quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O PALHAÇO E A IDENTIDADE









O segundo filme de Selton Mello, um dos melhores atores do cinema brasileiro atual (o primeiro foi o denso “Feliz Natal”, uma experiência dramática com a preponderância de closes) é este “O Palhaço” (Brasil/2011) que está nas telas nacionais. Uma proposta muito diferente da estréia de Mello como diretor. Enfoca o circo mambembe, aquele que percorria (não sei se ainda faz) as cidades do interior do Brasil, resguardando a pobreza de recursos em números como o de palhaços. Mas como pano de fundo para uma discussão muito mais centrada na relação pai e filho, na afetividade, num trabalho prazeroso.

Sou testemunha bem próxima dos circos de pequeno porte. Em meu município natal, Abaetetuba, chegava esse tipo de espetáculo popular, alguns sem leões, até mesmo sem trapezistas afoitos, mas com uma característica que o consagrava: a encenação de dramas. Não era só uma arena onde os palhaços contracenavam entre si e tendiam, também, a dramatizar, mas expunham suas máscaras e rolavam no chão. Artistas que não chegaram aos palcos citadinos viviam personagens trágicas em grandes performances, extraindo o choro dos/as espectadores/as. Lembro que essa característica levava a uma analogia com o que representava Charles Chaplin no cinema: no circo se expandiam sorrisos e lágrimas. Outra tendência é que eram empresas familiares.

O roteiro de “O Palhaço”, do próprio Selton Mello, simplifica o circo de menor porte. Evidencia mais os palhaços. O interesse é direcionado para os dois “clowns”, um exemplo da família circense: o pai, Valdemar (Puro Sangue) e o filho, Benjamin (Pangaré). Eles fazem a festa e repetem-se num arremedo de vida que está longe de ser as suas próprias até que Benjamin se conscientize de que está farto daquilo. Pega estrada na busca de nova profissão. E encontra um resumo da inutilidade da procura, numa fala de um personagem encontrado no meio do caminho, (Jackson Antunes): a história de um homem que deixou o seu meio de sustento por outro e conscientizou-se de que estava bem melhor no que sabia fazer. Nessa jornada pela nova identidade de Benjamim, a narrativa ganha foros de “road movie” e deixa ver o cenário interiorano como alguns tipos peculiares.

Mas “O Palhaço” tem outras perspectivas. O filme não corresponde a uma identidade tragicômica, explora uma produção pobre e o aspecto quase amadorístico do circo em foco. Na verdade não se vê um circo nos moldes de uma fórmula-padrão. O nome Esperança serve de metáfora para o idealismo dos dois principais personagens. Poderia ficar com pai e filho em qualquer outro espaço, como no teatro que Fellini focalizou em “Mulheres e Luzes”. Lembro Fellini, pois esse tipo, “palhaço” era uma constante na obra do mestre italiano. E o filme de Selton Mello não tende a realçar a comicidade teatralizada num cenário realista. A fórmula felliniana não é (nem poderia ser) a de Selton Melo, pois o que ele pretende não é só mostrar o circo, mas a relação pai-filho numa profissão que, se antes os unia, aos poucos se revela muito tensa para o filho que, ao que supõe, não tem a mesma “vocação” paterna. Nesse aspecto, percebi um eixo interessante que poderia ter sido mais trabalhado.

Embora considere que eu tinha mais expectativas sobre o filme há outros motivos para se aplaudir: o desempenho do próprio Selton. O seu Pangaré convence. A fala ligeira, o ar apatetado, o modo de andar (e sumir de gatinho atrás do picadeiro) tudo é bem colocado na constituição do tipo. Até mesmo quando ele segue estrada afora atrás de nova atividade como uma busca de identidade e/ou para resolver algumas questões pessoais pendentes (a descoberta do interesse de uma garota de outra cidade, por ele, e o sonho de possuir um ventilador, neste caso, uma metáfora quando retorna aos “bons ventos” do picadeiro). O ar ingênuo diz bem do “peixe fora d’água” (cf. a cena em que está entre seus colegas do comércio). A seqüência em que evidencia o tipo vivido por Moacyr Franco funciona a partir do nome dele (“Delegado Justo”). São muitas idéias, mas, a meu ver, necessita, principalmente, de ritmo e disposição de penetrar fundo no eixo que a mim me pareceu central: o tema da continuidade de uma empresa familiar pela sintonia entre gerações.

É bom ver “O Palhaço” com outros olhos do esperado sobre o circo mambenbe. Merece.

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