segunda-feira, 14 de março de 2011

BRUNA SURFISTINHA



No cinema mundial, a jovem que se entrega à prostituição vai ao fundo do poço e tenta emergir já foi tema de inúmeros filmes. Nas produções mexicanas, esse tipo de história se transformou em gênero (maliciosamente chamado de “filme bolero”, pois cada exemplar era acompanhado de uma canção que resumia o drama da personagem principal). Assim, por falta de ineditismo não se pode julgar “Bruna Surfistinha”(Brasil/2011) filme de estréia (se for descontado o documentário “Maria Rita” de 2002) do cineasta Marcus Baldini.


O roteiro de José de Carvalho, Homero Olivetto e Antonia Pellegrino baseia-se no livro “O Doce Veneno do Escorpião” de Raquel Pacheco. Uma autobiografia. Raquel era uma jovem da classe média paulista que deixou os estudos, saiu de casa, e foi se em busca de um emprego que tivesse rentabilidade para sua independência econômica, no caso, a de prostituta. Deixava 40% de sua renda com a dona da casa e aturava não só a violência sexual partida de alguns fregueses como o comportamento competitivo de algumas colegas, inclusive desonestas. Cansada disso resolveu trabalhar por conta própria e usou o apelido que lhe dera um cliente: “Bruna Surfistinha”. Passou a editar um blog e daí em diante a agenciar os seus serviços, ganhando notoriedade.


Mas se tudo ia bem, com um apartamento de luxo que alugou e decorou para os encontros, continuou no vício responsável por sua expulsão da primeir a casa aonde iniciara suas atividades, o uso de drogas. Viciada a ponto de gastar o que tinha na compra de cocaína (principalmente) perdeu a credibilidade até nos mínimos serviços (sua prepotência advinda do uso de entorpecentes foi tornando-a intolerável). O vicio levou-a ao hospital numa crise pré-comatosa, de onde saiu com a ajuda de um cliente. Daí passou a escrever o livro sobre o seu drama, ganhando com isso e com os direitos do filme ora em cartaz nacional.


Numa seqüência em que se vê Raquel em close com um dos clientes com quem faz sexo, num segundo plano se observa a expressão de Deborah Secco, confirmando-se que o filme não trata de mais um trabalho cinematográfico sobre “a mais antiga profissão do mundo”, com todos os clichês condenatórios. A atriz encarnou de tal forma a personagem que engrandeceu sobremodo o filme. E não se diga que foi uma fácil protagonização. Atuando em cenas eróticas do tipo “selfcore”, simulando o coito explicito, a atriz mostrou coragem e dedicação ao trabalho.


Presente em todas as seqüências ela consegue dimensionar a Raquel, ou Bruna, mesmo com o esquematismo do roteiro. Por exemplo: o filme não esmiúça a causa de a jovem ter deixado casa e família para se aventurar em bordel. Nem como aturou passivamente a primeira agressão sexual sem denunciar ou tomar qualquer outra providencia (como sair para outra escola) que mantivesse o seu status de estudante. Tampouco o filme coloca em cena um irmão que a garota nunca teve (eram só irmãs). Este irmão ficticio é apontado como um dos vetores que levam à ação drástica de Raquel, e que vai a sua procura na casa de tolerância usando de violência na censura à irmã. São elementos de linguagem que esquematizam a história e podiam levar o resultado ao lugar-comum do gênero. Felizmente Deborah consegue que o drama se coloque num patamar realista e deixe na tela, além da expressão de dor e em seguida conformação da abertura, uma outra, no final, em que a dor e tristeza patrocinam o abatimento e traduzam um tempo critico que a protagonista quer superar (e prudentemente o fecho é reticente, não afirmando o que vai acontecer ou o que aconteceu, pois Raquel é hoje casada e espera ser mãe).


O filme ganhou a estima do público e a sua linguagem acadêmica apostou nisso. Vale dizer que o diretor acertou na direção de um projeto de grande porte. É só comparar “Bruna Surfistinha” com as tantas “pecadoras” do passado, sejam mexicanas, norte-americanas ou européias. E mais: o filme não exibe uma canção que marque a odisséia da famosa garota de programa. Podia gerar uma melodia qualquer que ajudasse no lucro com a venda de disco. É até surpreendente no modo como trata o tema sem se apegar aos preconceitos de uma faixa social. Só por isso já está acima da média do que se vê nas salas comerciais de cinema, mesmo com a liberdade de expressão moderna.

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