sexta-feira, 31 de julho de 2009

LIÇÕES DO TEMPO



Pedro Veriano tem o seu blog, mas não abro mão de sua presença neste espaço, numa convivência que além de afetiva é visceral. Com mais liberdade de espaço, ele trata hoje de vídeos, focalizando, especificamente, um clássico de Louis Malle e outro de Leo McCarey, tão diferentes como água e óleo, mas, segundo ele, vulneráveis ao tempo como obras de artistas mortais.(LMA).


Quando foi lançado nos cinemas (por aqui no finado Cine Palácio) “Os Amantes” (Les Amants/França,1958), filme de Louis Malle, deu motivo à conversa de comadre. Era mais quem contava os segredos de alcova exibidos em tela panorâmica (o enquadramento era para projeção anamórfica), sempre exagerando. Lembro de um padre amigo que me perguntou o quê, afinal, tinha o filme para ser tão “proibido”. Claro que ele, apesar de intelectual, não se aventurava em ver. Eu quando vi fiquei surpreso por ter gerado tanta celeuma. Penso que eu mesmo até que inventei mais do que meus olhos presenciaram do “affair” entre a madame (Jeanne Moreau nova e bonita) e Jean-Marc Bory, o outro do triângulo conjugal (o vértice era Alain Cuny, o ator que fez o amante petrificado de “Les Visiteurs du Soir” de Marcel Carné e o suicida de “La Dolce Vita” de Fellini). Hoje, revendo o filme em DVD, penso que a propaganda do erotismo foi engendrada pelos próprios produtores. Não sei se Malle pensou em filmar com detalhes o ato sexual da adúltera. Se pensou, não realizou. Cheguei a conversar com ele aqui, no Hotel Gran Pará, e o cineasta nem falou neste filme (o alvo foi “Un Souffle au Coeur” e o que ele estava fazendo na época, trabalho sigiloso que podia dar munição aos nossos caçadores de fantasmas da época de ditadura).
O filme é até mesmo ingênuo. Mulher abastada, digna representante da burguesia bem posta, encontra um jovem que lhe dá carona quando o seu carro “prega”, e com ele passa uma hora de sexo. O fato só surpreende porque o espectador pensa que o amante será outro: um aristocrata vivido por Jean Louis de Villalonga, eterno tipo do “dandy” em cinema de diversas fontes.
La Moreau não chega nem mesmo a ser a “fogosa” que se quis ver. Mas os anos eram os 50, ainda não havia chegado Woodstock, a revolta estudantil em Paris, a liberdade sexual. “Les Amants” bebeu na mesma fonte que “Le Diable au Corps” (Adúltera) de Claude Autant-Lara, só que neste exemplo a amostragem era mais sutil e por isso mesmo mais cinema. Ficou na história a chama da lareira quando Gérard Phillipe deita-se com Micheline Presle. E o filme de Lara era da safra de 1947, ainda mais afeito ao puritanismo. Por sinal, um dos indicados para o “index” das publicações católicas. No livro “O Cinema, a Fé e a Moral” ele está entre os títulos “condenados”. Na nossa Belém chegou a ser cartaz do Cine Clube “Os Espectadores” (1955) e foi apresentado por Max Martins no auditório da S.A.I (Sociedade Artística Internacional) onde hoje é a sede da APL.
Se a maldade, irmã gêmea da burrice, agiu em “Les Amants” envelhecendo prematuramente um filme apenas mediano, por ela se ter escondido deixou livre “Love Affair”(Duas Vidas) de Leo McCarey. Ali, na primeira versão de uma história que tinha o dedo do diretor de “O Bom Pastor” e de Delmer Daves (de “Candelabro Italiano”), o elegante Charles Boyer namorava Irene Dunne numa viagem de navio e se desencontrava dela na rua do edifício Empire State (ela seria atropelada). A história atingiu a geração posterior a esse original de 1938 como “An Affair to Remember” (Tarde Demais Para Esquecer) de 1957 com Cary Grant e Deborah Kerr (do mesmo diretor). Uma história tão sedutora para os românticos que chegou a dar uma outra versão, em 1994 por Glenn Gordon Caron com Warren Beatty e Anette Bening..
O cinema atua no tempo e sofre influencia direta do tempo. Essas curiosidades que apontei são testadas agora quando se pode rever filmes antigos em DVD. Muitas vezes essas revisões são catastróficas. A memória é como se canta em “Il Rigoletto” de Verdi ,“volúvel qual pluma ao vento”. Mas até por isso é bom testá-la, mormente numa época em que o cinema industrial é nauseantemente repetitivo. (Pedro Veriano - http://pedroveriano.blogspot.com/)

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