quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A HONRA FERIDA


Imagem de "Corações Sujos", de Vicente Amorim
 
Vicente Amorim é um novo diretor do cinema brasileiro, pode-se chamar, “da retomada”, e foi responsável por dois bons filmes: O Caminho das Nuvens (2003, 87 min.) e “Um Homem Bom” (2008, 98 min.). Seu mais recente trabalho para o cinema “Corações Sujos” (2011, 90 min.), baseia-se no livro homônimo de não ficção de Fernando Morais, com roteiro de David França Mendes. “Corações Sujos” é o nome que alguns japoneses, confinados em um campo paulista durante a 2ª. Guerra Mundial deram aos compatriotas que logo acreditaram na rendição de seu país às tropas aliadas em 1945, pelo tratado de rendição assinado pelo imperador japonês Hirohito com o general americano Douglas MacArthur. Como se vê, a colonia de imigrantes ficou dividida em dois grupos: os que acreditavam no fato noticiado e os que seguiam a ideologia da fortaleza do impéro japonês no conflito, considerando a vitória do Japão. Então, os “traidores da pátria” ou “corações sujos” passaram a ser caçados.
Compondo um elenco quase que inteiramente de atores de origem japonesa, salientam-se excelentes interpretações como Tsuyoshi Ihara que protagoniza Takashi o fotógrafo guinado a carrasco de quem não tinha coragem de fazer “harakiri” e continuar acreditando na rendição do país. A atriz Takako Tokiwa vive a professora Miyuki, o ponto que se pode dizer romântico da história. E, especialmente, o veterano Eiji Okuda (67 filmes), como o coronel Watamabe, o mais cético com relação ao resultado da guerra.
O filme, que exibe um cuidado cenográfico muito bom, teve a maioria das locações em Paulínia( cidade que hoje abriga um polo de produção do cinema nacional e também um festival de cinema). Um dos pecados do filme (e não é só a minha opinião) é o excesso na trilha sonora, com a música entrando forte em sequencias onde até o silêncio teria melhor efeito. A abertura, por exemplo, recebe esse efeito, sem dúvida para um extrair um apelo emotivo que por pouco não enveredou pelo melodrama.
Não conheço o livro original e não sei até que ponto foi tratada a vida intima dos personagens focalizados. Mas nada invalida o trabalho do diretor. Amorim é um dos nossos cineastas com acesso a indústria cinematográfica internacional e nos seus trabalhos, até agora, tem se mostrado eficiente na colocação de uma linguagem que atende ao grande público sem perder substância. Nessa cumplicidade entre literatura e cinema há um jogo que poucos reconhecem. Cada vez que assisto a esse casamento, lembro as análises de Julio Plaza (2008) sobre tradução intersemiótica, onde o autor aborda o diferencial entre as duas liguagens e signos, apontando o fato de essa adaptação da literatura para o cinema deixar de ser uma obra só, mais duas que remetem a novos entendimentos sobre a terceira perspectiva. Creio que foi isso o que se deu com o cinema de Amorim & as cobranças que fazem dessa interlocução.
       Em “Corações Sujos”, a opção por câmera manual e closes, especialmente os que aproveitam a tela panorâmica e colocam um rosto no canto de um plano com acontecimentos paralelos correndo no outro espaço da tela, divergem do que me pareceu muito influente: o cinema de Masaki Kobayashi, diretor de “Harakiri”. No caso, a predileção ficava nos planos fixos e enquadramento médio (célebre a cena em que o samurai que desiste do suicídio é guinado a fazê-lo para salvar seu filho menor que está sem condições de ter um remédio pelo fato de o pai não ter recursos para comprá-lo). Em “Corações Sujos” o enfoque é a honra nacional ultrajada, ou a xenofobia em grau de fanatismo. Para cobrir esta situação, a exigência cabe mais nos intérpretes. E principalmente quem não acredita que o imperador tenha capitulado, mesmo vendo a fotografia dele com o General Mac Arthur aceitando a perda da guerra. Esta foto, alías, foi reformulada no laboratório do personagem Takaswhi com legendas que diziam o contrário, ou seja, que Mac Arthur estava ali assinando a rendição dos norte-americanos.
O enfoque brasileiro é interessante observar ao conhecer que o Brasil entrou na guerra contra o Eixo (Berlim, Roma, Tóquio) quando navios brasileiros foram afundados por submarinos alemães. Os soldados do Brasil foram combater na Italia contra os alemães. O Japão entrou no rol dos inimigos desde que atacou de surpresa os EUA em 1941 quando a guerra na Europa já somava dois anos.Mas os imigrantes tanto alemães como italianos e japoneses foram cerceados em nosso país. O filme “Corações Sujos”mostra o fato no sudeste. É historicamente importante e narrado em bom cinema. Merece ser visto.

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