terça-feira, 24 de outubro de 2023

GIGI, O MUSICAL DA METRO, 1958



Fazendo um giro pelos antigas comédias musicais da MGM temos assistido cópias de clássicos de nossa videoteca, como: “Corações Enamorados” (1954, de Gordon Douglas), “Cantando na Chuva” (1952, de Gene Kelly e Stanley Donen), “A Roda da Fortuna” (1954, Vincent Minelli), “Meias de Seda” (1957, de Rouben Mamoulian), com as canções, danças  e coreografias admiráveis de Fred Astaire, Gene Kelly, Cid Charisse, Leslie Caron, Donald O’Connor, Debbie Reynolds e outras e outros que movimentavam as telas nesse período, meados e final da década de 1950.

Recentemente foi a vez de assistir “Gigi” (1958), de Vincent Minnelli baseado na novela homônima de 1944, de Colette (1873-1954), protagonizado por Leslie Caron, Maurice Chevalier, Louis Jourdan, Eva Gabor e outras/os. Com produção de Arthur Freed. Esse filme é muito amado pela nossa família e hoje, acho que vou ser persona non grata para elas/eles por uma avaliação que extrai do que assisti pela enésima vez, mas somente agora revi com um olhar diferente.

Em 1959, “Gigi” foi vencedor de nove estatuetas do Oscar entre as principais categorias às quais concorreu, e, também, do Globo de Ouro, dos Críticos de Cinema de NY, do David de Donatello e outros prêmios.

A primeira sequência articula-se com o olhar e a declaração de Honoré Lachaille (Maurice Chevalier) monologando para a câmera à vista da avenida principal de Paris onde as carruagens e lindas mulheres e seus pares passeiam. Ao cantar “Thank Heaven for Little Girls” (Graças aos Céus, pelas menininhas) esboça a sua opinião de um homem da alta classe social sobre as mulheres na Belle Époque, na virada do século XX, com os homens “caçando” as mulheres para mostrar o poder da riqueza e de sua virilidade. Estas se submetem aos cavalheiros que a presenteiam - e, na opinião do velho senhor, um caçador inveterado - elas não querem casar porque esta situação não lhes dá a liberdade de viver como querem. O sobrinho, Gaston (Louis Jourdan), também um “bom vivant”, se apaixona por uma garota sua conhecida, então adolescente e mais adiante, jovem, Gigi (Leslie Caron) e procura afastar-se da lâmina das fofocas sociais sobre ser um homem frívolo naquele ambiente. Mas não deixa de cruzar com os ensinamentos do tio Honoré (Maurice Chevalier) que lhe oferece todas as facilidades de mostrar como se trata uma mulher.

Gigi obedece, ingenuamente, os conselhos de suas tias que a ensinam a ter uma postura glamourosa, saber servir, escolher joias, comer, acender o charuto do parceiro, aprendendo para o futuro a conviver com os homens que circulam nos clubes, o happy end das garotas de sua classe social, que devem ser desejadas e converter esses desejos em conquistas, sem que haja casamento. Nesse aspecto, a prostituição é tratada como uma profissão nobre, passando de geração em geração, conforme a história da personagem e suas tias.

A argumentação de Gaston para Gigi considera a amizade entre eles, o tempo de conhecimento familiar, contudo, a arte de bem viver da garota já está armada pelas tias. Não pela avó Mamita (Hermione Gingold).

Na outra ponta, o velho tio Honoré tende a criar o formato do modelo masculino que o sobrinho Gaston deve seguir com as mulheres, inclusive o tratamento agressivo às namoradas, com predomínio da violência moral. E se alguma delas optar pelo aparente suicídio é triunfo masculino.

O enredo constrói uma suposta “história de amor” quando, na verdade, criam-se elementos para identificar a pedofilia e a prostituição infantil, numa perspectiva de normalidade e marcada pelas belíssimas melodias e pelo fausto da produção. Cenários magníficos, obedecem a uma direção de arte enriquecida com a qualidade dos figurinos, fotografia exemplar em locação onde se dá o desempenho da iluminação com destaque, a exemplo, da recriação do restaurante “Maxim’s, o espaço em que a nova e a velha geração de homens ricos apresentam as suas conquistas femininas. Nesse ambiente há sequências “congeladas”, fixas, apresentando figuras que chegam ou que saem do salão, quando alguma fofoca entra em cena.

O diretor Vincent Minelli e sua mágica em criar narrativas dialógicas com elementos cativantes interage entre os recortes dos vários percursos da vivência das personagens. E o musical deixa o rastro da suntuosidade e do apelo à simpatia do público.

No momento em que avaliei essa perspectiva do filme de Vincent Minelli, captando essas insinuações sobre machismo, procurei ler as características da literatura de Colette e num dos posts há o registro: “Colette conhecia a literatura decadente do final do século, quase sempre masculina e exacerbada, mas era uma criadora com um mundo próprio e uma visão ajustada do mundo emocional das mulheres.”

“Gigi” é uma novela e toda ela narrada em diálogos entre os personagens. Li o texto e percebi que é o mesmo usado na estrutura narrativa do filme de Minelli.

O diálogo final entre Gaston e Mamita revelam um acordo diferente daquele que obriga Gigi ser a cortesã do Maxins’s, no pedido de casamento que este faz à amiga. Pergunto: essa atitude tende a salvar a exposição machista do filme? Com a palavra as/os que já assistiram “Gigi”.

Continuo a gostar do filme, aplicando as críticas que me levam a avaliar o lado moral que expressa a argumentação machista. (Luzia Álvares)

 


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