quarta-feira, 6 de abril de 2011

AS MÃOS DO CHICO



O cinema tem criado sua linguagem para abordar qualquer assunto. O modo como faz e que tem a essência criativa dos realizadores é que é a questão. O estudo da narrativa sequenciada através da história da técnica e da linguagem que surge a partir dela desde o “primeiro cinema” (século XIX) é que dá consistência ao que é possivel avaliar em termos de como têm sido aproveitados os elementos dessa linguagem para expor as temáticas.


A “Vida de Cristo” assinada por Ferdinand Zecca em 1902 mostra que sete anos após a primeira sessão de cinema no Gran Café de Paris (1895) expor uma página da história do cristianismo daria um grande texto informativo e agregaria platéias. Não sei a contabilidade dos espectadores desse tempo, mas é possivel que a turma que frequentava as “feiras de atrações”, geralmente as pessoas do povo, tivesse acorrido para assistí-lo. E, secularmente, esse filme tem sido exibido mostrando não mais um tema, mas a estética clássica da narrativa que o compõe. Com não crio absolutismos vejo que há também as pessoas que assistem ao filme por devoção, respaldadas na certeza de que estão mantendo o ritual cristão identificado com os múltiplos detalhes da Semana Santa.


O preâmbulo quer tratar do mais recente filme sobre Chico Xavier, “As Mães de Chico Xavier” (Brasil, 2011, 108min.). O direito de explorar a temática está regido pela liberdade de expressão. As idelogias religiosas podem converter suas idéias em planos mais massivos de informação para abranger mais pessoas utilizando as midias as quais têm acesso. Contar a história da paixão de Cristo como a de Chico Xavier trança-se por esses planos. Para convencer? Para fazer adeptos? Ou simplesmente para informar sobre enredos?


Os espíritas brasileiros se propuzeram a homenagear o médium Chico Xavier através da produção de três filmes sobre ele. Conhecido mundialmente pelo modo de viver essa doutrina que também foi considerada, por Allan Kardek, filosofia e ciência (pela própria dinâmica do nascimento das ciências humanas e sua metotologia empírica no momento em que emergia na Europa), os filmes – “Chico Xavier” (2009) e “Nosso Lar” (2010) – converteram-se em grandes bilheterias no país. Evidenciam recortes da vida desse médium e de uma obra psicografada por ele com base no que a doutrina tem como marcante: “o outro lado da vida”. A cenarização do segundo e agora de um terceiro titulo (“As Mães de Chico Xavier”) seguiram o que muitas outras produções têm realizado. Por exemplo, ao avaliar a comédia inglesa de Michael Powell, “Neste Mundo e no Outro” (Inglaterra, 1946) vê-se que a ambientação é configurada na base da ideologia católica cuja trama expressa um modo de ser entre tipos que aludem ao céu para garantir a hora da morte de uma pessoa que deixou de morrer no tempo previsto.


O primeiro filme sobre Chico Xavier é uma cinebiografia do médium, de autoria de um jornalista e realizada no cinema por um diretor que se diz ateu(Daniel Filho). Ele criou uma dinâmica interessante para mostrar recortes da vida do personagem e conseguiu despojar, de certa forma, a relação entre o que poderia ser “doutrinação” do enfoque biográfico.


No caso deste “As Mães ....” é a adaptação das três histórias sobre o sentimento materno da perda dos filhos e a busca de explicações sobre como aclimatar-se a essa ausência A partir das cartas psicografadas por Chico, a narrativa peca pelo esquematismo avançando para o sentimentalismo de tantas produções romantizadas que padecem da falta de uma melhor forma de explorar um roteiro. Se este roteiro aponta para as investigações jornalísticas como meio de o filme conectar as três histórias objetivadas, criando ambiências sobre o fenômeno mediúnico, este elemento se perde no meio do caminho quando o personagem-reporter de Caio Blat se envolve com a namorada de seu amigo e no final se torna platéia da “Casa da Benção”, inclusive recebendo os favores mediúnicos do Chico.


Quanto aos atores, salvo Nelson Xavier e Herson Capri, os demais padecem de excessos para expressar o drama. Talvez tenha sido essa a expectativa do diretor para que a atuação fosse à base de um apelo sentimental, mas esse efeito não beneficiou o trabalho.


O filme é baseado no livro Por Trás do Véu de Ísis, de Marcel Souto Maior e dirigido por Glauber Filho com roteiro deste e de Halder Gomes. As mãos do Chico não cobriram bem a cabeça dos realizadores.

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