quarta-feira, 16 de maio de 2012

FALAR DE KEVIN

Tilda Swinton em "Precisamos falar sobre Kevin".

A primeira imagem que surge na tela é a de uma cortina branca. A câmera aproxima-se lentamente até que a cortina se abre. O que se vê é uma multidão se comprimindo não se sabe em que tempo ou espaço. Logo surge uma mulher salpicada de vermelho (tinta? sangue?). Em seguida vê-se Eva (Tilda Swinton) despertando. Focalizam-se os seus pés descalços que pisam no chão. Nesse momento ela deixa cair algumas capsulas brancas. Encaminhando-se para a porta da casa ela abre e vê que picharam as paredes de vermelho. O enfoque seguinte é de um “travelling” da porta onde está a menina Celia (Ashley Gerasimovich ) que ao se virar em direção à câmera mostra uma venda no olho.
A arquitetura desse inicio diz bem do cuidado artesanal de “Precisamos Falar sobre Kevin” (We Need to Talk About Kevin/EUA 2011), de Lynne Ramsay. A pretensão é  dimensionar o relacionamento tempestuoso de mãe (Eva) com o filho Kevin/Ezra Miller. O contexto repousa nesse relacionamento. Afinal, quem é Kevin desde a infância, garoto de classe média criado com desvelo pelos pais, especialmente pela mãe, evidenciando rebeldia, sujando propositamente de fezes a cadeira quando a mãe lhe ensina fazer contas, depois, um adolescente que suga o cabelo da irmã com aspirador de pó e daí parte para atitudes extremas de violência? Nas primeiras imagens sabe-se que a mãe está deprimida, que toma remédios e exprime dor. Quando se vê a filha menor, a venda em um dos olhos quer dizer algum acidente. E nesses planos, as cores que começam no branco da cortina passam ao vermelho que antes de se ver a casa pichada é percebido em restos de comida diante do foco quando câmera e personagem encaminham-se para a porta de entrada da residência.

Eva lava o rosto e a cena seguinte é do marido, Franklin (John C.Reilly) dançando com a pequena Celia. Daí em diante a narrativa é atemporal, e vê-se Eva procurando emprego, escrevendo ao marido registrando saudades dele (sem que se saiba logo para onde ele foi), sendo esbofeteada por uma pessoa que passa e antes fala com ela, e outra vez com o marido em um período feliz.
Poucos filmes possuem uma pesquisa de linguagem como a que se vê neste trabalho da escocesa Lynne Ramsay de 42 anos. É o seu terceiro longa-metragem e o primeiro que chega até nós. Certamente influenciado pelos 16 prêmios que recebeu, inclusive da critica européia, além de candidaturas ao Globo de Ouro e ao Festival de Cannes.

A complexidade do tema ganha correspondência na forma como é tratada. Mas a constante inclusão de flash-backs não impede que se acompanhe com certa emoção o drama do garoto rebelde e da mãe que se amedronta diante de seu temperamento e das suas atitudes. Apesar de não ser tratado em primeira pessoa, o filme pousa no papel de Eva em relação ao filho. Um grande esforço da atriz Tilda Swinton. Admiráveis closes dizem o que ela sente em relação a um filho-monstro. E apesar da elegância narrativa não se exime a amostragem de um psicopata, de como uma criança assim representa para uma família, revelando-se num ente perigoso que acha muito natural mutilar e matar.

Dessa forma, as questões ficam a frente da câmera quando o /a espectador/a se depara com as situações que observa naquela relação hostil do filho, desde criança, escamoteando sua personalidade e suas atitudes em relação a mãe para que esta perca a credibilidade junto ao pai, haja vista que o reconhecimento de um caráter hostil com todos a quem ela ama, está na pronta refrega ao mal e na manipulação da verdade. O que é preciso, então, “falar sobre” ou com Kevin, se a percepção dele das coisas se torna mutilada conscientemente e segue em frente destruindo os outros?

Nas várias áreas do conhecimento, por exemplo, da psicologia, da sociopsicologia, essas atitudes de Kevin se estabelecem num quadro referencial de psicopatia ou sociopatia. Como estabelecer o enfrentamento a esse comportamento diante de outros padrões que também são apresentados como os modelos de pai e mãe? Nesse caso, a perspectiva do  amor filial é o que vai estar nas mentes de quem se deparar com um caso desses. E o filme instiga a essa idéia, sem fechar conclusões.

Um filme denso que certamente se inscreve entre os melhores exibidos em Belém este ano. No Cine Libero Luxardo, a partir desta quarta até domingo.

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