quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

HOMEM IRRACIONAL



Joaquin Phoenix é Abe Lucas um tipo que centraliza os aforismos filosóficos em Woody Allen

Um filme de Woody Allen vem sempre com expectativas ao público. O que e como o autor (ele é autêntico autor de cinema) desenvolveu o assunto? Que assunto? É comédia? Drama? Visão pessoal da vida em forma de reflexão? A pós-visão do filme tende a refletir, sempre, certa posição pessoal de quem assiste e opina. E o que se observa geralmente são comparações entre o novo projeto em exibição e este ou aquele filme do diretor.
Na verdade, a meu ver, em cada filme, Allen, como um autêntico mágico das ideias e das imagens expõe uma perspectiva de seu entendimento sobre pessoas comuns e como estas se desdobram para alcançar seus objetivos. E ou explora manias pessoais e particulares empenhando seu tom criador através da arte. Se seus personagens assumem este ou aquele tipo dentro da trama, um deles será o alter-ego do diretor. Aquele que questiona, o inconformado, o ilustrativo da façanha que augura demonstrar entre a filosofia e o real, o cético ao extremo, o antirreligioso.
Em “O Homem Irracional” (Irrational Man, EUA, 2015) Woody Allen explora as condições de vida de um intelectual, um professor de filosofia, que assume uma cadeira de sua competência numa universidade de uma pequena cidade norte-americana, onde seus pares, de múltiplas áreas, e os novos discentes mantém expectativas sobre a sua expertise, considerando as informações que têm sobre seu desempenho em outras instituições.
O que ocorre desde a entrada em cena deste personagem, Abe Lucas (Joaquin Phoenix) sendo exposto, na primeira sequência, em monólogo interno (em off, tratando de si mesmo na viagem de carro que o leva à nova localidade onde ministrará um curso de verão) se evidencia no aspecto físico, comportamental e verbal do tipo, a medida em que seu trânsito na comunidade universitária se torna mais intenso. Este aspecto também define um estado depressivo em que o personagem se encontra.
É na medida deste estado de angústia que emerge a figura de Abe onde o desânimo, a impotência e a paralisia se instalaram. Na classe de alunos aos quais ministra suas aulas usa algumas sínteses de filósofos como Kant, Heidegger, Nietzsche, Sartre, Simone de Beauvoir e outros contrapondo os ideais filosóficos ao “terrível mundo real” (como expõe no filme). O mal e o bem recebem ênfases para demonstrar o que seria um e outro na adequação de situações como a vivida por Anne Frank e ou onde se definiria o livre arbítrio. Nessa posição cética Abe segue na introspecção de um indivíduo desesperado pelo que fazer objetivamente da vida, e impotente diante de alguns projetos, como o de finalizar um livro sobre Kant.
Uma sequência do filme nessa primeira fase é capital para expor o desinteresse do professor pela vida. No momento em que ele observa um grupo de jovens alunos manipulando uma arma e um deles explica aos demais a brincadeira da roleta russa demonstrando como se dá o encaixe de uma única bala no tambor e o gatilho disposto para a própria cabeça. Nesse instante, Abe toma a arma, gira o tambor, fecha-a, e atira na sua cabeça. Sem sucesso, repete a experiência ao menos três vezes diante da aflição dos jovens que estupefatos com a atitude dele, o desarmam. É o modo de demonstrar a baixa estima com a própria existência. Para ele, a racionalidade estava naquela atitude de desapego da vida.
Entre o envolvimento com a colega Rita (Parker Posey) e com uma aluna, Jill (Emma Stone), segue um percurso que o leva a ser o que não pode concluir: um amante que não consegue satisfazer a companheira e/ou um amigo que não quer ser amante.
É nesse clima que se dá o processo de imersão de Abe/ Phoenix numa segunda fase e que o levará a outro estado emocional. Ao descobrir casualmente o quanto uma mulher é maltratada em uma ação judicial por um certo juiz ele percebe que pode resolver a questão com uma atitude de eliminação da causa do sofrimento dessa mulher. Para isso premedita o assassinato do juiz de forma a se constituir um crime perfeito. A realização de sua “bondade” revela-se criadora para a ruptura com a crise existencial que o contaminava. E de depressivo e sem objetivo ele redescobre a vontade de viver.
