domingo, 4 de novembro de 2012

GONZAGÃO, O FILME (CRITICANDO A CRITICA)


Maria do Rosário Caetano (SP)

Gostei muito do filme "Gonzagão de Pai Para Filho", de Breno Silveira. Mas, para meu espanto, fora Susana Schild (O Globo), Neusa Barbosa (site Cineweb: que, me parece, gostou, mas ainda não li a crítica dela!!!-- NEUSINHA ME INFORMA QUE A CRITICA DO CINEWEB É DE AUTORIA DE LUIZ VITA!!! e que ela gostou do filme), Isabela Boscov (na Veja: gostou com algumas restrições), só vejo críticas pesadas ao filme. Inácio Araujo (na Folha) deu regular. Conversamos sobre a crítica dele, num dos corredores da Mostra SP, com breve (e educada) troca de ideias. Rubens Ewald, na Tribuna (de Santos) não gostou. Os críticos mais jovens, pelo que me contam (e por conversas que mantive com alguns deles) DETESTARAM o filme. Não tive tempo de pedir cópias destas críticas (a maioria na internet). Nem tive acesso aos jornais do Nordeste (em especial de Pernambuco), nem do Centro-Oeste, nem do Sul, nem da Amazônia.
Hoje, li uma crítica positiva (e muito bem argumentada) de José Geraldo Couto, no blog dele/Instituto Moreira Salles. A primeira crítica positiva assinada por um crítico do sexo masculino!!!!!. Afinal, Susana, Neusinha, Boscov e eu somos mulheres. Será que o filme de Breno sensibiliza mais às mulheres??? Fica a pergunta.

Tenho fama de "madre Teresa de Calcutá, ou Irmã Dulce, do cinema brasileiro". Ou seja, defensora juramentada do cinema pátrio (e do cinema latino-americano). Que seja. Gostei muito da pegada documental de "2FF". Mas não gostei de jeito nenhum de "Era Uma Vez", segundo longa de Breno. Achei os diálogos terríveis, inverossímeis... enfim, custei esperar o final da exibição. Não me entusiasmei com "À Beira do Caminho". Só tive prazer em ver o show de interpretação de João "eye ligth" Miguel e do moleque Vinícius Nascimento...
Fui ver "Gonzagão, o Filme" com imensa expectiva (Gonzagão é um dos raros "reacionários" que sempre amei!). Quando a sessão começou com aquele prólogo de imagens fragmentadas e violinos (ou rabecas??) chorosos e chantagistas, eu gelei."Dio mio" -- pensei -- "Breno desaprendeu. Foi contaminado pelo melô de Era Uma Vez e À Beira do Caminho. Mais um caso perdido no cinema brasileiro".

Foi só o prólogo acabar e lá estava o Breno Silveira de "2FF", com seus atores não-televisivos, sua pegada documental, sua capacidade de fazer bons filmes populares e de inserir seus personagens em seu tempo histórico, suas pitadas sociais, sua elegância narrativa, etc, etc. Saí satisfeita do cinema. Breno voltava à boa forma!!!.
Aí comecei a ler as críticas. E a conversar com colegas da Abraccine. Inclusive com os pernambucanos. DE FORMA ainda apressada, pois ainda não li as críticas (nordestinas, em especial, mas vou ler!!), tiro algumas conclusões (APRESSADAS, repito!):

1. Breno Silveira paga caro por ter a Globo Filmes como parceira neste projeto. E por integrar produtora badaladíssima como a Conspiração.
2. Desperta certo ressentimento no jovem cinema (e na crítica) pernambucano(s) por ter feito um filme de temática pernambucana (Gonzagão nasceu em Exu e foi eleito o personagem do século XX pelos pernambucanos), com grana do Governo (e empresas) do estado (quanto há de $ pernambucano no filme?). Ele é CARIOCA!!!!, apenas neto de avô pernambucano!!!

