domingo, 27 de março de 2011

LIÇÕES DE HISTÓRIA & CINEMA



Este blog vai aproveitar algumas inserções sobre Cinema & História que elaborei em out.nov./2004 para o Curso de Especialização em Imagem e Sociedade - Estudos sobre Cinema, promovido pelo Curso de Comunicação Social/UFPA, coordenado pelo Prof. Fábio Castro.



I) A abordagem histórica, a história do cinema e o sentido do cinema na História.


A partir dos anos 1970 - não há um só modo de contar a história do cinema.


1 – Visão da história tradicional sobre o período inicial do cinema: a) vê o cinema como um “contador de histórias”; b) linguagem do cinema como a-temporal e inerente ao próprio cinema mas que teve que ser descoberta em algum momento(teleologia); c) busca os germes da linguagem no início do cinema; d) o cinema só seria cinema quando se adequasse ao modelo narrativo : com todas as nuances do “cinema arte”; e) este tipo de historiografia privilegia a forma narrativa e vê os primórdios do cinema como uma época de “confusão” inicial, mesclado a outras formas populares; f) privilegiava a narrativa linear e a montagem invisível para identificar o cinema e tudo o que não estivesse nessa linha era considerado pré-cinematográfico;


2 - Reformulação do conceito de história do cinema: a) artigos publicados por Jean-Louis Comolli, nos “cahiers du cinema” em 1971/1972 onde ele defende uma “historia materialista do cinema” que quebrará a cadeia causal do progressismo (evolução do cinema visto como fim último do processo narrativo);


Comolli propõe: a) destruição da separação entre historia e teoria do cinema, visto que o objeto proposto deveria ser o “estudo das formas fílmicas” devendo ser estudado dentro das circunstâncias do tempo, dos recursos, da dialética, não reduzido a único objeto mas resultado de várias práticas significantes sem origem e sem fim, ou seja, estas formas fílmicas deveriam ser juntadas e apreciadas no todo social; b) não ler os dispositivos das formas fílmicas somente como procedimentos unicamente técnicos, sem significados ou apenas como fatores , mas vê-los como efeitos, pois do contrário este será tomado de forma a-histórica;


2.1 – A partir do artigo de Comolli surgiram vários estudos refletindo sobre os erros da historiografia tradicional propondo redirecionamento da história do cinema considerando os seguintes pressupostos: a) as formas discursivas dos primeiros cinemas são estranhas ao cinema institucionalizado após 1915 e por isso não podem ser julgadas por normas ainda inexistentes quando surgiram; b) estas normas que definiram o nascimento da linguagem cinematográfica, apesar de duráveis, não são mais do que um instante do código.


2.2 – os novos pressupostos trazem reformulação das pesquisas sobre os primeiros anos do cinema, e um novo ambiente de crítica teórica e de investimento em novas investigações sobre esse período e descoberta de material de pesquisa indisponível aos historiadores clássicos;



2.3 – nos anos 1940 - descoberta da Paper-Print Collection, na Biblioteca do Congresso em Washington (rolos de tiras de papel onde estavam copiados uma serie de fotografias – registros de copyright) – cerca de 5000 rolos do período de 1894 a 1912 que despertam o interesse porque uma parte dos filmes registrados haviam se perdido em sua versão copiada em nitrato de prata antes de serem copiadas em celulóide sendo estas cópias as únicas existentes;


2.4 – nos anos 1950 – Kemp Niver – técnico e colecionador, restaura as fotografias (redesenha-as) e refotografa cada fotograma das cópias em papel, em filmes de 16mm e depois de restaurados, estes foram disponibilizados para estudos dos pesquisadores


3 – O terceiro fator de reformulação da direção das pesquisas e revisão histórica foi o Simpósio de Brighton (Inglaterra) realizado em seguida ao 34º Congresso Anual da Federação Internacional dos Arquivos de Filmes (1978);


a) discussão coletiva entre pesquisadores e arquivistas sobre novos critérios de datação, identificação e preservação para os primeiros filmes, principalmente os de 1900-1906, com enfoques radicalmente diferentes dos pontos de vista da historia clássica do cinema, discutindo-se as características anômalas dos filmes desse período e não sua não-inserção no código narrativo; b) Tom Gunning propôs que fosse chamado “estilo não contínuo” a certas características dos filmes do período por serem “elementos de um estilo cinematográfico que não tinha como objetivo primordial dar a ilusão de uma narrativa contínua”;


3.1. Características desse primeiro cinema compreendiam: a) um filme com vários planos; b) a forte ligação com os sistemas representativos provenientes da cultura popular da época; c) a interpelação constante ao espectador, pelo ator do filme; d)as abruptas elipses entre os planos; e) a montagem repetida das cenas (encavalamentos); f) os planos criados como tableaux alegóricos ora de qualquer linha narrativa; g) mistura de encenações e documentários.


3.2. Enfoques novos sobre o primeiro cinema analisado pelos novos pesquisadores: a) Tom Gunning – o privilegiamento da questão da continuidade , pela historiografia clássica, era porque esta privilegiava o modelo do teatro e da literatura para codificar a análise dos filmese não o modelo das artes populares (lanterna mágica, teatro burlesco, cartoons, vaudeville) – propõe o conceito de “cinema de atrações” para este período; b) Noel Burch – substituição do termo linguagem por modo de representação. Modo de Representação Primitivo – MRP – conjunto de anomalias existentes no primeiro cinema; Modo de Representação Institucional – MRI – modo hegemônico do cinema narrativo (para ele Porter integrava os dois sistemas). c) Carles Musser – o período do primeiro cinema era inventivo e muitas estratégias desenvolvidas usadas pelos primeiros cineastas foram abandonadas em seguida por eles: “Os pioneiros do cinema não estavam tentando descobrir as regras da linguagem do cinema, mas experimentando em direção desconhecida”.


4 – Contradições da historiografia clássica: a) dizer que os primeiros filmes causaram espanto e desconfiança no público – não era assim, porque “como o cinema surgiu como aperfeiçoamento das técnicas óticas utilizadas em espetáculos de magia, nas apresentações de palestras auxiliados pela lanterna mágica, este novo olhar as imagens se adequava ao contexto compartilhado pelas demais diversões populares incluindo certas estratégias narrativas”.


Bibliografia ·


COSTA, Flavia Cesarino. O primeiro cinema. Espetáculo, narração, domesticação. São Paulo: Scritta, 1995 (Coleção Clássica).


GUNNING, Tom. “Fotografias animadas”, contos do esquecido futuro do cinema. In: XAVIER, Ismail. O cinema e o século. Rio de Janeiro, Imago, 1996.


MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas/SP: Papirus, 1997 – (Coleção Campo Imagético).


NAZÁRIO, Luiz. As sombras móveis: atualidade do cinema mudo. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1999.

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