A retomada de todas as situações que o acabrunhavam revitaliza-se e se torna a nova razão de suas atitudes. Agora com mais empatia desloca sua vontade para querer as coisas, como por exemplo, o interesse pelo sexo com a colega e a satisfação que sente nas longas conversas com a aluna. A redescoberta do ânimo trás os benefícios para reconhecer, em sua ação criminosa, um ato de humanidade e, nessa avaliação de si, será iniciado um rebate ao seu julgamento altruísta, pela jovem amiga Jill. Essa é uma terceira fase de seu percurso nesse meio. Que seguirá a uma quarta, entre as verdades sobre as contradições entre o crime cometido e a “filantropia” assumida e que se tornam expostas pela aluna como irracionais desvirtuadas pela sua concepção de bem e mal. Um plano final arrebata o convencimento de Abe de que o crime perfeito eliminará seu próprio sofrimento.
Narrado como de hábito nos trabalhos de Allen, há economia de sequencias, ótimo rendimento de atores (especialmente Phoenix e Emma Stone que esteve em “Magia ao Luar” o filme anterior do cineasta) e comedido trabalho de câmera. Tudo para contar um fato de forma rápida que até por isso sensibilize.
Mesmo depurando as influencias que em sua maioria só serão percebidas à saída do cinema, há detalhes vistos como supérfluos, mas, se é possível reconhecer a proposta de Allen de desnudar seu personagem, as falas em off que extraem a intimidade deste podem ser consideradas como método de trabalho para o reconhecimento do processo divergente de ideias e atitudes de um tipo.
Recheado do interesse pela filosofia diz Allen que este foi capturado dos filmes de Ingmar Bergman. Diz: “Eles me chamaram a atenção. Na época não havia lido Nietzsche ou Kierkegaard, os filósofos que Bergman admirava tanto, mas todo aquele material me tocou profundamente. Fiquei fascinado pelos seus filmes, questões e problemas abordados. Os anos foram passando e li alguns livros relacionados à filosofia, podendo compreender mais claramente quem o havia influenciado e as ideias representadas nos filmes. Então cresci gostando de ler filosofia, comparando os filósofos e como desafiavam e refutavam um ao outro acerca de suas ideias contrastantes sobre questões impossíveis de responder”.
No processo narrativo Woody Allen seguiu a linha de alguns de seus outros filmes como “Crimes e Pecados”, “Match Point”. Extrai o profundo significado da vida e das atitudes praticadas em torno da crença ou do desejo. No crime, a culpa ou a paz que evidenciam o castigo ou a impunidade, desejando a justificação moral.
Com três grandes interpretações – Joaquin Phoenix, Emma Stone e Parker Posey – o filme tem seu lugar na filmografia de Allen.


2 comentários:

  1. Luzia,

    Ainda que não tenha achado Homem Irracional um filme maravilhoso, não posso negar minha admiração por um camarada que produz um filme por ano.

    Neste Homem Irracional senti que a pressa de Allen (um filme por ano) diminuiu a força do projeto, talvez o filme fosse uma obra-prima se ele tivesse trabalhado mais sobre a história que, para mim, é muito interessante.

    Deixo, como deixei no blog de Pedro, algumas observações sobre este interessante trabalho de Allen.

    Sobre o filme, propriamente dito, destaco, além da bela fotografia, o questionamento que ele levanta e que faz o filme girar:

    O nos inspira? O que nos faz viver? Quem é nossa musa?

    Allen inteligentemente levanta os questionamentos mostrando ao espectador que a racionalidade pode muito bem ser completamente irracional.

    Allen, ainda que faça um happy end para Jill, deixa as perguntas entre abertas ao final do filme, como que quisesse dizer que, cada um deve buscar um meio para resolver sua crise existencial.

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