Os nossos rios e matas, as canoas que cortam essa vias de acesso, o povo que vive na margem com a simplicidade modulando sua rotina, tudo é fotogênico e ganha o foro de poesia. Esse cenário já foi visto em diversos filmes nacionais e estrangeiros, longos ou curtos. E volta às nossas telas, grandes e pequenas, em “Ribeirinhos do Asfalto” o novo trabalho da Jorame (Jorane Castro que eu vi crescer apaixonando-se pelo cinema). O curta trata de Daisy (Ana Leticia Cardoso), garota que mora na Ilha do Combu, desejosa de estudar na cidade grande (Belém). O pai se opõe. Mas a mãe (Dira Paes) acompanha a menina numa viagem de barco à capital do Estado, pensando em se abrigar na casa de uma parenta moradora do bairro da Cidade Nova. Desconhecendo a cidade, passam pelo Ver o Peso, tomam um ônibus que não as transporta para o destino objetivado, caminham com a indicação de outrem até a casa que procuram. Mas ainda aí há problemas e o final dessa aventura dos ribeirinhos no asfalto supõe-se reticente (e assim foi achado no Festival de Gramado), mas revela, sem delongas, a força da cabocla paraense, da mãe que não esmorece e vai contra o conformismo do marido, oferecendo à filha a oportunidade do que lhe parece uma vida melhor através da instrução.
Essa jornada iniciada desde a casa dos pequenos agricultores em Combu, demonstra a luta de uma familia, constantes as variáveis apresentadas ( precariedade de sobrevivência, aspirações pela melhoria de vida na cidade grande) e ainda hoje se determinam através desses anseios em busca de apresentar aos filhos/as uma suposta “vida melhor”. Aspirações “casadas” ( de mãe e filha, no caso) criam estratégias para supor que um “novo destino” será traçado com essa iniciativa. E é isso o que o pessoal de Gramado não deve ter reconhecido ao confundir o final do filme de Jorane como de reticências. É que a diretora não dá final nenhum para que se reconheça que houve happy ou bad end.
Quem já analisou esses casos reais no Pará e já leu certos finais de histórias em que essas tramas são articuladas como a definição da vida escolar e o “progresso” para essas crianças ribeirinhas (ou não) trazidas para “estudar na casa de parentes ou “dadas” para famílias em troca de a garota (principalmente) frequentar a escola e realizar pequenos serviços caseiros, reconhece que a prática será bem diferente do sonho das familias interioranas crentes numa mudança para o sucesso dos filhos e filhas. Temos casos concretos de onde foram parar essas meninas e/ou que tratamento recebem na “casa dos outros”. Senti, através das imagens do filme, os dramas que conhecemos através da imprensa. Como da garota Marielma Silva, 11 anos, babá numa casa de família em troca de “estudos”, em Belém, e morreu de espancamentos e até estupros sofreu. Como a de outra que denunciou o tratamento de certo parlamentar hoje com prisão preventiva ou sei lá como está esse caso.
Assim, o importante foi Jorane deixar aberto o final dessa história, uma aventura a mais dos que, como os ribeirinhos, carecem de ter cidadania digna pelo menos nos estudos.
Dira está excelente como a “mãe coragem” deste filme que apesar de pequeno diz muito do papel da mulher em uma sociedade e tempo. E Ana Letícia, que faz teatro, convence plenamente nas sequencias & planos que lhe pedem expressões bem especificas.
No filme também está a Belém de alguns espaços já mostrados nas telas, e outros inéditos. A Cidade Nova, a garagem dos ônibus, um espaço que realmente é uma Belém que se estende, saindo dos limites explorados por gravações dramáticas ou turísticas, isso tudo chega sem desviar o enfoque da ficção dramática. E as falas são econômicas, mas precisas. Não há nada discursivo a apontar agruras num relacionamento, mas tensão sobre certa maneira de olhar o progresso de um filho ou filha que não encontra mais nada no lugar onde moram. Fala-se o bastante com as imagens jogadas com a necessária síntese que pede um filme de poucos minutos.
Sinceramente gostei de “Ribeirinhos do Asfalto”. Não esgota, obviamente, um assunto que pede densidade desde a sua origem sócio-geográfica. Mas é um caminho para se alcançar, num longa-metragem, essa pintura do povo que vive na margem (e à margem) dos rios/igarapés. Mostra que esse povo tem seus sonhos e não aceita reproduzir a vida que leva aos filhos/as que gera. Trata-se de um horizonte ampliado, pois, assim como os ribeirinhos paraenses aspiram afastar-se de uma vida precária onde o celeiro da natureza lhes dá o suficiente para negociar o passadio (o cultivo de plantas, o açai, o pescado), os moradores de outras regiões, a exemplo, os nordestinos, também têm a antevisão de uma melhoria de vida ao sair da caatinga nem que seja para a periferia das grandes cidades.
“Ribeirinhos...”ganhou em Gramado os prêmios de atriz (Dira Paes) e direção de arte (Rui Santa-Helena). Um gol do cinema paraense.
Oi, Luzia, parabens pelo blog. " Ribeirinhos de asfalto" lembra muitos de nos, nao? Um abraco
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