terça-feira, 18 de abril de 2017

JORANE CASTRO : O DESAFIO DA LINGUAGEM


A cineasta paraense, Jorane Castro, em momento de trabalho 

O primeiro longa-metragem de ficção da premiada diretora paraense, Jorane Castro, “Para Ter Onde Ir” penetra fundo na alma feminina e esboça uma proposta de ruptura com o lugar comum da narrativa do cinema.
Instigante, e ao assistir ao filme considerei impactante as imagens ao observar que as pessoas ao meu redor esperavam uma narrativa “certinha” nos moldes da linha acadêmica tradicional de cinema.
Como a cada filme de Jorane ela surpreende apresentei-lhe três questões para que ela me respondesse. Esta entrevista diz muito do que é possível esperar de seu mais  recente filme.


1. Sobre o tom, a narrativa cinematográfica

Na verdade, o que eu queria era contar a história entrelaçada destas três mulheres, de uma forma onde a narrativa se espelhasse numa linguagem cotidiana, e onde a narração não fosse construída de forma imposta pelo formato do filme, mas sim através uma abordagem sensorial. Por isso não explicamos tudo.

A mise-en-scène neste filme é uma narrativa com uma construção transpassado pelo sentimento das personagens, suas motivações, seus desejos e suas angustias. Não é um filme de causa e efeito, com protagonista e antagonista, com final fechado.

Por isso talvez ele exija muito mais que o habitual da espectadora ou do espectador, que deverá se projetar na história para fechar as lacunas que deixamos abertas. Nesses vazios é que convido o público a se descobrir dentro da história e se fundir ao filme. Na paisagem, nos planos longos, nas frases soltas ditas ao acaso pelas personagens. PARA TER ONDE IR propõe esse desafio.

2. O cenário e o feminino

Vivemos um momento onde se questiona muito o lugar da mulher na sociedade e também na tela de cinema. Fala-se muito do Teste de Bechdel , no qual PARA TER ONDE IR é aprovado com louvor. Mas este não é um filme provocado por um modismo qualquer.

Este filme, assim como minhas ficções anteriores, tem como tema principal o universo feminino. Construí isso em As Mulheres Choradeiras, Ribeirinhos do Asfalto e até mesmo em Quando a chuva chegar.  Ou seja, eu vejo esse meu primeiro longa como uma continuação desta trajetória que comecei sempre com protagonistas mulheres, empoderadas e donas de seus destinos.

Mas neste filme, eu penso que vou mais profundo no universo feminino, com a tentativa de transpor na tela o próprio feminino, buscando simbologias em elementos narrativos e sensoriais. Foi a maneira que encontrei de descrever a sensibilidade e a alma feminina, e talvez mostrar um ponto de vista pessoal sobre ela.

3. É um filme experimental ?

Existe muita experimentação no processo criativo deste filme. Por ser meu primeiro longa, eu queria ter a liberdade de criar e experimentar um formato menos comum e usual do que em outros filmes. Os diálogos são sugeridos, a narrativa acompanha as personagens, mas não afirma, apenas aponta o caminho.

Foi esta a dinâmica de trabalho com a fotografia, o desenho de som, na montagem, na direção de elenco. Em todos os processos tentei esticar e testar o limite da linguagem. Dilatamos o tempo, a luz, o espaço, a estrada.

Mas não acho que tenha feito um filme experimental. Acho que experimentei, como podia, a linguagem cinematográfica. A realização de PARA TER ONDE IR foi talvez uma das maiores aulas de cinema que tive.

Tenho consciência que fizemos um filme para poucos, para uma plateia experimentada e curiosa. Pois eu acredito que o cinema, e as artes em geral, deve deslocar o público de seu lugar do conforto, para lhe trazer ao lugar de outra vivência. Acho que a arte tem esse poder. Espero que o filme consiga instigar algumas pessoas nesta sua linguagem incerta.

Percebo agora que este filme fecha um ciclo de experimentações para abrir um outro diferente, ainda não sei exatamente em que. Estou buscando o caminho.

Mas será tudo novo. De novo.

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