terça-feira, 22 de março de 2011

SHORT CUTS DE WOODY ALLEN


Em “Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos” (You Will Meet A Tall Dark Stranger, Espanha/EUA, 2010) Woody Allen não segue o estilo que marcou sua presença em filmes nova-iorquinos do tipo “Manhattan”, “Noivo Neurótico Noiva Nervosa”, ”Crimes e Pecados”, “Hannah e suas irmãs” e tantas outras obras marcantes. Não é, tampouco, um ensaio inglês da qualidade do que de melhor realizou no Ealing Studio de Michael Balcon, o já clássico “Ponto Final” (Match Point, 2005). É uma crônica comportamental sobre tipos que se desencontram como os que Max Ophuls explorou em “Le Plaisir” (1924) ou Robert Altman nos seus “Short Cuts” (1993) ou “Cerimônia de Casamento” (1978). Basicamente trata do relacionamento dos casais Helena (Gemma Jones) & Alfie (Anthony Hopkins), Sally (Naomi Watts), filha desse casal & Roy (Johs Brolin) e, em meio a esses, Greg (Antonio Banderas), Dia (Freida Pinto) e Crista (Pauline Collins), além de outras personagens que circulam entre os planos.

A idéia parece uma constante em Woody Allen a julgar por “Vicky Cristina, Barcelona” e, mesmo, “Tudo Pode Dar Certo”. São vinhetas de vidas insatisfeitas, mas que procuram algo em algum lugar. Helena, por exemplo, consulta-se com uma vidente para suportar a fuga do marido para os braços de uma jovem, imbuído de uma cultura física adquirida quando chega aos 60 anos. Sally cansa de Roy, o escritor frustrado e impertinente, ficando cada um em um caminho sentimental diferente. O fio condutor que estreita a ligação entre Helena e seus novos sonhos é uma cartomante charlatã que enseja dias melhores à sua cliente. Essas histórias não terminam. O filme quer apenas mostrá-las, e, por continuidade, criticá-las. Mas ainda assim não ganham dimensão bastante para sair de estereótipos.

Como realização observa-se a economia do diretor. Muitos planos-sequencia indicam uma filmagem contínua, sem pensar na edição. Há enquadramentos que captam os atores de costas e os seguem sem corte. Naturalmente isto diminuiu os custos e, por continuidade, o tempo da equipe. Se a métrica funciona isto se deve aos atores, todos mostrando o que sabem (e sabem bem). Allen confiou nas suas estrelas e fez o seu filme ainda na Inglaterra poupando o orçamento. “Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos ” pode ser visto no estilo de filmes B (B-Pictures), e o cineasta sabe que isso não é demérito: é um meio de poder realizar o que espera ou deseja fazer.

O que me pareceu digno de análise no novo trabalho do diretor-roteirista é a sua descrença em valores. Se antes isso era mostrado com humor agora é parte de um drama. O riso não chega como sempre chegava, especialmente quando Allen interpretava uma das personagens. O único viés de comédia está na vidente, francamente desenhada como charlatona. Ela e a crença que disputa da cliente aflita base do hilário cruel, de um conformismo que de tão cínico acaba dando certo, ou seja, a velha senhora acaba encontrando um novo amor.


Embora Woody Allen esteja na faixa dos setenta anos, sua inconfundível lucidez com a crítica de costumes e de comportamentos, de casais numa relação, revela o brilho de seu talento inconfundível. Seus novos filmes são todos pousados em uma ironia cruel, no constrangimento de seus principais tipos. É assim que o aposentado de “Tudo Pode Dar Certo” comenta a sua odisséia e fecha a história com a frase “whatever works” que poderia se traduzir por “tudo pode funcionar”. Funciona como se as peças quebradas servissem de qualquer maneira para completar um quebra-cabeça. Difere daquele espasmo de alegria do hipocondríaco que recebe boas notícias de seus exames médicos em “Hannah e Suas Irmãs”. Hoje seu humor está mais ácido, criticando com maior veemência as relações que nascem com o casamento, ou sobre uma perspectiva geracional (cf. a atitude da jovem namorada do tipo de Hopkins) e os comportamentos mágicos que “vendem” felicidade. Com descrença nos valores humanos pode-se, segundo o argumento, “encontrar a pessoa dos sonhos”. Mas que sonhos? Pesadelos? É a “vida”, diz ele.

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