segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O PREÇO DO AMANHÃ


Os franceses costumam dizer “le temp est d’argent”(o tempo é dinheiro). No filme “O Preço do Amanhã”(In Time/EUA,2011) o roteirista-diretor Andrew Niccol – de “O Senhor das Armas” (2005), “Simone” (2002), “Gattaca” (1997) e autor do argumento e roteiro de “O Show de Truman”(1998) – mostra uma sociedade no futuro em que a moeda é substituída por frações de tempo. Quem pode, compra até mais de um século. Os pobres se contentam com dias ou horas que adquirem como salário ou simplesmente mendigam. Nesse quadro coloca-se uma trama de Romeu e Julieta ou de muitos contos dos Grimm ou Perrault: Will Salas (Justin Timberlake) perde a mãe por falta de tempo comprado, mas ganha de um milionário que se desgosta de viver a imortalidade (mais de 100 anos) uma considerável soma de anos. Ele se apaixona por Sylvia Weis (Amanda Seyfried), filha do riquíssimo Raymond Leon (Cillian Murphy). Seqüestrando-a ele vê uma forma de chegar ao cofre paterno e com o tempo guardado distribuir essa fortuna aos que precisam viver mais. Uma atitude de Robin Hood que para dar certo precisa de uma agilidade física digna dos melhores “thriller” de Hollywood.

A idéia de Niccol não explica como começou esta distribuição de renda-tempo. Qual seria a matéria de troca que enriqueceu alguns e deixou tantos na miséria ? Comenta-se no filme sobre um controle populacional com a morte de quem “não merece tempo para viver”. Essa qualidade de jogar metáfora em plano real é não só excêntrica como denunciadora de forma mais veemente sobre uma proposta socialista a derrubar cânones do sistema capitalista. Um processo bem comum no cinema americano que está sempre em guarida nas platéias (até porque a massa que paga cinema não é rica).

Com narrativa dinâmica, muitas vezes esvaziando o potencial do argumento para melhor vender o produto (sistema que enfraqueceu filmes primitivamente densos como “A Origem”), “O Preço do Amanhã” é muito divertido, desses filmes que se vê sem piscar embora se peça algumas explicações do enredo.

Imagino o que uma historia dessas renderia nas mãos de cineastas-autores, desses que surgem em festivais e não se preocupam com o que a sua idéia possa faturar nos cinemas e TV. Certamente daria o bastante para “fundir cabeças” e levantar palmas. Por outro lado, é uma característica do cineasta trabalhar com enredos originais como fazem bons autores de ficção-cientifica, a exemplo de Richard Matheson ou Ray Bradbury. No seu “Gattaca” ele demonstrou um modo de formar uma sociedade “purificada” pela escolha dos genes, deixando-se formar fetos sem nenhum defeito físico (uma idéia que andou sendo pesquisada pelos cientistas contratados pelos nazistas). Em “O Show de Truman” criticou os programas de TV da espécie dos “Big Brothers” & adjacentes idealizando um tipo a ser educado num mundo fictício, moldado nos estúdios. E em “Simone” concebeu uma “estrela” de cinema produzida digitalmente por um cineasta amargurado com incompreensões da indústria. Sempre uma idéia instigante à maneira de poucos de outros colegas (como Charlie Kaufmann e Spize Jonze de “Quero ser John Malkovich”,1999, e “Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças”, 2004). Só por isso já vale assistir a essa cobiça temporária.

Aos que têm ao menos uma pequena iniciação aos estudos sobre a análise da economia política marxiana, o filme está equivalente ao que as teorias demonstram em torno dos processos de formação da moeda de troca, da criação da mais-valia pela exploração da mão de obra, a circulação, troca e distribuição do produto em que o D1 e o D2 se inscrevem como os planos evidentes de um sistema extremamente desumano de captação do capital.

Sem dúvida, cada detalhe da formação da riqueza e concentração do capital está definido pelo produto tempo que é a moeda de troca originária. Assim, a “morte” e a “não-morte” regulam a situação das classes sociais que se formam, definindo o espaço social de cada um e os “fiscalizadores” de uma classe explorada para sugar-lhes o maior bem que é a vida. A mercadoria/produto serve também à formação dos marginais que acorrem para criar políticas de extração fraudulenta quando dela se apoderam. Poder, riqueza, usura, exploração são os tópicos centrais das idéias que Niccol desdobrou em mais um filme que espera contestar o sistema de exploração humana. Vale a pena confirmar.

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