Tom Courtenay e Charlotte Rampling em "45 Anos"
Amor entre idosos
sempre foi um tema não muito explorado tanto no cinema como em outras áreas. O assunto
sobre essa faixa etária tem sido enfocado, principalmente, no âmbito da saúde, da
qualidade de vida e em outras vertentes que estão surgindo porque houve um
processo de politização da situação da velhice.
Em 2012, Michael Haneke,
em “Amor” focalizou o drama de um casal idoso que se ama, mas cujo desfecho
dado pelo cineasta, polarizou-se numa controvérsia entre espectadores, alguns que
consideraram prova de amor a atitude tomada pelo marido em relação à esposa doente
e em fase terminal, e outros que refletiram esse momento como de extrema
crueldade.
“45 Anos” (45 Years,
2015) do diretor inglês Andrew Haigh, com base no ensaio “In Another Country”,
de David Constantine, capta um momento
da história de amor de um casal de idosos, justo no período dos preparativos da
comemoração desse tempo de vida de casados. Pauta em dois eixos com desdobramentos
diferenciados durante uma semana: os arranjos festivos para a celebração de
data tão importante, segundo Kate (Charlotte Rampling), e a descoberta, pelo
marido Geoff (Tom Courtenay), através de uma carta recebida da Suíça, de que o
corpo de sua ex-namorada havia disso encontrado intacto no fundo de um vale em
neve.
A pontuação do filme se
dá pelos dias da semana com a culminância da festa num sábado. Então, o roteiro
é desenvolvido nesse recorte temporal, de forma lenta, sem movimentos ousados, mostrando
a vida rotineira do casal, seus hábitos, suas emoções, sua sexualidade, tensões
e momentos de solidão, caráteres bem diferentes, mas já derivados para as
sínteses de vida que o passar dos anos tendeu a construir.
O processo em que é narrada
a rotina do casal com esses dois dramas se desenrolando paralelamente se acha
mais concentrado no que teve maior repercussão para os dois: o encontro do
corpo congelado da ex-namorada de Geoff.
Em princípio, a notícia
surpreende Kate. Leva em conta o tempo em que isso se deu e o desconhecimento
desse fato do passado do marido. E nessa perspectiva vai somando as novas
atitudes de Geoff que insistentemente comenta o fato, que busca na memória episódios
de seu envolvimento afetivo e descobre no sótão as lembranças que guardara da jovem.
Com isso se prepara para retornar aos Alpes para ver o corpo.
A narrativa vai
revelando as transformações observadas nos dois. Se Geoff está em consonância com
as descobertas e supõe-se na recomposição do afeto que sentia pela ex-namorada,
criando estratégias pouco usuais para contornar a nova fase em que se acha, Kate,
que aspira uma grande celebração com um planejamento já feito até da canção que
irão dançar, se sente constrangida a cada investida comentada pelo marido sobre
as novas notícias que recepciona. Ao ver que o marido escamoteia dela sua
pretensão de viajar para os Alpes, se mostra menos atenta ao programa festivo
das bodas. E busca a verdade sobre os passos dissimulados dele.
É nesse clima de
desconfiança dela e de excitação dele que a festa se realiza em torno dos amigos.
E nas duas últimas sequências a entonação narrativa do diretor subscreve um
paralelismo entre os sintomas de uma crise construída ao longo de seis dias. As
palavras do discurso de Geoff rememorando a conquista da amada Kate e o
desenrolar da convivência amorosas entre eles nesses 45 anos sintoniza com o
não-dito que eles viveram após a notícia do achado da ex-namorada congelada,
sem conflitos, salvo a ansiedade dele em contar para Kate as novidades e
rememorar o primeiro amor. Ao ouvir as juras de amor do marido naquela hora
solene de celebração, observa-se, no seu rosto, um olhar vazio e distante e um riso
artificial. A câmera fixa nessa imagem, ele de pé, ela sentada, com os olhos
circulando pelos amigos (sem que estes sejam vistos) e as expressões faciais
dizendo o que sentia naquele momento.
A sequência final é a
dança do casal ao som da música de seu casamento: “Smoke Gets In Your Eyes”. A
câmera segue os dois e os gestos dele abraçando-a para dançar. Mas a
medida que a letra da canção vai se desfazendo nas emoções de um tempo,
ressurge o agora com a ênfase de um drama. Porque a tradução, para ele –
segundo o que ela viveu naquela semana - pode não representar mais o que houve
entre os dois. Ao “descongelar” o corpo da ex-namorada inscreveu-se um afeto
que supunha adormecido.
No take final da câmera
o gestual da aniversariante sintetiza (atente-se para este gesto) o que a
canção está dizendo: “(...)
Now laughing friends deride;
Tears I cannot hide; So I smile and say; "When a lovely flame dies; Smoke gets in your
eyes.”
“45 Anos” apresenta um
excelente roteiro e direção. O desempenho dos dois intérpretes tem a aura de um
brilhantismo fluente, em que a espontaneidade submete a narrativa sem que esta
se torne pesada nem artificial.
Filme imperdível.
para mim já é um dos melhores filmes de 2016, exibidos no cinemas aqui em Belém, emocionante
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