Tilda Swinton em "Precisamos falar sobre Kevin".
A primeira imagem que surge na
tela é a de uma cortina branca. A câmera aproxima-se lentamente até que a
cortina se abre. O que se vê é uma multidão se comprimindo não se sabe em que
tempo ou espaço. Logo surge uma mulher salpicada de vermelho (tinta? sangue?).
Em seguida vê-se Eva (Tilda Swinton) despertando. Focalizam-se os seus pés
descalços que pisam no chão. Nesse momento ela deixa cair algumas capsulas
brancas. Encaminhando-se para a porta da casa ela abre e vê que picharam as
paredes de vermelho. O enfoque seguinte é de um “travelling” da porta onde está
a menina Celia (Ashley Gerasimovich ) que ao se virar em direção à câmera
mostra uma venda no olho.
A arquitetura desse inicio diz
bem do cuidado artesanal de “Precisamos Falar sobre Kevin” (We Need to Talk
About Kevin/EUA 2011), de Lynne Ramsay. A pretensão é dimensionar o relacionamento tempestuoso de
mãe (Eva) com o filho Kevin/Ezra Miller. O contexto repousa nesse
relacionamento. Afinal, quem é Kevin desde a infância, garoto de classe média
criado com desvelo pelos pais, especialmente pela mãe, evidenciando rebeldia, sujando
propositamente de fezes a cadeira quando a mãe lhe ensina fazer contas, depois,
um adolescente que suga o cabelo da irmã com aspirador de pó e daí parte para
atitudes extremas de violência? Nas primeiras imagens sabe-se que a mãe está
deprimida, que toma remédios e exprime dor. Quando se vê a filha menor, a venda
em um dos olhos quer dizer algum acidente. E nesses planos, as cores que
começam no branco da cortina passam ao vermelho que antes de se ver a casa
pichada é percebido em restos de comida diante do foco quando câmera e
personagem encaminham-se para a porta de entrada da residência.
Eva lava o rosto e a cena
seguinte é do marido, Franklin (John C.Reilly) dançando com a pequena Celia.
Daí em diante a narrativa é atemporal, e vê-se Eva procurando emprego,
escrevendo ao marido registrando saudades dele (sem que se saiba logo para onde
ele foi), sendo esbofeteada por uma pessoa que passa e antes fala com ela, e
outra vez com o marido em um período feliz.
Poucos filmes possuem uma
pesquisa de linguagem como a que se vê neste trabalho da escocesa Lynne Ramsay
de 42 anos. É o seu terceiro longa-metragem e o primeiro que chega até nós.
Certamente influenciado pelos 16 prêmios que recebeu, inclusive da critica
européia, além de candidaturas ao Globo de Ouro e ao Festival de Cannes.
A complexidade do tema ganha
correspondência na forma como é tratada. Mas a constante inclusão de
flash-backs não impede que se acompanhe com certa emoção o drama do garoto
rebelde e da mãe que se amedronta diante de seu temperamento e das suas
atitudes. Apesar de não ser tratado em primeira pessoa, o filme pousa no papel
de Eva em relação ao filho. Um grande esforço da atriz Tilda Swinton. Admiráveis
closes dizem o que ela sente em relação a um filho-monstro. E apesar da
elegância narrativa não se exime a amostragem de um psicopata, de como uma
criança assim representa para uma família, revelando-se num ente perigoso que
acha muito natural mutilar e matar.
Dessa forma, as questões ficam a frente
da câmera quando o /a espectador/a se depara com as situações que observa
naquela relação hostil do filho, desde criança, escamoteando sua personalidade
e suas atitudes em relação a mãe para que esta perca a credibilidade junto ao
pai, haja vista que o reconhecimento de um caráter hostil com todos a quem ela
ama, está na pronta refrega ao mal e na manipulação da verdade. O que é
preciso, então, “falar sobre” ou com Kevin, se a percepção dele das coisas se
torna mutilada conscientemente e segue em frente destruindo os outros?
Nas várias áreas do conhecimento,
por exemplo, da psicologia, da sociopsicologia, essas atitudes de Kevin se
estabelecem num quadro referencial de psicopatia ou sociopatia. Como
estabelecer o enfrentamento a esse comportamento diante de outros padrões que
também são apresentados como os modelos de pai e mãe? Nesse caso, a perspectiva
do amor filial é o que vai estar nas
mentes de quem se deparar com um caso desses. E o filme instiga a essa idéia,
sem fechar conclusões.
Um filme denso que certamente se
inscreve entre os melhores exibidos em Belém este ano. No Cine Libero Luxardo,
a partir desta quarta até domingo.
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