quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A VIRGEM MARGARIDA (2013)


Margarida, a virgem camponesa "sob fogo cerrado" nos campos de reeducação moçambicano em 1975. Poder e violência. 

O filme do realizador brasileiro Licínio Azevedo (diretor e roteirista) radicado em Moçambique desde 1975, tem base em acontecimentos reais.
Trata da pós-independência naquele país quando inicia-se o outro lado da revolução, a cultural, que define os meios de estabelecer a mudança de hábitos no cenário do conflito dos restos dos 500 anos da colonização portuguesa.
O governo da Frelimo (Frente de Libertação Moçambicana) iniciou a reeducação de milhares do que chamam de “anti-sociais”, de dissidentes intelectuais, jeovás, homossexuais, criminosos, mães solteiras e prostitutas, procurando lugares distantes em pleno mato, para essa ação. Muitos sucumbiram pelos maus tratos e os que fugiram foram mortos pelos ex-guerrilheiros.  Somente em 1981, o então Presidente Samora Machel suspende esse processo dito de reeducação.
O diretor Licínio Azevedo capta um desses “guetos reeducativos” ocorrendo em 1975 com as prostitutas que são tiradas das ruas na limpeza dos bordeis da capital, Maputo, sendo levadas para o norte de país, aos antigos espaços da guerrilha. Entre estas incluíram por engano uma jovem camponesa, Margarida, virgem, que nada tem a ver com aquele “banho educativo”.
A narrativa ficcional mescla aspectos documentais e explora a forma de tratamento aplicada às muitas mulheres que são levadas pelos caminhões até certa parte da estrada e em seguida são obrigadas a varar o matagal em busca do lugar que lhes fora definido pelos líderes da independências, as milícias militares incluindo-se mulheres nesses batalhões. E estas é que ficam “educando” as prostitutas, segundo a nova filosofia, “para serem donas de casa, casarem, ter filhos”, além dos outros aspectos cujos princípios são ditados pelos militares no poder.
Em entrevista sobre as personagens e a situação diz Licinio Azevedo:
Em cada personagem misturo várias que conheci, a Rosa surgiu-me a partir de uma entrevistada. Era rebelde e muito forte, bem mais marginal e menos lúcida. A Rosa do filme é anarquista, põe em causa a autoridade, mostra o ridículo da disciplina militar. Ao longo do processo é ela que adquire mais consciência de classe, transforma-se numa revolucionária esperta. Não sei o que poderia acontecer-lhe depois do filme, mas com certeza não voltaria à prostituição.”
Em alguns momentos o desempenho de algumas personagens mostra-se forçado, como a da comandante militar. Mas o filme vai ao que objetiva: mostra o tratamento interrelacional entre o grupo de mulheres na educação e as que as submetem, além do sexismo dos líderes da independência que mantém a cultura do estupro e da sedução sobre estas mulheres.
O filme deve ser assistido. Por todas e todos nós que almejamos um tipo de regime democrático que não ouse estourar nas amarras tradicionais de uma educação patriarcal, mesmo que a independência de 500 anos seja uma motivação política das mais válidas para a luta pela liberdade.
Todas/os lá no cine gênero (hoje, 28, às14h, no auditório do IFCH/Campus UFPA) Promoção GEPEM/UFPA


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