vê a noite, com o jovem e uma companhia nas imediações da casa do lago. Não há manhã radiosa posto que não há esboço de alegria nas figuras focalizadas. E a despedida de Konstantin pode ser a despedida de sua própria existência. Mas o único plano do amanhecer pode ser trágico embora tratado de forma reticente. A mulher-atriz olha o lago e vê uma pessoa nadando até chegar a uma plataforma. Não dá para identificar quem é, mas pode ser quem se pensa que seja. Não se explica quase nada do enredo, considerando-se o modo como a ação toca fundo o gestual, as máscaras e a indefinição das narrativas intra e interpessoal dos tipos.
Num estudo sobre a obra da diretora, a filósofa portuguesa Susana Nascimento Duarte diz sobre o filme:De Tarde opera, em certa medida, no sentido inverso dos filmes anteriores, explorando não a potência de um afastamento das relações familiares, mas indo ao encontro do que se foge nos outros: a fuga dá lugar ao reencontro doloroso de uma família despedaçada”. Em outro momento diz Susana: ...“a verdadeira acção não é a do enredo, mas a dos modos cinemáticos de observação”.
“Entardecer”é filme de exceção, não é “divertissiment” como dizem os norte-americanos. Na linha mais para Tarkovsky, a autora alemã exibe um cinema fechado, extremamente autoral, nada identificado com o que a indústria explora. E por isso não deve ser analisado antes que seja visto. Cada espectador/a é convidado/a  a descobrir o que se expõe na tela. Com a paciência com que se contempla uma obra de arte.


Nenhum comentário:

Postar um comentário