terça-feira, 4 de janeiro de 2022

AS MULHERES ATRÁS DAS CÂMERAS E SEUS TEMAS DE CRÍTICA SOCIAL -1

 

Este ano de 2021 minha lista de melhores filmes registrou a obra de três diretoras: Jane Campion (Ataque dos Cães, 2021), Chloé Zhao (Nomadland, 2020) e Emerald Fennell (Bela Vingança, 2020). Neste texto, esboço algumas evidências sobre os temas escolhidos por elas, demonstrativos de como a arte que assumiram pode ousar explorar tensos temas atuais através das imagens. Jane Campion inicia minha argumentação.

Em “Ataque dos Cães”, o foco principal trata, a meu ver, da diversidade humana e das representações que o cinema realiza em torno de figuras tradicionais masculinas num ambiente onde as mulheres transitam nos serviços domésticos mesmo em ambientes públicos (restaurantes, a ex.). Trata sobre a masculinidade.

Os/as espectadores/as criaram no imaginário a figura do “cowboy” construída em filmes de diretores como John Ford, Sam Peckinpah, Sergio Leone, Clint Eastwood (para citar os mais conhecidos), nos chamados westerns, ou, popularmente, nos "filmes de faroeste", cujo gênero clássico pode ser classificado nas estratégias de produção e comercialização do cinema norte-americano. Jane Campion foge ao padrão, ao mostrar outros tipos: um que se incorpora na tradição do “machão”, outro cuja figura se empenha no formato gestual e elegante, inclusive na forma cortês de tratar a todos, e outro, um jovem que não se enquadra em nenhum desses tipos, dócil e sensível. Nas atitudes de chacota que Phil Burbank (Benedict Cumberbatch) estimula em seus companheiros de jornada na fazenda da família a esse jovem, Peter Gordon ( Kodi Smit-McPhee), filho da dona do restaurante, Rose (Kirsten Dunst), evidencia-se que naquele ambiente outro tipo masculino não se enquadra fora da tradição do macho cowboy, e esse aspecto aponta para o processo de desconsiderar o “diferente” naquele meio social em que se destaca o tipo de “homem de verdade”. Nessas três representações, a magnitude da contextualização reserva a crítica aos personagens em que Jane Campion centra a sua oportunidade de aproveitar-se dessa construção para o desenvolvimento de características diversas sobre o “ser masculino” tradicional, favorecendo o olhar do público para o exame crítico sobre o imaginário construído e recorrente pelo cinema, com uma só figura essencialmente significativa nas relações de gênero, principalmente no faroeste.

São homens sem sentimentos? É possível classificá-los? E nesse aspecto, a recorrência a alguns detalhes emergem na narrativa (e que devem ser examinados pelo público) apontando para a subjacência das emoções desses três personagens, cada um satisfazendo ou ocultando o verdadeiro sentido desse tempo de introspecção psicológica, sentimental, íntima, do ser humano. Dinâmica rítmica favorecida pela formatação das sequências ativando a escolha de planos com imagens decisivas para o momento certo. As descobertas da afinidade entre os diferentes - o machão e o dócil – apresentam-se num plano pouco evidente, mas é esse o momento que aponta as ousadias do jovem Peter em aproximar-se de Bill. Pode-se, inclusive, apontar, nessa sequência, um aspecto de “voyeurismo” emitente da maior aproximação entre Peter e Bill, quando o primeiro reconhece a origem do amargor que domina Bill que passa a tratá-lo de forma menos hostil. Aprendizagem, confronto, aceitação vigoram agora no novo círculo construído.

“Ataque dos Cães” foi adaptado do livro “The Power of the Dog”, de Thomas Savage, lançado em 1967, escritor de excelência no gênero literário. Somente agora transformou-se em projeto de cinema pelas mãos de Jane Campion. Que revolucionou o tipo do cowboy, desmistificando-o.





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