terça-feira, 18 de abril de 2017

PARA TER ONDE IR - O CINEMA DE JORANE CASTRO

 Lorena Lobato (de O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia), interpreta Eva, a prática de embarcações.


         Caminhos paralelos e divergentes. Noção do tudo ou do nada. Vida e amor. Tensão, dor e incertezas. Desejos, sempre desejos. Busca para além do pragmático.
Nesse tom se desenvolve o tema do mais recente filme da cineasta paraense Jorane Castro, o longa metragem “Para ter Onde Ir” (Brasil, 2016), lançado no FestRio 2016 e ainda não programado para exibição comercial. Assisti ao filme em uma cópia DVD e confesso que me senti compromissada em registrar minhas impressões sobre ele (tempo exíguo para o registro sobre os filmes no blog). Se as imagens tradicionais em caminhos clássicos do cinema repercutem ideias que afetam a perspectiva de quem já avançou alguns degraus na escalada das mudanças sobre a situação feminina, o que será percebido no filme de Jorane é um salto tanto na construção narrativa quanto no foco de imagens de mulheres “desenquadradas” dos padrões reconhecidos.
O argumento trata de três mulheres que seguem juntas em uma viagem de carro, para algum lugar, na busca de alguma coisa. Elas partem de um cenário urbano para outro que vai se adensando em meio à natureza bruta e, pelos diálogos entre elas, ao longo do percurso, vão sendo percebidas formas diferenciadas de viver a vida, de entender o amor, de buscar o reconhecimento de si próprias. O centro definidor da parceria entre elas é a amizade. Eva está no comando. Melina analisa os parâmetros de sua relação com um namorado e se julga descompromissada. Keithylennye sente-se ansiosa por ter deixado a filhinha com a avó. É nesse percurso que as três seguem em frente. O caminho é longo, às vezes com obstáculos, quase sempre precisam de paciência para seguir em frente. Onde ir ? Se cada uma espera se reencontrar há sempre um motivo para a busca de sentido na viagem. Mas há sempre incertezas em cada ponto de encontro ou de reencontro. E como fica a busca pela ilha que só aparece uma vez por ano?
O filme não tem concessão nem remete à narrativa clássica de definir o perfil de personagens. Assim, só aos poucos, ao longo da viagem, vai sendo apresentado certo reconhecimento sobre elas. Tomada marcante, na primeira sequencia, é a figura de Eva, de pé, de costas, na embarcação na qual é a prática, cujo motor faz vibrar a imagem e repercute o som ambiente. Imagem muito forte, singrando as águas, como se comandasse tudo. Dai em diante, dirigindo o carro, ela conduz as duas amigas. Nesse micromundo, as três mulheres esboçam suas ideias, as maneiras de enfrentar as situações que vivenciam em seus relacionamentos, percorrendo caminhos onde o mato e os buracos criam obstáculos para avançar. Mas é nesse entorno que se produzem as incertezas sobre onde vão chegar e o que encontrar. A culpa sobre Eva que esperava ajudar uma pessoa no caminho, e por isso seu carro atola destruindo uma peça, se associa às angústias de Keithylennye com as informações que recebe pelo celular por ter deixado a filha que chora por sentir sua falta, essas situações apontam uma sucessão de momentos-chave que o roteiro explora como reflexo dos dilemas dessas mulheres que convivem em dimensões variadas. É o psicológico, é o afetivo, é o lógico operando na esperteza de procurar sair dessas situações da forma que sabem e/ou inventando o lúdico para matar o tempo de espera.
A chegada à praia, o lugar onde ficar, a busca por pessoas e/ou o encontro delas num novo cenário recoberto pela magia da natureza – a areia branca, a proximidade entre o mar e a mata, casas quase vazias - esboçado na estrutura do roteiro, transformam-se em subtramas envolvendo a emoção, a persuasão da atitude de alguém amado, a proposta de redução do drama de eventos já vividos. Esboça-se, no fundo, a opção da diretora em evidenciar a não-condição de ser mulher, mas a reinvenção destas ao se depararem com situações obscuras. Ou não.
O roteiro tem a estrutura de um filme de estrada, um ritmo compassado, lento em certas sequencia e mais dinâmico quando chegam à praia. Há uma sequencia de forma surrealista que indica um caminho paralelo não confirmado. Também o encontro de Eva com o filho, músico em uma barraca de praia, que foge do esquema dramático tradicional e não atua no seguido encontro das personagens perto das ondas onde parece rimar a ideia da “ilha encantada” que se substancia na metáfora de se achar um recanto paradisíaco e que, até por ser isso, restrito a um período no calendário da vida. Todo esse processo, com a escolha de planos e sequencias que fogem à uma narrativa acadêmica, contribui para a quebra de um certo ritmo que pode ser esperado pelo público que frequenta cinema comercial, mas se inscreve nos efeitos de uma experimentação de linguagem que a diretora está produzindo. É um caminho. Espero que a Jorane se mantenha nessa mudança de olhar o cinema e as personagens femininas e se dê conta que há muito a fazer. Pelos dois.


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