Imagem fantástica do filme de Ron Howard: da pequenez da arma humana sob o olhar do monstro marinho
“Moby Dick”, ícone da literatura de língua inglesa, foi escrito por
Herman Meville (1819 1891) e publicado em 1851. O escritor, poeta e ensaísta norte-americano
baseou-se no fato real que foi o naufrágio do navio baleeiro Essex atingido por
uma baleia gigante. A história do livro gerou outro, escrito em 2000 por outro
norte-americano Nathaniel Philbrick. E é este que inspirou o roteiro do filme
“No Coração do Mar” (In the Heart of the Sea, EUA, 2015) com roteiro de Charles
Leavitt e dirigido por Ron Howard.
O filme é narrado em flashback a partir do depoimento de um dos
sobreviventes do Essex, Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), um adolescente na
época do naufrágio, ao escritor Melville (Bem Whishaw), entusiasta de histórias
ambientadas no mar. O relato é feito depois de muita insistência, especialmente
da esposa do personagem (já um idoso que passa por dificuldades financeiras).
Embora se trate de um tipo que viveu os acontecimentos, a trama centraliza-se
no experiente nauta Owen Chase (Chris Hemsworth), passando pela animosidade
deste com o capitão do baleeiro George Pollard (Benjamin Walker) e detalhando a
aparição da baleia branca gigante que desafia a todos afundando o barco que
antes resistira à uma tempestade.
O livro de Melville evidencia a supremacia do animal frente a
prepotência do ser humano. Não conheço o livro de Philbrick mas, no final do
filme, o entrevistado do escritor confessa-se impressionado com a notícia de
que na época em que eles estão já foi descoberto óleo vindo da terra, uma forma
de substituir o que era extraído das baleias, usado para alimentar as lâmpadas
até a segunda metade do século XIX. E em termos de cinema, “Moby Dick” gerou
pelo menos 4 filmes, sendo o mais famoso o de 1956, dirigido por John Huston
com atuação dos veteranos Gregory Peck (1916-2003) e Richard Basehart
(1914-1984).
O trabalho de Ron Howard ressalta, primeiro, uma prodigiosa edição.
Basta exemplificar as sequencias da tempestade e do ataque da grande baleia. A
profusão de planos próximos com tempo curto de exposição gera o clima de terror
que a trilha sonora endossa. O recurso, por sinal, ajuda muito na produção que
se ampara nos efeitos especiais.
Tratado em linguagem linear o assunto não avança em detalhes densos como
a construção psicológica dos tipos (especialmente dos principais, que se
conhece apenas pelas situações dramáticas objetivas). Nesse ponto lembro de que
o Capitão Ahab, vivido por Gegory Peck no filme de John Huston (Moby Dick) tem
maior densidade. Mas é importante notar como Ron Howard manipulou a fórmula do
blockbuster construindo um filme sempre interessante sem ser vulgar. Os seus
enquadramentos da baleia que parece se vingar dos que mataram seus companheiros
de espécie e impor sua supremacia são muito eficazes, conseguindo o que é a
base da trama: o poderio de um ser pelo seu espaço físico.
O filme levanta a questão sobre a dimensão entre o homem e a natureza e
a busca de submissão sobre a primeira que em dado momento se levanta furiosa.
Há, também certo enfoque sobre as relações de poder da elite e pessoas do povo,
no caso, o marinheiro Chase, que era visto como forasteiro, mas que já dera
mostras de conhecimento no comando de um navio baleeiro e tinha a palavra de
seu empregador de que seria o próximo comandante do Essex, sendo preterido no
lugar por um jovem cuja família era notável pelos homens no comando desses
navios. É sintomático que haja dissidências entre os dois e mais ainda pela
falta de traquejo náutico do nobre.
Ron Howard recebeu o Oscar de melhor diretor em 2002, por “Uma Mente
Brilhante”. Sua trajetória nesse metier tem altos e baixos, a exemplo, filmes
bons como “Rush - No Limite da Emoção” (2013), “Frost/Nixon” (2008), e
razoáveis como “O Dilema” (2011), “O código Da Vinci” (2006), “Anjos e Demônios”
(2009) e “A Luta pela Esperança” (2005). Mas “No Coração...” pode-se incluir
entre seus bons trabalhos, embora sem acrescentar nada mais ousado. Howard
dirige filmes entre curta metragens e para a TV desde 1969.
“No Coração do Mar” está sendo projetado em 3D e isso me pareceu
indiferente. Penso que a espetaculosidade do cenário sairá bem em tela menor
num futuro próximo. O que fica é um artesanato correto. O bastante para um
programa de exceção na mesmice do cardápio oferecido nos cinemas comerciais da
cidade.
Também gostei do filme. A grandiosidade das cenas é de tirar o fôlego.
ResponderExcluirmuito bom !!
ExcluirPrezada Luzia,
ResponderExcluirGostei do filme, Ron Howard gosta de contar histórias interessantes e tem um bom trabalho na direção, mesmo experimentando pouco, o que torna seu trabalho pouco autoral.
Entre os elementos que Howard desenvolve bem destaco: não vilanizar George, não tornar o primeiro imediato em herói e não sentimentalizar demasiadamente a situação dos náufragos (nem era necessário mesmo).
Contudo, não passa despercebido alguns equívocos no roteiro (mostrar imagens o que o narrador não viu) e não definir o que deseja fazer de fato: confrontar Homem X Natureza ou relatar o sofrimento dos náufragos.
Mesmo com estes problemas, No coração do Mar é um bom filme. Melhor do que muitos que ainda se encontram em cartaz.