3. Breno trabalha no campo do melodrama, gênero desprezado (inclusive por mim, amante do distanciamento crítico brechtiano) e não nega que quer fazer cinema popular de qualidade. Ou seja, filmes que dialoguem com o grande público. Nada mais natural num cineasta (e FOTÓGRAFO, que, inclusive, fotografou documentários de Eduardo Coutinho!) que estreou com um filme que fez 5,4 milhõesssss de espectadores: "2FF").
4. Breno Silveira fez um filme APELATIVO, DESPREZIVEL???????? Não. "Gonzaga de Pai pra Filho" é um filme digno, honesto, que recria uma história arrebatadora: um filho não-biológico, que cresce no morro/favela, longe do pai famoso (ligado aos militares e à Arena: no filme, um jovem cearense pede ao jovem Gonzaga, que passara quase dez anos servindo ao Exército, que cante coisas do Norte, e não fados e assemelhados. Sabem quem seria este jovem, anos mais tarde? ARMANDO FALCÃO, o ministro da CENSURA militar, aquele que nada TINHA A DECLARAR!!). O filme trabalha com vigor e concisão o difícil relacionamento entre pai conservador e filho rebelde, sertão X favela, amor filial e bastardia, etc, etc.

5- Me dizem que o filme desconhece elipses, que é longo demais, que perde o ritmo.... O filme dura, creio, 2h05. Para mim, ele é vertiginoso. Não senti um segundo sequer de tédio. Como sou "gonzagueira" desde a infância, sei muito sobre ele. Para completar, li os livros de Dominique Drefus e de Regina Echeverria. E tive o prazer de ver muitos shows de Gonzaga e de entrevistá-lo para jornais brasilienses (como já disse, era o único reacionário que me mobilizava como ouvinte, espectadora e jornalista! Nunca entrevistei Nelson Rodrigues!!!!). Se o filme não tivesse ritmo, eu que conheço bem o assunto, me desinteressaria. Mas fiquei grudada na tela. Quando o filme acabou, eu pensei que estava ainda na segunda de três partes, que a narrativa chegaria à última paixão de Gonzaga (uma amante que o acompanhou na fase das doenças), ao enterro ÉPICO pelosss Nordestesss, a Gonzaguinha na beira do túmulo com o gibão cangaceiro do pai na mão. E à morte do próprio Gonzaguinha, menos de dois anos depois do pai, etc, etc.
6. HUMOR -- A parte da crítica que vem se entediando com o filme não deu a mínima para o fino humor da narrativa. Nem para o show de 3 ou 4 atores (dois estão iluminados: Claudio Jaborandi e João Miguel). A cena do recrutamento de Meio Quilo (o sapateiro) e Salário Mínimo (o anão), seguida do ensaio NUDISTA no riacho é deliciosa!! E a sequência do duelo de Mestre Januário e sua sanfoninha de 8 baixos X Gonzaga com sua sanfana prateada??!!!! É cinema da melhor qualidade, construído com imagens, não com diálogos (sub)literários. É filme de fotógrafo-cineasta!!!!

7. ESTERILIDADE - Parentes (e amigos) de Gonzagão não gostam de que se diga que ele era estéril (vide depoimento de Lelete, a viúva de Gonzaguinha à Folha de SP, no dia da estreia do filme!). Fui ver o filme sabendo que Gonzaguinha não era filho biológico de Gonzaga. Só que Breno e seus roteiristas me pregaram uma peça. Quando vi a rabugenta Helena barriguda, quase caí da cadeira. Mas quem engravidou esta mulher, pensei? Em segundos, Breno desconstruia a cena. Louca para engravidar, a madrasta, que detestava o bastardo Gonzaguinha, arrumou uma barriga falsa (Breno diz que isto é fato comprovado). Outro bom momento do filme.
8 - RELAÇÃO COM OS MILITARES -- Rubens Ewald Filho, de quem sou leitora fiel (em A Tribuna, de Santos) acha que o filme tem vergonha de nos emocionar. Depois de ver tanto sofrimento do filho em busca do amor do pai, ele acha que o público merecia um grande encontro dos dois artistas, felizes e cantando juntos. E mais: que a ligação de Gonzagão com a Ditadura Militar não é explorada. Na minha opinião, é: 1. na cena em que o jovem Gonzaguinha deixa o apto da Ilha do Governador (recheado de posters esquerdistas) depois de briga violenta com o pai, que o acusa de defender ideias comunistas. 2. na cena em que Gonzaga canta para militares de altas patentes, com suas muitas estrelas e dragonas.

 (Maria do Rosário Caetano é pesquisadora do cinema brasileiro e latinoamericano, crítica de cinema e com livros de cinema já publicados. Em seu blog http://almanakito.wordpress.com/ há uma crítica mais ampla sobre o filme de Breno Silveira.)

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