A cineasta paraense, Jorane Castro, em momento de trabalho
O primeiro
longa-metragem de ficção da premiada diretora paraense, Jorane Castro, “Para
Ter Onde Ir” penetra fundo na alma feminina e esboça uma proposta de ruptura
com o lugar comum da narrativa do cinema.
Instigante,
e ao assistir ao filme considerei impactante as imagens ao observar que as
pessoas ao meu redor esperavam uma narrativa “certinha” nos moldes da linha
acadêmica tradicional de cinema.
Como a cada
filme de Jorane ela surpreende apresentei-lhe três questões para que ela me
respondesse. Esta entrevista diz muito do que é possível esperar de seu
mais recente filme.
1. Sobre o tom, a narrativa cinematográfica
Na verdade,
o que eu queria era contar a história entrelaçada destas três mulheres, de uma
forma onde a narrativa se espelhasse numa linguagem cotidiana, e onde a
narração não fosse construída de forma imposta pelo formato do filme, mas sim
através uma abordagem sensorial. Por isso não explicamos tudo.
A
mise-en-scène neste filme é uma narrativa com uma construção transpassado pelo
sentimento das personagens, suas motivações, seus desejos e suas angustias. Não
é um filme de causa e efeito, com protagonista e antagonista, com final
fechado.
Por isso
talvez ele exija muito mais que o habitual da espectadora ou do espectador, que
deverá se projetar na história para fechar as lacunas que deixamos abertas.
Nesses vazios é que convido o público a se descobrir dentro da história e se
fundir ao filme. Na paisagem, nos planos longos, nas frases soltas ditas ao
acaso pelas personagens. PARA TER ONDE IR propõe esse desafio.
2. O cenário e o feminino
Vivemos um
momento onde se questiona muito o lugar da mulher na sociedade e também na tela
de cinema. Fala-se muito do Teste de Bechdel , no qual PARA TER ONDE IR é
aprovado com louvor. Mas este não é um filme provocado por um modismo qualquer.
Este filme,
assim como minhas ficções anteriores, tem como tema principal o universo
feminino. Construí isso em As Mulheres Choradeiras, Ribeirinhos do Asfalto e
até mesmo em Quando a chuva chegar. Ou
seja, eu vejo esse meu primeiro longa como uma continuação desta trajetória que
comecei sempre com protagonistas mulheres, empoderadas e donas de seus
destinos.
Mas neste
filme, eu penso que vou mais profundo no universo feminino, com a tentativa de
transpor na tela o próprio feminino, buscando simbologias em elementos
narrativos e sensoriais. Foi a maneira que encontrei de descrever a
sensibilidade e a alma feminina, e talvez mostrar um ponto de vista pessoal
sobre ela.
3. É um filme experimental ?
Existe
muita experimentação no processo criativo deste filme. Por ser meu primeiro
longa, eu queria ter a liberdade de criar e experimentar um formato menos comum
e usual do que em outros filmes. Os diálogos são sugeridos, a narrativa
acompanha as personagens, mas não afirma, apenas aponta o caminho.
Foi esta a
dinâmica de trabalho com a fotografia, o desenho de som, na montagem, na
direção de elenco. Em todos os processos tentei esticar e testar o limite da
linguagem. Dilatamos o tempo, a luz, o espaço, a estrada.
Mas não
acho que tenha feito um filme experimental. Acho que experimentei, como podia,
a linguagem cinematográfica. A realização de PARA TER ONDE IR foi talvez uma
das maiores aulas de cinema que tive.
Tenho
consciência que fizemos um filme para poucos, para uma plateia experimentada e
curiosa. Pois eu acredito que o cinema, e as artes em geral, deve deslocar o
público de seu lugar do conforto, para lhe trazer ao lugar de outra vivência.
Acho que a arte tem esse poder. Espero que o filme consiga instigar algumas
pessoas nesta sua linguagem incerta.
Percebo
agora que este filme fecha um ciclo de experimentações para abrir um outro
diferente, ainda não sei exatamente em que. Estou
buscando o caminho.
Mas será
tudo novo. De novo.
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